UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA
O AMBIENTE DE TRABALHO NO SETOR BANCÁRIO E O
BEM-ESTAR
Dissertação de Mestrado
Cynthia Suennia Damasceno Lucena de Paiva
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA
O AMBIENTE DE TRABALHO NO SETOR BANCÁRIO E O
BEM-ESTAR
Cynthia Suennia Damasceno Lucena de Paiva
Orientadora: Dra. Livia de Oliveira Borges
Dissertação submetida como requisito parcial para a obtenção do
grau de Mestre em Psicologia
Natal, maio de 2005.
Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes
Programa de Pós-graduação em Psicologia
A dissertação “O ambiente de trabalho no setor bancário e o bem-estar”, elaborada por Cynthia Suennia Damasceno Lucena de Paiva, foi considerada aprovada por todos os membros da Banca Examinadora e aceita pelo Programa de Pós-graduação em Psicologia, como resquisito parcial à obtenção do título de MESTRE EM PSICOLOGIA.
Natal, RN, 30 de maio de 2005.
BANCA EXAMINADORA
José Arimatés de Oliveira ___________________________
Sônia Maria Guedes Gondim ___________________________
“
Está ocorrendo uma robotização do ser
no trabalho bancário.”
Liceu Carvalho – Presidente do Sindicato dos bancários
AGRADECIMENTOSADeus, por existir em minha vida.
Aos meus pais, pelo intenso amor e por orientarem-me pelo caminho justo e da verdade. Às minhas irmãs, pelo amor compartilhado, amizade e companheirismo e por acreditarem num futuro melhor.
A professora Drª Livia de Oliveira Borges, pelo cuidado com que orientou este trabalho e, mais que isso, agradeço pelo profundo companheirismo compartilhado durante os anos em que participei da base de pesquisa Saúde Mental e Trabalho, anos esses bastante ricos de conhecimentos e sinceras amizades, que ficarão marcados em minha vida.
Ao professor João Carlos Alchieri, que com muito zelo co-orientou este trabalho.
À base de pesquisa Saúde Mental e Trabalho (GEST) pela amizade proporcionada, trocas de conhecimentos, pelos incentivos propagados e pelas boas gargalhadas... sentirei muitas saudades.
Às amigas Karen Fantine e Luciana Gianasi por terem compartilhado momentos especiais.
Às amigas doutorandas Palloma Andrade e Sandra Chaves, suas sinceras amizades e que com tanto empenho e dedicação contribuíram para a finalização deste trabalho.
À amiga Pollyanna Gê pela amizade sincera e calorosa, que se iniciou no ano de 1999 quando, juntas, começávamos a fazer parte do GEST. Agradeço também a ela pela grande contribuição que tem proporcionado à base de pesquisa e pelo constante incentivo por uma Psicologia Organizacional melhor.
Aos professores de Pós-graduação de Psicologia, em especial a Maurício Tamayo e
Rosângela Francischini, que me proporcionaram uma visão de mundo diferente. ACilene, secretária da Pós-graduação, pela amizade e companheirismo e por tudo o que realizou em favor da Pós-graduação, dos alunos e professores.
AoSindicato dos Bancários de Natal, que acreditam na importância do bem-estar entre os bancários.
A todas as agências colaboradoras que, sem o apoio proporcionado, este trabalho não teria acontecido.
ACapes, pela concessão da bolsa de mestrado.
