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SAÚDE DE FUNCIONÁRIOS QUE MANIPULAM CADÁVERES E RESÍDUOS CEMITERIAIS

Devido aos agentes biológicos, as doenças profissionais podem atingir os seguintes grupos profissionais: praticantes de medicina (particularmente patologistas), enfermeiros, funcionários de funerárias e de UC, cientistas forenses, preparadores de corpos (embalsamadores, tanatólogos, tanaestéticos, entre outros), membros de equipas de emergência médica, técnicos de anatomia de cadáveres, arqueólogos e trabalhadores da construção civil.

O corpo humano aloja vários organismos mas apenas alguns são patogénicos. Quando morre, o ambiente em que os patogénicos vivem já não os pode sustentar. No entanto, isto não acontece imediatamente e a transmissão de agentes infecciosos do cadáver para uma pessoa viva pode ocorrer. O controlo microbiológico deve incidir sobre todos os possíveis agentes presentes. A verificação sanitária do local de trabalho deve ser feita periodicamente bem como a vigilância do estado de saúde dos trabalhadores (Sousa, 2005).

Um agente biológico de risco pode ser um microrganismo, cultura de células ou endoparasita humano, incluindo os geneticamente modificados, que possa causar qualquer infecção, alergia, toxicidade ou que represente risco para a saúde pública.

Para avaliar a perigosidade de um agente biológico, deve ser considerada a sua natureza (virulência, resistência à inactivação, transmissibilidade, risco de mortandade), a susceptibilidade ou vulnerabilidade do hospedeiro à infecção (fisiologia do hospedeiro, imunidade, estado de saúde, percepção, etc.) e o ambiente físico, estrutural, social e político em que o hospedeiro e o microrganismo se encontram. As interacções entre hospedeiro, microrganismo e ambiente que resultam em doença, são complexas e devem ser estudadas em pormenor. A susceptibilidade do hospedeiro a um agente biológico de risco está relacionada com o estado de saúde do hospedeiro (vacinação, idade, doenças, grau de imunidade, entre outros).

As classes de risco que os microrganismos representam são baseadas no conhecimento da história natural da infecção (baseada em registos históricos), na incidência da infecção na comunidade, na dose necessária para iniciar a infecção (se conhecida), na rota pela qual a infecção pode ser adquirida, na presença de vectores e reservatórios, na quantidade e concentração de microrganismos, na possível produção de aerossóis e sua libertação acidental e na disponibilidade e efectividade de medidas de profilaxia e tratamento.

A natureza do risco associado aos resíduos dos cuidados de saúde pode estar associada a agentes infecciosos, genotoxicidade, químicos ou fármacos tóxicos ou perigosos, radioactividade e objectos pontiagudos. A capacidade de um microrganismo patogénico sobreviver no ambiente é específica a cada espécie e função da sua resistência a características ambientais como a temperatura, humidade, radiação UV, matéria orgânica disponível, presença de predadores, entre outros.

Para que se estabeleça uma contaminação tem que ocorrer uma cadeia de eventos e os esforços de controlo devem basear-se num entendimento claro da transmissão e efeito epidemiológico dos diferentes microrganismos, para que sejam tomadas as medidas mais adequadas para quebrar a cadeia. Então, o controle de infecções pode ser atingido através da eliminação do reservatório, da utilização de equipamento de protecção pessoal e outras medidas preventivas de modo a minimizar a transmissão, da prevenção do estabelecimento

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da infecção através de medidas de imunização ou da disposição adequada de resíduos infectados.

Existem algumas medidas de prevenção de carácter genérico, nomeadamente, a redução do risco de exposição a um nível tão baixo quanto possível, limitação ao mínimo o número de trabalhadores expostos, adaptação dos processos de trabalho e das medidas técnicas de controlo para evitar ou minimizar a disseminação dos agentes biológicos, aplicação de medidas de protecção individual e colectiva (caso a exposição não possa ser evitada), aplicação de medidas de higiene compatíveis com os objectivos da prevenção, elaboração de planos de acção em caso de acidente ou emergência (envolvendo agentes biológicos), verificação da presença de agentes biológicos utilizados no trabalho fora do confinamento físico primário (sempre que necessário e tecnicamente possível), utilização de meios de recolha, armazenamento e evacuação de resíduos, após tratamento adequado, incluindo o uso de recipientes seguros e identificáveis, utilização de processos de trabalho que permitam manipular e transportar os agentes biológicos sem risco, entre outras. Novas informações, técnicas e medidas de protecção emergem permanentemente e a susceptibilidade dos trabalhadores em relação a certas infecções também varia ao longo do tempo. É natural que, apesar de o risco de um microrganismo permanecer o mesmo, a percepção social desse risco varie.

