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Neste subtópico, tratar-se-á da esfera do trabalho como campo de discussão, buscando delinear o tema da saúde mental nesse entorno, compreendendo os conceitos apresentados por vários teóricos e buscando diretrizes norteadoras para discussões e/ou

ampliações acerca deste tema na área do trabalho. Diante da exposição da seção anterior, o trabalho é apenas um dos vários entornos e/ou aspectos que podem afetar a saúde. Apesar da natureza restritiva, essa relação tem ocupado a atenção de muitos psicologistas e psicólogos.

São muitas as razões que têm conduzido estudiosos a focar a discussão sobre saúde psíquica neste campo. Por exemplo, segundo a revista American Psychologist (1991), citado por Codo e Jacques (2002), o sofrimento psicológico é a segunda causa de afastamento no trabalho nos Estados Unidos. Dados revelam que só a esfera do trabalho é capaz de especificar mais de 35 doenças diferentes (Baker & Ladrigan, 1990 in Danna & Griffin, 1999) e que o trabalho tem se tornado cada vez mais arriscado devido a mudanças estruturais do sistema econômico, na medida em que se implementam novas tecnologias, mudança nas relações de trabalho e nos postos de trabalho em geral (Berry, 1997 in Danna & Griffin, 1999). Constatações como essas preocupam, uma vez que o trabalho é uma das esferas mais significativas para o Homem, é onde o Homem se realiza, produz para a sociedade e se produz concomitantemente, contribuindo para o progresso e o desenvolvimento geral de uma Nação.

Apesar do reconhecimento atual da importância dos estudos sobre saúde mental e trabalho, o desenvolvimento deste campo pode ser considerado bastante tardio. Uma das explicações para isso é a persistência durante um longo período do conceito negativo de saúde mental (ausência de doença) tratado na seção anterior. Além disso, a visão cartesiana, que conduzia a explicar o psiquismo pelo próprio psiquismo também funcionava como um impedimento para buscar compreender a relação aqui enfocada.

Outra explicação origina-se nas características da organização do trabalho: enquanto predominava o modelo taylorista-fordista, que entre outros aspectos planejava o trabalho

parcelado, mecânico e dissociado radicalmente na execução das tarefas da concepção criativa das mesmas, o bem-estar dos indivíduos não interessava às organizações.

A primeira linha de pesquisa neste campo a prosperar tematizou os efeitos do desemprego sobre a saúde mental. Entre esses, destacam-se os estudos pioneiros de Jahoda (1987) sobre as reações dos indivíduos diante da situação do desemprego duradouro. Mas muitos estudos ocorreram e continuam a ser desenvolvidos (por exemplo, Banks et al. 1980; Álvaro-Estramiana, 1992). Muitos deles fizeram uso extensivo do QSG-12 para comparar a saúde mental dos empregados e dos desempregados. Portanto, fica claro que a atenção aos pequenos transtornos psíquicos na Psicologia da Saúde os influenciou.

Tais estudos demonstraram que os desempregados tendem a apresentar uma saúde mental mais precária. No entanto, permaneceu a dúvida: é realmente o desemprego que influencia negativamente a saúde mental (causação social) ou são as pessoas com transtornos mentais que tendem a perder o emprego (seleção social)?

Na tentativa de responder tal questão, Mirowsky e Ross (1989) desenvolveram pesquisas confrontando a validade dos modelos explicativos da saúde mental – a causação social e a seleção social – e os resultados tornaram-se um marco importante no campo de conhecimento. Tomando como exemplo, a depressão, o modelo da causação social relaciona a baixa renda familiar à reduzida participação no sistema econômico e social, observando-se, por conseqüência, num aumento da vulnerabilidade à depressão. Este modelo leva em conta os fatores sociais, econômicos, políticos relacionados para explicar os efeitos psicológicos decorrentes. Em contrapartida, o modelo da seleção social afirma que é a depressão a causadora de um baixo nível econômico e social. Neste modelo, observa-se que as causas estão nos indivíduos, por isso é chamado de seleção social e que a depressão, neste exemplo, é a causa do insucesso individual. Os autores mostraram, por meio de um estudo longitudinal sobre os efeitos do desemprego, que o modelo de causação

social explica melhor a maior parte dos casos. Por outro lado, não se pode desconsiderar o modelo da seleção social, pois existirão casos em que estar desempregado estará, realmente, na causa individual. O autor Warr (1987), visto anteriormente, realça essas considerações em sua teoria, demonstrando a natureza dialética entre os aspectos internos e externos ao indivíduo, em como essas relações estão imbricadas no promover ou deteriorar a saúde mental.