SUMÁRIO
Lista de Figuras... viii
Lista de Tabelas ... ix
Resumo ... xii
Introdução ... 15
1 – Saúde mental e trabalho... 20
1.1 Saúde Mental ... 20
1.2 Saúde Mental no Trabalho... 39
2 – Reestruturação Produtiva ... 51
2.1 Historiando a reestruturação produtiva... 51
2.2 A reestruturação produtiva nos bancos... 68
2.3 Reestruturação Produtivo-bancária e saúde mental ... 75
3 – Método ... 84
3.1 População/Amostra... 84
3.2 Variáveis, indicadores e instrumentos... 85
3.3 Procedimento de coleta de dados... 100
3.4 Procedimento de análise de dados... 101
4 – Análise dos Resultados ... 105
4.1 Bem-estar psicológico ... 105
4.2 Fatores ambientais ... 114
4.3. Percepção da reestruturação produtiva ... 121
4.4. O teste das hipóteses ... 135
Lista de Figuras
Figura Página
1 Representação do modelo de saúde de Warr ... 33
2 Gráficos dos escores no fator disponibilidade econômica e os
Lista de Tabelas
Tabela Página
1 Comparação do processo de transformação da reestruturação
produtiva e o modelo vitamínico ... 62
2 Dimensões do bem-estar psicológico segundo o modelo de Warr e a escolha dos questionários... 86
3 Análise Fatorial das Escalas de Saúde Mental... 87
4 Estrutura Fatorial do Questionário de Saúde Geral – 12 ... 88
5 Estrutura fatorial da Escala de Afetos Positivos e Negativos... 90
6 Estrutura Fatorial da Escala de Satisfação com a Vida ... 92
7 Estrutura Fatorial da Escala de Aspiração ... 93
8 A mensuração dos fatores ambientais segundo a teoria de Warr (1987) ... 94
9 Estrutura fatorial da Escala de Condições, Organização e Relações de Trabalho ... 98
10 Estrutura fatorial da escala de situação econômica ... 99
11 Reformulação das hipóteses ... 103
12 Escores do resultado da saúde mental no primeiro fator do QSG-12 ... 106
13 Escores do resultado dos afetos positivos e negativos ... 107
14 Escores do resultado de satisfação com a vida ... 107
15 Escores nos fatores satisfação com a vida e depressão e tensão emocional ... 108
16 Escores do resultado da saúde mental nos fatores do QSG-12 ... 109
18 Correlações entre as medidas tomadas como indicadores de saúde
mental ... 111
19 Grupos de participantes pelas combinações dos escores nos diferentes indicadores do bem-estar psicológico ... 113
20 Escores dos resultados da escala de organização, condições e relações de trabalho (EOCRT) ... 115
21 Escores sobre principais fontes de renda ... 22 Escores acerca da renúncia a realizar atividades do dia a dia devido à escassez de dinheiro ... 116 118 23 Escores do resultado sobre Objetivos gerados no meio ... 118
24 Escores do fator ambiental Posição Social Valorizada ... 119
25 Intenção de mudar de emprego ... 122
26 Facilidade de encontrar um trabalho ... 122
27 A intenção de mudar de emprego de acordo com a facilidade percebida de mudar de emprego ... 123
28 Expectativa de mudança que possa pôr em risco o emprego ... 124
29 Atitudes com relação a novos equipamentos ... 125
30 Condições de trabalho com as novas tecnologias ... 126
31 Expectativas de mudança no posto de trabalho ... 126
32 Crença de perigo derivado da mudança no posto de trabalho no futuro ... 127
33 Possibilidades de adaptação aos avanços tecnológicos ... 128
34 Resultados por idade por crença na possibilidade de adaptação ... 128
35 Sentimento com relação à renovação tecnológica ... 129
Econômica conforme a intenção de mudar de emprego ... 131
37 As médias nos fatores da ECORT e no fator Disponibilidade
Econômica conforme a facilidade de encontrar um emprego ... 132
38 As médias nos fatores da ECORT e no fator de Disponibilidade
Econômica conforme o risco de perda do emprego por mudança
organizacional ... 133
39 As médias nos fatores da ECORT e no fator de “Disponibilidade
Econômica” conforme a expectativa de mudança no posto de trabalho ... 134
40 Médias de disponibilidade econômica por tipos de funcionamento
integrado ... 136
41 Correlações entre os escores no fator Disponibilidade Econômica e
os escores nos indicadores de saúde mental ... 137
42 Aplicação da ANOVA nas médias dos escores nos indicadores
(fatores) de saúde mental conforme a posição social valorizada ...
43 Clusters por posição social valorizada (quatro níveis) ...
141
143
44 Escores no fator Organização do trabalho por tipos de funcionamento
integrado (ANOVA) ... 144
45 Escores da saúde mental a partir da percepção da organização do
trabalho ... 145
46 Escores no fator Relações do trabalho por tipos de funcionamento
integrado (ANOVA) ... 146
47 Correlação entre Relações sociais do trabalho por clusters do
funcionamento integrado ... 148
integrado (ANOVA) ... 149
49 Correlações da saúde mental a partir do fator condições de trabalho 150
O AMBIENTE DE TRABALHO NO SETOR BANCÁRIO E O BEM-ESTAR
Cynthia Suennia Damasceno Lucena de Paiva
RESUMO
detrimento da saúde do trabalhador. Foi dada ênfase ao trabalhador bancário, uma vez que os bancos e agências bancárias foram um dos setores que mais sofreu o impacto da reestruturação produtiva nos últimos anos. Participaram da pesquisa 200 bancários, sendo 41,9% do sexo feminino e 58,1% do sexo masculino, 60,9% apresentando estado civil casado, seguido de 28,4% de solteiros. Os participantes responderam os seguintes instrumentos: Escala de Afetos Positivos e Negativos, Questionário de Saúde Geral - QSG-12, Escala de Organização, Condições e Relações de Trabalho, Escala de Aspiração(própria autoria), Escala sobre situação econômica,Escala de Satisfação com a Vida, Escala de ReestruturaçãoProdutivo-bancária e uma ficha sócio-demográfica.
