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Saúde: direito do cidadão e dever do Estado

No documento MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL (páginas 62-66)

CAPÍTULO II – DIREITOS SOCIAIS E DIREITOS DE SAÚDE: uma questão de

2. Saúde: direito do cidadão e dever do Estado

Como percebemos anteriormente, a conquista de nossos direitos, em específico o da saúde, a partir da Constituição de 1988, conseguiu alcançar o “status” de direito social, enquanto acesso universal. Por essa característica (conforme a definição referida anteriormente por Janoski), atinge sua maioridade como direito de cidadania, visto abarcar a todos e também por ser aplicado e garantido pelo Estado.

A conquista dos direitos de saúde como direito de cidadania foi um longo processo que se iniciou com o Movimento de Reforma Sanitária, frente à agudização das questões de saúde enquanto reflexo do agravamento da questão social tendo sua consagração na Constituição Federal de 1988. Esse processo não foi passivo, mas fruto de uma construção repleta de confrontos com os diferentes segmentos em seus mais diversos interesses. “No entanto, através do texto Constitucional, o Estado Capitalista brasileiro passa a reconhecer o direito da população à saúde, direito este inerente à condição de cidadania” (MORITA, 1994: 9).

Portanto, o texto constitucional institui a saúde enquanto acesso universal e igualitário às ações e serviços de promoção e recuperação da saúde. Institui ainda, a participação em caráter complementar das instituições privadas; igualmente institui a descentralização com direção única em cada esfera do governo; o atendimento integral com prioridade para atividades preventivas, sem prejuízos dos serviços assistenciais, e a participação da comunidade.

Desta forma, constatamos que a saúde passa a ser definida como resultante de políticas sociais e econômicas, enquanto um direito do cidadão e um dever do Estado, cujas ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados

(contratados e conveniados) devem ser promovidos por um Sistema Único de Saúde, seguindo as diretrizes previstas em artigos da Constituição Federal obedecendo aos princípios: universalidade, descentralização político-administrativo, equidade, controle social. Como explicita Natalini:

Atender a todos, de acordo com suas necessidades, independente de pagamento; atuar de maneira integral, com ações de saúde voltada para o indivíduo e para a comunidade, com ações de promoção, prevenção e tratamento; descentralização, com poder de decisão pertencendo aos responsáveis pela execução das ações; ser racional devendo organizar ações e serviços de acordo com a necessidade; ser eficiente e eficaz, produzindo resultados com qualidade; ser democrático, assegurando direito de participação de todos os segmentos envolvidos (...); ser equânime (equidade é diferente de igualdade). (NATALINI, 2003: 58).

Tudo isso traz à tona a exigência de um modelo eficaz, democrático e universal através da participação popular nas discussões das condições de vida da população brasileira. Nesta proposta percebemos um caráter inovador, visando maior racionalidade do sistema, porém, algumas questões devem ser consideradas na efetivação das propostas apresentadas à realidade.

É preciso ressaltar que a proteção da saúde depende, sobretudo, das decisões políticas, que levem em consideração o contexto histórico, a realidade apresentada e as necessidades populacionais, a maneira eficaz de alocação dos recursos etc, tornando pertinentes ações eficazes para a construção de uma sociedade em que a concepção de saúde deixe de estar associada à “ausência de doença” (com conotação para o desempenho das atividades cotidianas, um mal estar físico e emocional) passando a ser entendida como qualidade de vida.

Os direitos sociais da saúde e as competências das instâncias Federativas (União, Estados e Municípios) relativas ao Sistema Único de Saúde, estão expressos na Constituição Federal de 1988, regulamentados nas Leis Orgânicas nº. 8.080 e 8.142 (ambas de 1990) e nas Constituições dos Estados.

O Estado de São Paulo, segundo Gouveia (2000), visando romper com o hiato legal referente à saúde, fez valer a hierarquia das leis através da Constituição do Estado de São Paulo (em 1989) e do Código de Saúde (em 1995) – destes dois últimos derivaram-se as leis ordinárias. Segundo este autor, através destas leis o Estado de São Paulo: “... fez valer os interesses mais profundos de cidadania...” (GOUVEIA, 2000: 18).