Estudos de risco do local de trabalho, disseminação da informação acerca dos deveres e procedimentos que devem ser seguidos pelos trabalhadores, treino, monitorização da exposição, sistemas de vigilância médica, procedimentos e materiais para prevenir a exposição aos agentes biológicos de risco, avaliação e actualização periódica das precauções, manutenção de registos, entre outros, são alguns aspectos essenciais da prevenção (Duse, 2002).

Existem poucos dados acerca do impacte na saúde da exposição a resíduos de cuidados de saúde. Melhores dados iriam permitir melhorias na gestão destes resíduos e a adopção de medidas de protecção. A grande diversidade de resíduos envolvidos e as diversas condições de exposição a estes resíduos são um aspecto problemático para avaliar tanto os riscos como os efeitos da exposição (World Health Organization, 1999).

Os cadáveres representam risco de infecção para as pessoas que os manuseiam. Os principais agentes patogénicos infecciosos que representam riscos incluem Mycobacterium tuberculosis, hepatite B e C, HIV e priões. De particular preocupação é o número crescente de estirpes resistentes a várias drogas que se desenvolveram nos últimos anos.

Experiências desenvolvidas com culturas de M. tuberculosis provenientes de tecidos pulmonares autopsiados após tamponados com uma solução contendo 10% de formaldeído, demonstraram que o bacilo permanece viável e, consequentemente, infeccioso por 24 a 48 h após o embalsamento do cadáver.

A hepatite viral é causada por infecções por vírus que atacam o fígado em primeiro lugar. Marcadores serológicos específicos de vírus de hepatite B e C foram detectados em tecidos de cadáveres e em testes sanguíneos após a morte e a sua prevalência entre cadáveres revelou-se elevada.

HIV infeccioso foi relatado em fluidos pulmonares, fluidos pericardiais e sangue de pacientes infectados, após armazenamento a 2ºC durante 16,5 dias após a morte. Também foi isolado HIV viável de fragmentos de ossos, do baço, cérebro, medula óssea e nódulos linfáticos 6 dias após a morte. Por outro lado, os cadáveres infectados com HIV geralmente também são portadores de outras infecções oportunistas, como a tuberculose, que pode ser mais infecciosa do que o HIV.

A vacinação contra a hepatite B ajuda a prevenir a infecção e tem 70 a 80% de eficácia até uma semana após a exposição. A prévia vacinação contra o BCG (Bacilo de Calmette e Guérin) pode proteger contra a tuberculose e o teste da tuberculina pode ser uma medida útil após a exposição.

As encefalopatias espongiformes transmissíveis (TSE) são doenças degenerativas do sistema nervoso central causadas por agentes infecciosos constituídos apenas por proteínas, chamados priões. Os priões são proteínas com capacidade de modificar outras proteínas, tornando-as cópias de si mesma. Todas as doenças supostamente causadas por priões afectam a estrutura do cérebro ou dos tecidos neurais, não possuem cura e são sempre fatais. Estes são mais resistentes à destruição do que qualquer outro patogénico conhecido e não são neutralizados por radiação. Pode ser transmitida por consumo de carnes contaminadas e contacto com material cirúrgico contaminado. Alguns relevam-se infecciosos em cinzas a 360ºC.

Apesar do embalsamento reduzir os riscos de infecção, não existe informação adequada acerca das propriedades desinfectantes dos fluidos geralmente utilizados. As soluções mais utilizadas são preparadas a partir de formaldeído, etanol ou fenol. Apesar de as soluções de formaldeído terem elevada capacidade germicida para inactivar micróbios e vírus, não é eficaz para priões. O etanol é muito utilizado para controlar o crescimento bacteriano e fungicida mas não de endoesporos, vírus não desenvolvidos ou priões. O fenol tem elevada capacidade contra bactérias, vírus e fungos mas não contra priões.