Com o objetivo de testar os instrumentos de medida, foram verificados os parâmetros psicométricos das escalas desta pesquisa. Verificou-se que têm sido mais positivos que negativos para a saúde mental, porém foram encontrados indícios de depressão e insatisfação com a vida em parte da amostra. Conclui-se que a o ambiente de trabalho pode ter um impacto na saúde mental do bancário. Assim, ações de intervenção no sentido de promover a saúde do trabalhador poderão ser fundamentadas.
Palavras-chave: Bem-estar, bancários, trabalho, reestruturação produtiva.
ABSTRACT
following of 28,4% of single. The participants answered the following instruments: Scale of Positives and Negative Kindness, General Health Questionaire – GHQ – 12, Scale of Organization, Conditions and Labor Relations, Scale of Desire (own authorship), Scale about economic situation and a social-demographic record car. With the objective of trying the instruments of measure, it was checking the psychometric parameter of the search scales. We could verify that it has been more positive than negative ones for the mental health, but it was found some kind of depression and unsatisfied with their lives in some pieces of the sample. We can finally say that the work place has an impact at the mental health of the bank clerks. So, some interventions actions to promote the worker health
could be essential.
_________________________________________________ INTRODUÇÃO
Introdução
Sabe-se que o ser humano, diferentemente dos outros animais, estabelece relações
com a natureza de modo consciente, intencional e propositalmente. Indo além da simples
relação de sobrevivência é que ele estabelece vínculos que dão significado às tarefas que
realiza e um dos locais onde isso mais se reflete é no ambiente de trabalho. É por meio do trabalho que o homem evolui, com novas descobertas, construindo e reconstruindo o
mundo ao seu redor. É a partir dessa relação que se configuram os significados existentes
entre o homem e seu trabalho, a repercutir diretamente no seu bem-estar psicológico (Marx,
1967/1982).
Qualquer que seja a sua forma, o trabalho é dinâmico, estando em permanente
na imprensa, aquelas mudanças a partir da segunda metade do século XX. Estas
transformações são advindas, entre outros fatores, de aspectos estruturais macrossociais,
tais como a política governamental adotada, a economia globalizada, a necessidade das
empresas adotarem uma gestão inovadora e diferenciada, a fim de acompanharem os ritmos
da concorrência no mercado empresarial. Enfim, está-se todo o tempo neste cenário em que
são exigidas, também, transformações por cada trabalhador.
Como reflexo do que o parágrafo anterior aponta, têm crescido as preocupações com
a saúde do trabalhador e/ou sobre os modos como esse trabalhador tem lidado com
transformações no local de trabalho e, por extensão, no entorno maior que influencia esse
ambiente.
Verificou-se que foi destaque nesses últimos anos a adoção de práticas anti-estresse
utilizadas por algumas empresas, apesar de nem sempre serem as mais adequadas, visto que
os problemas advindos da organização do trabalho estão mais vinculados à gestão e/ou às
políticas organizacionais que relacionadas com o próprio trabalhador, segundo a linha de
pensamento dos autores Maslach e Leiter (1999).
É por essas considerações que se fazem necessários estudos acerca do tema
“trabalho”, uma vez que é no trabalho que o homem passa tempo bastante significativo da
sua vida e é pelo trabalho que o homem se constrói e, concomitantemente, constrói a
sociedade. Além disso, a saúde mental/bem-estar do trabalhador, tema principal desta
dissertação, carece de atenção em meio ao cenário que se configurou a partir da
reestruturação produtiva, processo pelos quais os países foram se moldando e que
dificilmente há outro percurso a fazer, a não ser este da acumulação flexível, visto que é o
modo de produção capitalista que dita as regras do mercado e dos novos planejamentos
estratégicos e de gestão que as empresas passaram a utilizar. A categoria profissional
mais vivenciou as transformações advindas do mundo do trabalho, em especial as
transformações tecnológicas.