Compreendemos ser a Constituição a instância soberana de promulgação dos direitos, a partir dela que leis se regulamentaram, bem como códigos se constituíram, visando estabelecer condutas e normas para a garantia dos direitos – tendo como pano de fundo a construção da cidadania. Desta forma, nesta investigação, quando falamos em direitos garantidos na área da saúde, estamos em específico tratando do artigo 198 da Constituição Federal e do artigo 7 da Lei 8.080/ 90, pontuando alguns de seus incisos:

Art. 7º - As ações e os serviços públicos se de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS), ao desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da Constituição federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios:

I – universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência;

II – integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema;

III – preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e moral;

IV – Igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos e privilégios de qualquer espécie;

V – direito à informação, às pessoas assistidas, sobre sua saúde;

VI – divulgação de informação quanto ao potencial dos serviços de saúde e sua utilização pelo usuário...

VIII – participação da comunidade...

X – integração em nível executivo das ações de saúde, meio ambiente e saneamento básico; (.???..) (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988: artigo 198 e LEI 8.080/1990, artigo 7).

Grandes processos se realizaram para enunciar tais direitos. A problemática existente gira em torno de sua efetivação, como enfocado anteriormente: “...uma coisa é proclamar esse direito, outra é desfrutá-lo efetivamente.” (BOBBIO, 2004: 10). Embora tenhamos esses direitos conquistados legalmente, não é sinônimo de sua plena efetividade, mas não podemos desmerecer os avanços conquistados através dos amplos processos de lutas e discussões. Em contrapartida, por eles terem sido proclamados não devemos nos acomodar, é imprescindível uma mudança para que essas conquistas possam vir a sua plena efetivação.

Precisamos ter a clareza de que, embora tenhamos um serviço estruturado, não é um modelo “pronto e acabado”. O direito conquistado constitucionalmente não é algo posto e fechado, mas sim fruto de conquistas advindas de um processo

histórico de lutas que visam ampliar o horizonte teórico e prático dos diversos interlocutores envolvidos direta ou indiretamente neste sistema.

Conseguimos, assim, alcançar os direitos sociais com vista à cidadania, no que tange a sua universalização. Mas para podermos ser cidadãos plenos, devemos agir para que estes direitos se efetivem cotidianamente. Recorrendo novamente a Bobbio, verificamos que os direitos devem ser: “... não apenas proclamados, ou apenas idealmente reconhecidos, porém, efetivamente protegidos até mesmo contra o próprio Estado que o tenha violado” (BOBBIO, 2004: 50).

Ainda com Bobbio, concordamos quando descreve o processo de desenvolvimento dos direitos (ao menos ideal): “... os direitos do homem nascem como direitos naturais universais, desenvolvem-se como direitos positivos particulares para finalmente encontrarem sua plena realização como direitos positivos universais” (BOBBIO, 2004: 50).

Transpondo a citação de Bobbio (2004) para os direitos de saúde no Brasil, percebemos que estes atingiram o primeiro estágio através dos dispositivos constitucionais e regulamentação posta nas Leis orgânicas de saúde.

No presente, verificamos que os direitos de saúde não chegaram aos direitos positivos universais, permanecendo ainda como direitos positivos particulares. Isso significa que os direitos à saúde, muitas vezes, são prestados em casos isolados e pontuais.

Alcançar o estágio de direitos positivos universais implica numa efetividade dos direitos apresentados pelas leis, visando exercer a cidadania plena. Temos muito ainda muito a caminhar para que esses direitos se efetivem enquanto tais e possam ser prestados com qualidade, rompendo com a idéia de concessão, favor, benemerência – que tendem a subalternizar os usuários que aos serviços recorrem, despolitizando-os – com ações que permeiem a Cidadania Tutelada.

É necessário que os direitos se materializem cotidianamente, através da Cidadania Assistida (quando for preciso) visando à autonomia do sujeito.

É preciso ter claro que essa construção tem ritmos e feições próprias expressas em cada realidade concreta, oscilando conforme os múltiplos esforços coletivos na diversidade dos municípios brasileiros. Sendo assim, no próximo capítulo, contextualizaremos o locus da pesquisa através de um mapeamento do SUS na cidade de Sorocaba.

No documento MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL (páginas 62-66)