Mas enquanto crescia a linha de pesquisa sobre os efeitos do desemprego, muitos começaram a duvidar se todo trabalho promove a saúde mental das pessoas. Neste contexto, consolidou-se também a perspectiva que ficou conhecida como Psicopatologia do Trabalho, que tem Dejours (1980) entre um dos nomes de destaque.

E é referente ao meio, mais especificamente, ao local de trabalho, que Dejours (1980) faz referência à importância atribuída à saúde mental dos indivíduos. Comenta sobre as tristes conseqüências psíquicas advindas de uma organização de trabalho extremamente rígida e insignificante no conteúdo das tarefas. “(...) quanto mais a organização do trabalho é rígida, mais a divisão do trabalho é acentuada, menor é o conteúdo significativo do trabalho e menores são as possibilidades de mudá-lo. Correlativamente, o sofrimento aumenta” (Dejours, 1980, p. 52).

Ao referir-se sobre a fadiga laboral, Dejours (1980) não se refere apenas a um excesso de trabalho, mas também, a uma inatividade, aquela que reprime e engessa o trabalhador, principalmente quando o mesmo se encontra numa organização inorgânica e altamente hierarquizada. “Essa inatividade é fatigante porque não é um simples repouso mas, ao contrário, uma repressão – inibição da atividade espontânea” (Dejours, 1980, p. 130).

Como disto se depreende, as análises de Dejours dirigem-se ao trabalho organizado segundo o padrão taylorista-fordista. Essa observação é importante para se considerar tanto

os limites das afirmações de Dejours, quanto para se perceber a importância de sua contribuição na elucidação dos efeitos dos diferentes tipos de trabalho.

Interessante observar que, segundo a voz de empregadores, esse adoecer psíquico diz respeito muito mais ao indivíduo do que ao contexto laboral em que o mesmo se encontra, demonstrando uma persistência da concepção biomédica de saúde no senso comum.

Nesse mesmo sentido, acredita-se que em nossa sociedade estar saudável é poder produzir, trabalhar; esse é o discurso da ideologia dominante comprometida com a manutenção do sistema capitalista, em que supõe que os trabalhadores existem para produzir. Adicionalmente, se uma determinada doença não se manifesta visivelmente, por exemplo, a depressão, então há uma tendência a considerar que o indivíduo não está doente, não se configurando em impedimento para trabalhar. Ressalva-se aqui que não se está supondo que a depressão não tenha influências orgânicas, mas apenas que não é tão visível quanto uma doença contagiosa, como o sarampo e várias outras. Corroborando com a idéia da difusão da crença de que estar saudável é poder produzir, Traverso (2002) mostra que o homem simples a absorve em seu próprio discurso e prática cotidiana.

Fazendo um paralelo entre os modos de gestão e organização do trabalho tayloristas que, segundo Legge (1995, citado em Sato, 2002), caracteriza-se por um modelo duro, hoje o modelo é leve, com a diferença de que no primeiro caso havia uma postura passiva do trabalhador e seguia-se uma hierarquia rígida de organização do trabalho. Atualmente, vendo a necessidade cada vez maior em resgatar a potencialidade e criatividade do trabalhador, as empresas utilizam um modelo leve, no qual se caracteriza por um modo de “controlar” mais ameno, depositando nesse trabalhador grandes responsabilidades e, no qual, segundo Spink (1994, citado em Sato, 2002), há uma mudança no discurso ao falar sobre envolvimento, qualidade, participação etc. “Daí, porque observa-se a preocupação cada vez maior de mecanismos de controle simbólico e, portanto, mais sutis do que aqueles

presentes apenas física e externamente” (Sato, 2002, p. 37). Heloani (1996), corroborando Sato, defende que houve uma ampliação do controle a partir do inconsciente das pessoas. Pelo fato desses mecanismos serem controlados mais simbolicamente do que externamente, observa-se a dificuldade em diagnosticar e desenvolver ações corretivas e preventivas para o bem-estar do trabalhador. Muitas vezes, nem o próprio trabalhador acredita que seus males sejam decorrentes da organização do trabalho e sim, que ele necessita superar as “dificuldades” para ser cada vez mais “competitivo e empreendedor”, já que é dessa forma que a organização espera que ele seja.

Os autores Maslach e Leiter (1999) recorrem, igualmente, à organização do trabalho, ao modo de gestão e às relações de produção para falar das conseqüências psicológicas advindas do trabalho que possam representar prejuízos à saúde do trabalhador e conseqüentemente, à sua satisfação no trabalho. Relacionam seis fatores determinantes do esgotamento físico e emocional: o excesso de trabalho; a falta de controle sobre o próprio trabalho; a falta de recompensas pelas contribuições no trabalho; a falta de união entre os trabalhadores; a falta de eqüidade entre a organização e os trabalhadores e o conflito de valores entre estes e a empresa. Uma organização que se descuida desses fatores necessita fazer uma reavaliação de sua gestão em recursos humanos, no que ela pode estar perdendo no que tange aos aspectos humanos da empresa ou à desvalorização de um fator que é considerado o mais significativo na manutenção da organização viva: a energia dos seus trabalhadores. Falta muito para que os empregadores reconheçam a necessidade em se investir no trabalhador; por enquanto a saúde psíquica ainda é irrelevante para eles.

