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Estudo II Conhecimento emocional preexistente e a sua influência na recuperação de novas associações

5.1 Síntese da discussão dos resultados

Nesta tese, foram investigados os correlatos neurofuncionais de diferentes processos de memória de esquemas emocional. Para o efeito foi utilizado o método de Ressonância Magnética Funcional em dois estudos empíricos aplicados a humanos. No primeiro estudo (EI) demonstrámos que a resposta hemodinâmica do MCC está associada à memória de codificação de informação emocional em situações em que os participantes avaliaram e identificam os seus próprios estados emocionais (i.e., usando conhecimento emocional preexistente), comparativamente com informação neutra e em oposição a situações em que os participantes avaliaram e identificam detalhes externos (i.e., luminosidade dos estímulos) do mesmo tipo de informação. No segundo estudo (EII), demonstrámos que o MCC participa, não só na avaliação de conhecimento emocional preexistente, relacionado com relevância pessoal (i.e., frases afirmativas referentes a crenças classificadas como preferenciais), por oposição a conhecimento preexistente não-relevante (frases afirmativas referentes a crenças classificadas como não-preferenciais pelos participantes), como também na memória de recuperação de associações entre esse tipo de conhecimento e nova informação (i.e., faces neutras). No seu conjunto, estes resultados indicam um papel crítico do MCC nos processos de memória para esquemas emocionais. Estes resultados são consistentes com outros estudos de memórias emocional, tanto na formação de memórias emocionais (humanos: Canli et al., 2002, 1999; Qin et al., 2012; Waringa & Kensingera, 2012; não-humanos: Fornari et al., 2012; Miranda et al., 2008, Miranda et al., 2011; Klavir et al., 2012; Uematsu et al., 2014), como na recuperação e associações que envolvem componente emocional (e.g., Smith et al., 2004). No segundo estudo, também foi demonstrado que o MCC, não só prediz o sucesso de memória de recuperação de associações entre conhecimento emocional preexistente relevante e nova informação, como também prediz as omissões de memória de recuperação de associações entre conhecimento emocional preexistente não- relevante e nova informação. Por outras palavras, o MCC tanto facilita a recuperação

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de associações como as pode inibir, dependendo do valor do conhecimento emocional preexistente (valor da crença). Estes resultados são particularmente interessantes pois sugerem um papel seletivo do MCC na recuperação de novas associações, privilegiando aquelas que se associam com conhecimento preexistente relevante para o sujeito, consistente com outras demonstrações (e.g., de Wit et al., 2006). Além disso, ambos os estudos demonstraram que áreas dentro do lobo temporal medial – sistema neuronal importante para o processamento da memória – estão conectadas com o MCC para o prever o sucesso de memória para esquemas emocionais. Da mesma forma, vários estudos anteriores mostraram a conectividade do MCC e áreas associadas à memória, tais como o hippocampo (Wang & Cai, 2008; Laroche, Davis, & Jay, 2000; Barker & Warburton, 2008; Zhang, Fukushima, & Kida, 2011; Jones & Wilson, 2005; Benchenane et al., 2010; ver também: Cavanagh & Frank, 2014; Cavanagh, Zambrano-Vazquez, & Allen, 2012; Cohen, 2011; Jones & Wilson, 2005; Jones & Witter, 2007; Gabbott & Warner, 2005; Izaki, Takita, & Akema, 2003; Godsil, Kiss, & Spedding, 2013; Tsujimoto, Shimazu, & Isomura, 2006) e a amígdala (Milad et al., 2007; Lang et al., 2009; Livneh & Paz, 2012; Feng et al., 2013; Burgos- Robles et al., 2009; Uematsu et al., 2014; Tan et al., 2011, 2010; Klavir et al., 2013; Livneh & Paz, 2012).