Neste trabalho de pesquisa, tem-se como objetivo compreender o bem-estar do
trabalhador bancário a partir das condições do ambiente de trabalho em que os mesmos
estão inseridos, e de identificar os aspectos que têm implicações mais relevantes na saúde
do trabalhador que vive tal processo de transformação.
Assim, esta dissertação está subdividida nos seguintes capítulos: no primeiro
capítulo, – Saúde Mental e Trabalho – aborda-se a evolução de tal campo de estudo,
sintetiza-se a visão sobre o desenvolvimento do conceito de saúde mental e apresenta-se o
modelo teórico que norteará o desenvolvimento do estudo: modelo ecológico; no segundo
capítulo – Reestruturação produtiva – inicia-se pela conceituação do que seja tal processo,
descrevendo-se o mesmo, procurando identificar suas principais características para em
seguida, numa subseção, tratar das características do processo que assume no setor
bancário; no terceiro capítulo – Reestruturação produtiva no setor bancário e saúde mental
– aplica-se o modelo ecológico para analisar as características da reestruturação produtiva
nas suas implicações para a saúde do bancário, apresentando as hipóteses de pesquisa; no
quarto capítulo – Método – descreve-se o desenvolvimento da pesquisa, instrumentos
utilizados e procedimentos de coleta e análise dos dados; no quinto capítulo – Resultados –
abordar-se-á o que foi encontrado na pesquisa, verificando as influências das condições de
trabalho a partir da reestruturação produtivo-bancária na saúde mental dos bancários, tendo
como fundo teórico da saúde mental a Teoria do Modelo Ecológico de Warr (1987) e, por
1 – Saúde Mental e Trabalho
1.1 – Saúde Mental
Também chamada de saúde psíquica ou bem-estar psicológico, a saúde mental tem
sido referência geral para os estudos em Psicologia. Em qualquer área em que o psicólogo
atuar, via de regra, vai explorar os fatores que estão deteriorando e/ou promovendo a saúde
mental dos indivíduos: se o psicólogo trabalha num consultório clínico, trabalhará com a
demanda do cliente, no que este traz em seu mundo interior; se num hospital, facilitando os
processos de cura do paciente, juntamente com sua família; se na escola, promovendo a
aprendizagem do aluno ao observar todas as condições em que estão se dando essa
aprendizagem; se numa organização, contribuindo para o progresso organizacional, tendo
como foco o bem-estar do trabalhador. A saúde psíquica é central para todo psicólogo que
esteja verdadeiramente comprometido no exercício de sua profissão. A saúde mental ou
bem-estar psicológico, ao permear todas essas áreas, é um fim último que todo psicólogo
almeja alcançar para seus clientes e para o entorno do qual os mesmos fazem parte.
Assim, a exemplo do conceito de saúde e em conformidade com a evolução da
própria Psicologia, o conceito de saúde mental tem percorrido um longo caminho de
transformações, tendo como parâmetros o contexto cultural e o contínuo aperfeiçoamento
entre diferentes abordagens sobre o tema. Na tentativa de compreender esta evolução,
resgatou-se sucintamente esse percurso.
Partindo da Idade Média, um indivíduo que era mentalmente perturbado não era
classificado como tal, mas sim como possuído por demônios. A frase de Martinho Lutero
ilustra essa idéia quando diz: “Nos casos de melancolia... devo concluir que se trata apenas
de trabalho do demônio... Aqueles que (o demônio) possui corporalmente são loucos; o
demônio tem permissão de Deus para humilhá-los e agitá-los, porém não tem poder sobre
no qual o louco era um doente ignorado e os conceitos que o determinavam eram
permeados de significações religiosas e mágicas.
Mais adiante, o modelo biomédico segue a concepção cartesiana na definição de
saúde (geral), no qual considera um indivíduo saudável aquele que apresenta ausência de
doença em seu organismo, ou seja, estar com saúde é não estar doente. Considera, também,
uma rigorosa divisão entre corpo e mente, um sendo independente do outro, não
estabelecendo relações entre si. É um modelo reducionista de saúde, perdendo de vista o
todo do ser humano, pois avalia apenas partes desse todo (Capra, 1982). Tal modelo
também se refletiu na concepção de saúde mental implicando que as questões de ordem
psicológica eram totalmente independentes das de ordem social, biológica e ambiental, não
havendo uma interligação entre esses campos na compreensão da saúde mental. Isso
significa que as causas dos problemas psíquicos eram buscadas no próprio psiquismo.