Assim, os cadáveres devem ser acompanhados por ficheiros detalhados contendo a causa de morte e os registos hospitalares mais relevantes. Todos os cadáveres devem ser tratados como se de material contagioso se tratassem. O risco de quem manuseia os cadáveres ser contaminado por patogénicos do trato respiratório é remoto mas cobrir a cara do cadáver com tecido é uma precaução que se deve ter. Quem lida com os cadáveres deve utilizar protecção adequada para evitar transmissões acidentais. Os materiais que entram em contacto com o cadáver devem ser descontaminados (mesa de autopsia, utensílios, veículos, etc.) e os resíduos eliminados da mesma forma que resíduos hospitalares. Os métodos usuais de esterilização e desinfecção são efectivos para a grande maioria dos agentes infecciosos mas não para priões. Para estes devem ser utilizadas medidas específicas de descontaminação (Demiryürek et al., 2002).

Considerando que algumas das pessoas que, em caso de catástrofe, lidam com os cadáveres podem não ter experiência nesta área, devem ser-lhes dadas algumas instruções básicas acerca dos riscos e das precauções a ter. Devem ser tomadas as precauções universais com sangue e fluidos corporais. Os cadáveres normalmente libertam fezes deixando as pessoas que com eles lidam mais expostas a organismos gastrointestinais do que vírus sanguíneos. Os trabalhadores podem ser expostos por contacto directo com o cadáver ou com as suas roupas. A contaminação de outros equipamentos, como macas ou veículos utilizados para transporte ou armazenamento, também é possível. No entanto, estes organismos não sobrevivem durante muito tempo às condições ambientais e por isso representam pequeno risco de infecção nos casos em que o cadáver se encontra em decomposição à algum tempo ou quando esteve em água.

Um desastre de grande escala pode ultrapassar a capacidade das morgues locais, sendo necessárias medidas de urgência. Não existem guias para estabelecer morgues temporárias, mas geralmente são considerados hangares ou pavilhões e veículos militares. Em todos os casos deve ser designado um local em que sejam retidos os fluidos corporais e químicos resultantes dos exames forenses/patológicos dos cadáveres e do início dos processos de decomposição. Se a drenagem deste local não for satisfatória, deveram ser

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fechadas as saídas e deve ser feita a recolha e disposição adequada dos efluentes por especialistas. As preocupações com infecções e com a decomposição dos cadáveres pode levar a uma disposição não planeada dos cadáveres, muitas vezes antes de ser feita a identificação das vítimas. As preocupações com doenças pode também levar a precauções desnecessárias tal como inumar os cadáveres em valas comuns e adicionar cal como substância que, pelo seu grande poder bactericida e germicida, higieniza e desinfecta o local, impedindo a proliferação de microrganismos e odores provenientes dos cadáveres em putrefacção. Na maior parte dos desastres naturais os cadáveres são inumados em massa, dispostos em valas comuns ou cremados devido às pressões sociais e políticas. As inumações em massa devem ser feitas em local que permita uma densidade de 1 urna por 2 m2, o que corresponde a 6 vezes a prática usual. A inumação em massa tem graves consequências para a saúde pública pois a identificação dos cadáveres e o processo fúnebre tradicional são fundamentais para a recuperação da população em relação às perdas pessoais e ao stress causado pelo desastre.

Devem ser estabelecidos critérios base que possam ser activados no caso da ocorrência de algum incidente desta natureza. Deve se feita uma revisão rotineira para antecipar o potencial problema de comunicações devido aos movimentos de pessoal em todas as organizações relevantes (Young et al., 1999).

A cremação é mais provável quando os cadáveres não podem ser identificados, sendo todas as cinzas inumadas numa única urna, mas nem sempre é praticável devido à necessidade de equipamento e de grandes quantidades de combustível. A questão da identificação das vítimas também leva a concluir que a inumação é a melhor opção pois permite futuras exumações para correcta identificação. Não se conhecem as características de decomposição e dispersão em valas comuns apesar de pensar que sejam semelhantes às inumações individuais (Goyet, 2004).