Adicionalmente, no segundo estudo, a conectividade entre o hipocampo e o MCC também era um previsor das omissões de memória de recuperação de associações entre conhecimento emocional preexistente não-relevante e nova informação. Este resultado é consistente com um estudo em não-humanos, mostrando que a interação entre o hipocampo e o córtex pré-límbico pode representar, tanto um processo de aquisição de associações como de remoção de outras, dependendo do reforço de recompensa (e.g., Behrendt, 2011). Isto reforça a ideia de que o papel do MCC, e a sua interação com o hipocampo, pode fazer parte de um mecanismo que facilita ou inibe a recuperação de associações, facilitando aquelas que se associam com algo emocionalmente recompensador. Em suma, os nossos resultados, são suportados por estudos anteriores e indicam que o MCC, e sua interação com o lobo temporal medial, é importante para os processos de memória de esquemas emocionais (ver Figura 14).

Discussão geral e conclusões

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Possível hipótese das funções do MCC: processamento de esquemas emocionais

Apesar de haver um vasto corpo de trabalhos realizados sobre o papel do MCC, não existe até à data um consenso na comunidade científica acerca do papel desta estrutura (ver recente discussão científica entre Lieberman e Eisenberger (2015) e Yarkoni,T.2 Ph.D. investigador principal da Universidade do Texas).

Figura 14 | Sobreposição de ativação do MCC para os dois estudos, nos resultados de

conetividade com o lobo medial temporal.

Este facto sugere que as hipóteses explicativas anteriormente edificadas na literatura não foram capazes de captar a real complexidade das funções associadas a esta estrutura. Portanto, o facto de o MCC aparentar ter o dom da ubiquidade é uma indicação clara de que a conceptualização teórica utilizada para a realização de muitos

2http://www.talyarkoni.org/blog/2015/12/05/no-the-dorsal-anterior-cingulate-is-not-selective-for-pain- comment-on-lieberman-and-eisenberger-2015/ https://www.psychologytoday.com/blog/social-brain-social-mind/201512/comparing-pain-cognitive-and- salience-accounts-dacc http://www.talyarkoni.org/blog/2015/12/14/still-not-selective-comment-on-comment-on-comment-on- lieberman-eisenberger-2015/

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dos anteriores trabalhos é útil, mas manifestamente insuficiente. Esta incapacidade de elaborar uma concetualização teórica suficientemente abrangente torna-se clara quando se verifica que cada grupo de investigação se tende a focar numa função específica do MCC, como por exemplo a surpresa negativa (Egner, 2011), mas sempre sem conseguir explicar a totalidade de funções desta região – como por exemplo, integrando o seu papel fundamental nos processos de aprendizagem e de memória. É, no entanto, de referir uma vez mais, a importância dos esforços feitos por vários investigadores em tentar harmonizar todas as funções do MCC numa única abordagem teórica (e.g., Shackman, Salomons, Slagter, Fox, et al., 2011).

Para tentar incluir a complexidade de funções encontradas no MCC, e a sua aparente ubiquidade, comecei por analisar resultados e métodos experimentais, assim como as mais relevantes hipóteses explicativas do MCC. As hipóteses mais influentes na literatura sugerem que o papel do MCC está associado com funções cognitivas (e.g., monitorização de conflito, deteção de erro, elevados níveis de atenção), através da realização de tarefas que promovem o processamento emocional. Convergentemente, o MCC também é altamente importante na elicitação das respostas do sistema periférico simpático (e.g., Critchley et al., 2003b). Além disso, análises de conjunção mostram que esta estrutura cerebral medeia simultaneamente o processamento emotivo e cognitivo (e.g., Shackman, Salomons, Slagter, Fox, et al., 2011). De facto, o MCC tem vindo a desempenhar um papel na interação entre emoções e cognição (e.g., avaliar e prever durante uma experiencia emocional), quando demonstrada o seu envolvimento em tarefas de avaliação de conteúdo emocional, enquanto experiência sentida. Segundo teoria dos esquemas, a interação dinâmica entre emoções e cognição elícita a recuperação de esquemas emocionais (i.e., estrutura de conhecimento preexistente) durante uma experiência, que por sua vez, influenciam os processos de memória. É ainda importante referir que a avaliação da informação emocional e a recuperação do conhecimento emocional preexistente autobiográfico são mediados pelo MCC (McRaea et al., 2008). Estes resultados sugerem que quando a pessoa efetua uma avaliação está a recuperar (i.e., processo de memória) estruturas de conhecimento emocional preexistente passiva e automaticamente, em concordância com os pressupostos da teoria dos esquemas (e.g., Izard, 2007; Reisenzein & Stephan, 2013; Reisenzein, 2001). Também, uma

