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Saúde Indígena nas Convenções Internacionais sobre Povos Indígenas

Capitulo 2 – Proteção dos Direitos Humanos

2.3 Saúde Indígena nas Convenções Internacionais sobre Povos Indígenas

O respeito aos Direitos Humanos das populações indígenas é especialmente importante e necessário quando se trata do direito à saúde. Não somente porque a saúde física e mental é fator primordial para que a população possa buscar e vivenciar os demais direitos, mas também porque, segundo as estatísticas dos órgãos oficiais55, tanto no Brasil quanto na Bolívia, as populações indígenas e tradicionais possuem os piores índices de saúde. Os índices de mortalidade infantil e

52 ―Artigo 26 – Desenvolvimento progressivo: os Estados-partes comprometem-se a adotar as providências, tanto no âmbito interno, como mediante cooperação internacional, especialmente econômica e técnica, a fim de conseguir progressivamente a plena efetividade dos direitos que decorrem das normas econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura, constantes da Carta da Organização dos Estados Americanos, reformada pelo Protocolo de Buenos Aires, na medida dos recursos disponíveis, por via legislativa ou por outros meios apropriados‖ (CAMDESC, 1988)

53 Ver texto completo em: www.pge.sp.gov.br/.../direitos/tratado7.htm. Acesso: 28/11/2011

54 Esta Declaração pode ser vista no site da Comissão Interamericana de Direitos Humanos: http://www.cidh.oas.org/Projeto%20de%20Declaracao.htm

55 Vide os relatórios sobre saúde indígena do Brasil no site da Fundação Nacional de Saúde disponível em: www.funasa.gov.br, e sobre a Bolívia no Instituo Nacional de Estatística: disponível em www.ine.gov.bo. Sites consultados em 18/09/2008

de desnutrição nestes setores da população são maiores que nas populações das demais etnias56. Esse fato que se deve em grande medida à falta de atenção dos Estados à saúde e à falta de políticas públicas que respeitem a especificidade dessas populações e os acordos internacionais.

A importância dessa temática é tamanha que já era problematizada na Declaração Universal dos Direitos Humanos57. Apesar de seu caráter mais geral e individualista, a Declaração dava indicativos de que os direitos sociais, inclusive o direito à saúde, deveriam ser estendidos para as populações etnicamente diferentes que vivem dentro do território do Estado-Nação. 58

A preocupação com a saúde indígena mereceu título específico nas Convenções da OIT. Em seu artigo 20, a Convenção 107 estabelecia a responsabilidade dos governos em oferecer sistemas de saúde adequados às populações indígenas e tribais, a serem implantados através dos estudos das condições sociais, econômicas e culturais. Essa medida deveria ser acompanhada por outras políticas públicas, ou seja, a saúde deveria ser oferecida de maneira integral, não considerando apenas aspectos físicos da doença, mas condições socioeconômicas desses povos. Tal princípio também está em consonância com o conceito de saúde da Organização Mundial de Saúde.

Apesar das críticas contra o assimilacionismo da Convenção 107, é fato que ela trouxe avanços importantes para os Direitos Humanos, já que buscava consolidar um projeto de integração dos indígenas à sociedade nacional e à modernidade. Entretanto, o desrespeito aos direitos culturais evidenciou a

56 Segundo o Ministério da Saúde e Esporte boliviano (2006), 1/3 das crianças indígenas de até cinco anos de idade possui desnutrição crônica, que equivale ao dobro da população da mesma idade que vive nas cidades. No Brasil, segundo a FUNASA (2006), o índice de mortalidade infantil da população indígena é de 46,7 para cada mil nascidos vivos, mais que o dobro da média nacional que é de 21,7 para cada mil nascidos vivos.

57 Observa-se no Preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos: ―A presente Declaração Universal dos Diretos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforcem, através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e as suas observâncias universais e efetivas, tanto entre os povos dos próprios Estados-Membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição‖. (DUDH, 1948)

58 O artigo 25º inciso primeiro da Declaração Universal dos Direitos Humanos normatiza que ―1. Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle‖. (DUDH, 1948)

necessidade de uma nova Convenção, capaz de reconhecer a essência das demandas indígenas, inclusive a demanda de saúde, e, por isso, a Convenção 107 foi substituída pela 169.

Em seu artigo 25, a Convenção 169, de 1989, soma à Convenção anterior a responsabilidade dos governos não somente propiciarem os meios para garantir acesso ao serviço de saúde, mas também oferecerem condições para que essas populações possam geri-lo em todas as etapas das políticas públicas59 desse sistema de saúde. Estabelece também que os serviços de saúde devem ser desenhados preferencialmente ao nível comunitário, sem perder a vinculação com os demais níveis de serviço de saúde.

