• Nenhum resultado encontrado

Síntese das críticas e arquétipo político desenhado

Schmitt realiza diversas críticas às doutrinas liberais de representação política dos Estados nacionais surgidos no final do século XIX e início do século XX. Sua atividade enveredou por diversos campos e constatações e podemos elencá-las do seguinte modo:

a) Crítica ao tecnicismo e à impessoalidade impregnados no Estado com a ascensão da burguesia, refletindo um desvalor à secularização, ao artificialismo e ao mecanicismo que transformaram a sociedade moderna em um vazio do qual não se pode mais distinguir o bem o mal, somente o útil e o inútil.

b) Censura ao princípio da representação democrática parlamentar por refletir mera formalidade mecânica desprovida de elementos substanciais próprios do princípio da representação política, sem prejuízo de alienar a administração dos interesses nacionais a grupos que não seriam detentores da soberania.

c) Desvalor do paradigma de Estado que neutralizou a atividade política como ato soberano de decisão contra o inimigo interno e externo – a política deveria ser a decisão de vencer e pacificar a guerra de todos contra todos.

d) Negação da concepção racional de debate, publicidade e balanceamento de poderes, geradores de uma verdadeira manipulação do ideal democrático por parte da atividade parlamentar representativa.

e) Aversão ao pluralismo político e ao federalismo próprios da doutrina liberal, insurgindo-se contra o que qualificava de eterno debate burocrático ocasionado pelo parlamentarismo liberal da República de Weimar, que minava o verdadeiro exercício da soberania.

164

seriam as características do novo arquétipo estatal, delineado por Carl Schmitt, como resultante da superação do regime parlamentar democrático e representativo. Esse Estado seria:

a) Uma república marcada pela hegemonia do Poder Executivo sobre o aparelho do Estado, compreendendo o sistema político que prescindisse da representação popular por meio de parlamentos e casas legislativas, restando suprimida, portanto, a esfera legislativa como poder próprio, inferindo-se daí pleno poder administrativo e legiferante para o Chefe do Poder Executivo; bem como uma república onde o regime político não se encontra subordinado à fiscalização de demais poderes ou órgãos externos, ou seja, não está sujeito à prestação de contas.

b) Um estado unitário que não delega, ou que delega em pequena medida, autonomias administrativas e políticas para os demais micro-estados ou regiões administrativas, possuindo caráter, portanto, nitidamente centralizador.

c) Uma nação cuja racionalidade do sistema político é guiada pelo mito da própria nacionalidade como valor supremo e constante, em substituição à livre volição dos indivíduos pregada pela democracia parlamentar, inserindo-se aí o caráter homogêneo necessário para a identificação do princípio democrático e a própria funcionalização das formas jurídicas.

d) Uma nação onde a democracia, assim entendida como valor que pressupõe a participação da vontade do povo (maiorias e minorias de quaisquer grupos étnicos, religiosos, culturais, sexuais, etc.) na formação da vontade geral da nação, resta exercida de forma meramente plebiscitária e dirigida unicamente ao Chefe do Poder Executivo, excluindo ou não protegendo os grupos minoritários que discordem da vontade geral.

e) Uma república dotada de Poder Judiciário impedido de avaliar e fiscalizar os atos governamentais e as próprias leis promulgadas pelo Executivo por meio do controle de constitucionalidade, facultado na única competência de aplicar o direito

165

ordinário aos eventos concretos que lhe forem apresentados.

f) Uma nação caracterizada pela instauração e manutenção de um estado de exceção permanente por meio do qual a atividade política se movimente sem amarras, ou seja, onde há prevalência da decisão política soberana e subjetiva sobre a ordem jurídica e sua consequente normatividade.

g) Enfim, um estado marcado pelo desinteresse quanto aos valores do individualismo – assim entendido como corolário do princípio liberal, com seus direitos e garantias individuais – e hostilmente marcado pela sistematização funcional do cidadão dentro de um panorama que lhe é imposto pelo poder político vigente.

Macedo Jr. conclui de modo semelhante o arquétipo estatal delineado por Schmitt:

“A partir do que foi exposto, conclui-se, pois, que politicamente o decisionismo jurídico imbrica-se intimamente, no interior do pensamento schmittiano, com uma concepção de Estado forte, de uma democracia ditatorial de tipo totalitário, fundada na igualdade (igualdade de estirpe), de modo a manter a unidade e hierarquia de poderes políticos e do próprio direito no âmbito da sociedade. Na concepção política schmittiana, não há mais lugar para um equilíbrio pluralista. A unidade deve ser mantida pela hierarquia e pelo comando, e tem como pré-requisito a unidade de estirpe”287

Não podemos olvidar, por fim, que em seu ataque à doutrina liberal, ao parlamentarismo, à representação democrática, à democracia pluralista e ao próprio federalismo, Schmitt transparece uma conclusão inafastável: a de que o processo de decisão política nas modernas repúblicas constitucionais não pode ser enquadrado de forma difusa, pois isso milita contra a soberania que deve captar o ideal democrático homogêneo.

Se Schmitt não vê na democracia um sistema de garantias de liberdades pessoais, muito menos pretende que o processo de decisão política possa enquadrá-la; como já mencionado, o significado do indivíduo para o filósofo alemão é definido pela

287

166

soberania estatal, as ações volitivas individuais devem ser enquadradas no planejamento institucional que é fornecido pelo arquétipo político do soberano.

É aí que surge o ponto de ruptura com a democracia parlamentar: a moderna democracia de massas exige para Schmitt franca centralização, unidade e homogeneidade, tudo o que possa levar o poder político perante o soberano.

A ideia de que as decisões de interesse geral possam ser debatidas e geridas fora desse espectro institucional não tem lugar em sua concepção, fortemente ilustrada pelas críticas contextuais à democracia parlamentar da República de Weimar.

167