Discussão geral e conclusões

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vasta gama de estudos tem demonstrado que o MCC se associa a processos de aprendizagem e memória emocional. De facto, estudos de neuroimagem funcional em humanos, mas sobretudo estudos em não-humanos que usam métodos de inativação de áreas homólogas em humanos, permitem conceber o papel MCC irredutivelmente necessário nos processos de aprendizagem e memória emocional (e.g., Klavir et al., 2012; Uematsu et al., 2014; Laurent & Westbrook, 2009; Frankland et al., 2004; Corcoran & Quirk, 2007). Apesar da investigação empírica providenciar estas evidências, as mesmas parecem ter sido descuradas por grupos de investigadores da neurociência cognitiva aplicada a humanos, na tentativa de compreender as funções do MCC.

Na sequência dos presentes resultados obtidos em ambos os estudos realizados, torna-se ainda mais premente encontrar uma função psicológica que possa ser associada ao MCC e que seja capaz de abranger toda a gama de tarefas para as quais esta região se tem revelado importante. A interação dinâmica entre a cognição (e.g., avaliação) e o processamento emotivo são, por si só, processos bastante vastos que, no entanto, têm sido frequentemente abordado na literatura científica. A teoria dos esquemas (e.g., Piaget, 1926; Bartlett, 1932; Neisser, 1976; Anderson, 1984; Rumelhart, 1978, 1980; Rumelhart & Ortony, 1976), mais particularmente a teoria dos esquemas emocionais (e.g., Izard, 2007, 2009; Russell, 1991; Reisenzein, 2001; ver também: Lewis, 2005) prevê que a avaliação subjetiva de informação emocional esteja

especificamente associada à ativação de estruturas de conhecimento

emocional preexistente (i.e., esquemas) de modo a perceber/interpretar/compreender uma dada experiência no momento presente. Nesta tese foi demonstrado também, que as teorias dos esquemas permitem estabelecer um modelo teórico suficientemente abrangente para englobar as funções até agora descritas para o MCC, através da combinação dessas funções com a dinâmica e estrutura dos esquemas (ver Capítulo II). Portanto, o conjunto dos trabalhos anteriormente realizados no MCC, em conjunto com os resultados obtidos nos dois estudos desta tese permitem sugerir que o MCC pode ser considerado como uma estrutura associada aos esquemas emocionais. Mais particularmente, a inexistência de uma teoria explicativa do MCC, que seja suficientemente abrangente para englobar todos os resultados obtidos, e o crescente número de trabalhos que demonstram um papel fundamental do

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embodiment (‘incorporação’) na cognição, sugerem a necessidade do

desenvolvimento do conceito de esquemas emocionais. O conceito de esquemas emocionais, enquanto estrutura de conhecimento em si, já foi anteriormente referido por um pequeno número de autores (Bullock & Russell, 1986; Fehr & Russell, 1984; Russell, 1991; Shaver & Schwartz, 1987; Oosterwijk & Barrett, 2014; Niedenthal et al., 2009) sem que, no entanto, tenha havido uma preocupação clara em enquadrar essa definição com os dados neurofisiológicos mais recentes. Proponho aqui que trabalhos futuros deveriam definir claramente o conceito de esquemas emocionais, de forma a englobar os novos achados experimentais e testar a validade da hipótese de que o MCC pode ser uma estrutura cerebral cuja função está associada à facilitação da expressão, consolidação e recuperação de estruturas de conhecimento emocional preexistente - esquemas emocionais.

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