Ainda no artigo 25, a Convenção 169 garante um tratamento de Saúde Intercultural, através da promoção da saúde baseada não somente no modelo tradicional ocidental, mas também com características tradicionais indígenas, como o uso de ervas, a presença dos curandeiros ou xamãs e outras alternativas originárias de cada etnia.

Para que os direitos indígenas sejam atendidos em plenitude, a Convenção 169 propõe que os planos para desenvolvimento das populações indígenas tenham como prioridade o etno-desenvolvimento. Stavenhagem define o etno- desenvolvimento como o processo de desenvolvimento que “a etnia, autóctone, tribal ou outra, detém o controle sobre suas próprias terras, seus recursos, sua organização social e sua cultura e é livre para negociar com o Estado o estabelecimento de relações segundo seus interesses”.(Stavenhagem, 1984:18) Ainda para o autor os objetivos do etno-desenvolvimento são:

―(...)a satisfação de necessidades básicas do maior número de pessoas em vez de priorizar o crescimento econômico; embutir-se de visão endógena, ou seja, dar resposta prioritária à resolução dos problemas e necessidades locais; valorizar e utilizar o conhecimento e tradições locais na busca de soluções dos problemas; preocupar-se em manter relação equilibrada com o meio ambiente; visar à autossustentação e a independência de recursos técnicos e de pessoal, e proceder a uma ação integral de base, com atividades mais participativas‖ (Stavenhagem, 1984:18-19)

59 Consideramos como etapas de Políticas Públicas, as descritas por Enrique Saraiva e Elisabete Ferrarezi (2006): Os processo de elaboração, implementação, execução, avaliação.

A Convenção 169 também serviu de inspiração para a ―Declaração Internacional dos Direitos dos Povos Indígenas‖, aprovada em 2007 pela Assembleia Geral da ONU. No que tange à questão da saúde, em seu artigo 20º, a Declaração afirma o direito dos indígenas de planejar e implementar os programas de saúde mediante suas próprias instituições, assim como garante o direito coletivo à autonomia das comunidades nas decisões sobre os direitos de saúde, o uso e respeito dos conhecimentos tradicionais, a valorização de sua ciência, tecnologia e cultura, bem como a participação ativa dos próprios indígenas nas políticas públicas de saúde com suporte material do Estado, presentes no artigo 21°, 23° e 24° que seguem:

―Artigo 20: O direito de determinar, planejar e implementar todos os programas de saúde, moradia e outros programas sociais e econômicos que os afetem e, na medida do possível, desenvolver, planejar e implementar tais programas através de suas próprias instituições.

Artigo 21(1): Os povos indígenas têm direito, sem qualquer discriminação, à melhora de suas condições econômicas e sociais, especialmente nas áreas da educação, emprego, capacitação e reconversão profissionais, habitação, saneamento, saúde e seguridade social.

Artigo 23: Os povos indígenas têm o direito de determinar e elaborar prioridades e estratégias para o exercício do seu direito ao desenvolvimento. Em especial, os povos indígenas têm o direito de participar ativamente da elaboração e da determinação dos programas de saúde, habitação e demais programas econômicos e sociais que lhes afetem e, na medida do possível, de administrar esses programas por meio de suas próprias instituições.

Artigo 24(1): Os povos indígenas têm direito a seus medicamentos tradicionais e a manter suas práticas de saúde, incluindo a conservação de suas plantas, animais e minerais de interesse vital do ponto de vista médico. As pessoas indígenas têm também direito ao acesso, sem qualquer discriminação, a todos os serviços sociais e de saúde.

Artigo 24 (2): Os indígenas têm o direito de usufruir, por igual, do mais alto nível possível de saúde física e mental. Os Estados tomarão as medidas que

forem necessárias para alcançar progressivamente a plena realização deste direito.‖ (DIDPI,2007)

A Declaração Internacional dos Direitos dos Povos Indígenas é o documento de princípios mais ousado a respeito desses direitos, sendo considerada a síntese dos debates, conceitos e princípios sobre os assuntos indígenas, e que reúne o âmago das demandas das comunidades.

Durante a elaboração deste trabalho não foram encontrados, nem na estrutura da ONU, nem na Organização Mundial de Saúde (OMS) ou na Organização Pan-americana de Saúde (OPAS), departamentos que cuidem especificamente da questão de saúde indígena e legislação referente ao assunto. Foram encontrados apenas relatórios e documentos que fazem referência à saúde indígena, além de programas sociais na área de saúde intercultural.

2.4 Mecanismos Internacionais de Proteção Permanente dos Direitos Humanos