Maslach e Leiter (1999) afirmam que a saúde física e emocional dos trabalhadores é dependente da estrutura organizacional com a qual os mesmos têm relação cotidianamente no seu trabalho, apontando que a causa da baixa produtividade empresarial decorre de toda uma organização de trabalho que não respeita seu material humano, mas, ao contrário,

supervalorizam os lucros e/ou os resultados sem saber que na melhoria dos rendimentos é indispensável investimentos humanos, investimentos que possam resgatar a sinergia organizacional por meio de seus trabalhadores.

Segundo os autores Maslach e Leiter (1999), os empregadores ainda têm uma visão míope frente a essas considerações, uma vez que visam apenas seus próprios interesses e “reduzir custos”, discurso mais freqüentemente por eles utilizado. Nesses termos, deixam de contratar mais funcionários a fim de reduzir custos, benefícios e, no entanto, acabam tendo prejuízos na qualidade dos serviços, deixando com um único funcionário, por exemplo, uma gama de atividades que, a médio e longo prazos, causarão, no mesmo, seqüelas psicológicas graves e tolhendo por conseguinte, o compromisso do funcionário com o trabalho. Se o que movimenta uma empresa são seus trabalhadores, não há nada mais claro que a necessidade de investir nos mesmos, não só por intermédio de cursos e treinamentos técnicos, mas principalmente, respeitando-os e assumindo uma posição equânime com eles. Maslach e Leiter (1999) destacam esse pensamento na seguinte frase: “Ao assumir a responsabilidade de lidar com o desgaste físico e emocional, a empresa está se administrando de uma forma que lhe assegurará um pessoal produtivo por muito mais tempo” (p. 104).

A linha de pensamento dos autores Maslach e Leiter (1999) corrobora com a justificativa de que a saúde mental responde melhor quando explicada através da teoria da causação social dos autores Mirowsky e Ross (1989), anteriormente citada. O sistema é que é inadequado, antes de procurar possíveis “desordens” no trabalhador, principalmente quando toda uma organização encontra-se doentia, sem ânimo para o trabalho. As soluções para os problemas precisam ser buscadas na estrutura organizacional, na política e na gestão adotadas na empresa.

Os autores Peiró, González-Romá, Meliá e Zalbidea (1992) assinalam a importância do conflito e ambigüidade de papéis como aspecto estressor e causador de deterioração mental. Quando o trabalhador encontra-se em conflito de cargo, “(...) a situação ambiental se caracteriza pela presença de expectativas de papel incompatíveis que exigem conformidade na conduta da pessoa focal” (Peiró et al. 1992, p. 123). E no caso de ambigüidade do cargo, faltam informações suficientes para o trabalhador desempenhar suas tarefas de forma adequada e consciente da sua função.

Há também, autores que estudam a saúde mental a partir do estresse do trabalhador, palavra comumente usada no dia a dia das pessoas, em geral, e no ambiente de trabalho, em particular (Filgueiras & Hippert, 2002). Posen (1995, citado em Filgueiras & Hippert, 2002), propõe uma série de atividades para diminuir o estresse, tais como

(...) mudanças de comportamento, modo de pensar, estilo de vida, e da própria situação em que o indivíduo se encontra. Recomenda ainda moderar a ingestão de cafeína, praticar exercícios regularmente, relaxamento ou meditação, e aponta para a importância de se dormir bem e ter atividades de lazer. Além disso, afirma que o indivíduo deve ter expectativas realistas na vida, bom humor, e procurar fazer reinterpretações das situações estressantes, reavaliando suas crenças (p. 118).

Apesar dos autores enfocarem aspectos individuais, não se pode desconsiderar os fatores ambientais, sociais e organizacionais para a avaliação da saúde mental no trabalho, como descrito anteriormente.

Quando as relações entre o indivíduo e o trabalho tornam-se cada vez mais ansiogênicas e geradoras de grande sofrimento psíquico, havendo uma incompatibilidade entre os âmbitos objetivo e subjetivo, tem sido comum o surgimento da “doença dos nervos”, que “inclui uma ampla faixa de sintomas como cefaléias, irritabilidade,

perturbações estomacais, dificuldades com o sono, inquietação, incapacidade para se concentrar, tremores, sensações de formigamento no corpo, tonturas, entre outros” (Jacques, 2002, p. 100).

Jacques (2002) também enfatiza que esse adoecer psíquico não deixa de ser a manifestação de uma vivência subjetiva, em que as relações entre o indivíduo e o trabalho “se explicam em um esquema cognitivo-representacional, próprio a um determinado contexto sociocultural” (Jacques, 2002, p. 109-110). Assim, o indivíduo irá vivenciar emocional e cognitivamente o seu adoecer, atrelado aos fatores socioculturais que o determinam. É importante notar que os argumentos de Jacques são coerentes com autores citados anteriormente na seção sobre o conceito de saúde mental tais como Warr (1987) e Kleinmann (1988/1986/1980, citado em Coelho & Almeida Filho, 2002).

No cenário a que se vislumbram as organizações, observa-se um contexto de grandes mudanças e de velocidade dos acontecimentos e da tecnologia, causando menos controle do indivíduo sobre seu trabalho, caso não se realize uma política de investimento para o trabalhador. Paralelamente ao pensamento de Warr (1987), o autor Jaffe (1995) destaca a importância do trabalhador ter controle no seu ambiente de trabalho. Os problemas de saúde e estresse acontecem quando ocorrem altas demandas e baixo controle no ambiente de trabalho. Segundo Karasek e Theorell (1990, citado por Jaffe, 1995), quando o trabalho passa a criar maiores oportunidades aos trabalhadores e quando os mesmos também experimentam que são capazes de ter controle sobre a tarefa, além de ter suporte social na empresa onde trabalham, então mais saúde terá a organização.

Karasek e Theorell (1990, citado por Jaffe, 1995) destacam que as organizações rígidas, muito verticalizadas e que seguem um regime de trabalho baseado em pressões e ameaças geram um clima organizacional prejudicial à saúde dos trabalhadores, tornando-os mais rígidos e menos flexíveis, passando a ter menos participação na empresa por estar

com seus julgamentos bloqueados por emoções intensas. Ao contrário, e corroborando com o pensamento de Warr (1987), num ambiente estimulante, onde há oportunidade em utilizar seus conhecimentos e capacidades, os trabalhadores passam a ter maior domínio sobre o que podem desenvolver no trabalho, sentindo-se, por conseqüência, valorizado e útil na organização, o que gera satisfação e saúde organizacional.

São vários, portanto, os causadores de deterioração mental no ambiente de trabalho, dentre os quais podem-se listar: condições de trabalho (nível de precarização); concorrência entre funcionários; nível de alienação no trabalho; falta de oportunidades para utilizar as potencialidades pessoais; políticas inadequadas de recursos humanos; e injustiças. Em outro extremo encontram-se como contribuintes para manutenção da saúde psíquica no trabalho o reconhecimento, as oportunidades para o trabalhador desenvolver-se e explorar suas potencialidades; a recompensa salarial compatível com seu esforço; os investimentos em capacitações profissionais; a valorização do trabalhador como pessoa, dentre outros.

Mais do que nunca, é preciso investir nesse novo trabalhador do século XXI que enfrenta grandes desafios, seja de ordem organizacional, pessoal, mercadológica e até interpessoal. Encontra-se num momento em que os fatores se cruzam, se inter-relacionam continuamente, estando o psicológico, o ambiental e o biológico em constante interação e, dependendo do modo como os mesmos se inter-relacionam no indivíduo, podem gerar tanto conseqüências agradáveis como desagradáveis e são a estas últimas que os empregadores, juntamente com o profissional de Recursos Humanos da empresa, devem estar preparados para lidar. Uma organização que almeja o crescimento e desenvolvimento precisa dispor ao trabalhador de todas as condições favoráveis para o alcance desse desenvolvimento, não só através de treinamentos e capacitações na área, mas, como afirmou Maslach e Leiter (1999), dispor de uma organização coerente e transparente com o trabalhador, a fim de que este se sinta respeitado, compreendendo o todo da organização,

confiando na empresa e gerando, conseqüentemente, sentimentos congruentes com a mesma.

Necessita-se, portanto, avançar nas pesquisas acadêmicas e profissionais perante essa realidade e mostrar que se tem o interesse em ver a empresa crescer e se desenvolver a partir dos “recursos humanos” de que se dispõem e que esta área é digna de constantes investimentos e, principalmente, de respeito às pessoas que dela fazem parte.

Para compreender a saúde mental dos trabalhadores no estudo em questão, a pesquisa estará norteada no modelo de Warr (1987) que como foi visto, considera a relação do fator ambiental com o psicológico nos estudos em saúde mental. A seguir, apresentar-se-á a configuração do ambiente do qual foi feito o estudo em saúde mental.

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