Atualmente, alguns autores (por exemplo, Ogden, 1999; Spink, 1992; Vaitsman,
1992) criticam essa abordagem biomédica e defendem a adoção de um conceito de saúde
mais amplo, que respeite a própria natureza humana, que é extremamente complexa e que
vai além da biologia.
Em referência aos estudos de saúde mental, Bücher (2003), corroborando o resgate
histórico de Ogden (1999), diz que “no campo da medicina, ainda no início do século XX,
dentre as inúmeras abordagens da época, destacou-se a psicossomática, como um desafio
ao modelo biomédico tradicional e como resposta ao modelo freudiano da relação
mente/doença física (...)” (p. 219). A psicossomática veio provocar reações diferenciadas
nos profissionais de saúde, alertando para a necessidade desses profissionais ampliarem o
conceito de saúde, a fim de garantirem maior respeito às reais necessidades da população
Um dos primeiros conceitos de saúde, que atende à complexidade e abrangência hoje
reivindicada, partiu da OMS – Organização Mundial de Saúde – definindo a saúde como
“um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não somente como ausência de
enfermidades” (OMS, 1948, sem página). Observa-se que este conceito engloba diferentes
facetas, determinantes para a promoção/deterioração da saúde. É congruente com a idéia de
que a enfermidade física é apenas uma das várias manifestações de um desequilíbrio do
organismo e que há de se levar também em consideração os aspectos psicológicos e sociais
no compreender a saúde.
Esforço mais recente ocorreu na atenção aos pequenos transtornos psíquicos que não
são, necessariamente, de ordem psiquiátrica (Goldberg, 1972/1978, citado em Banks, et al.,
1980). Tal atenção desenvolveu-se com uma proposição de ação preventiva por intermédio
de uma concepção diferente do modelo biomédico. Goldberg (1972/1978, citado em Banks
et al., 1980) formulou o QSG – Questionário de Saúde Geral – capaz de avaliar transtornos
psiquiátricos leves, não-psicóticos. Diferentemente da filosofia dicotômica do modelo
biomédico, acredita-se que, mesmo aparentando estar saudável, um indivíduo pode sofrer
transtornos psicológicos leves, baseado nos diferentes graus em que isso possa ocorrer e na
multivariação do fenômeno. O QSG é um questionário capaz de discriminar entre casos
patológicos e o normal e, nesses casos normais, discriminando os vários graus do estado
psicológico do indivíduo, não estando o mesmo, necessariamente, comprometido
patologicamente. Seu uso tem se tornado comum em estudos ocupacionais e do
desemprego. Trata-se de um questionário auto-administrável, no qual os itens investigam
possíveis sintomas e comportamentos que o indivíduo vivenciou ultimamente. (No capítulo
de Método, tem-se a descrição mais detalhada do questionário).
Com o desenvolvimento da Psicologia da Saúde (a partir da década de 1980), foram
psicológico, mas também a prevenção e promoção da saúde, ao levar em consideração
também os contextos sociais, culturais e ambientais como grandes protagonistas da saúde.
Enquanto o modelo biomédico considera o profissional de saúde o único ativo no processo
de cura, a Psicologia da Saúde compartilha com o paciente, também, a responsabilidade
pelo tratamento, uma vez que o indivíduo apresenta significados, crenças, atitudes e
comportamentos que contribuem para a manutenção, melhoria ou deterioração de sua
saúde.
Capra (1982) pontua que as atitudes do paciente são cruciais para a
promoção/deterioração da saúde. O que se tem feito para melhorar a saúde? As pessoas têm
praticado exercício físico? Adotam uma refeição balanceada? Fumam? Em que se acredita
para a promoção da saúde?
Warr (1987) assinalou que a saúde mental é um termo difícil de conceituação pelo
fato de ser interpretada por variadas formas e linguagens; alguns autores são mais
específicos no conceito, outros são mais generalistas. Além disso, o conceito é carregado de
diferentes valores na sociedade, dificultando, dessa forma, uma conceituação homogênea
sobre o assunto.
É em referência ao fator cultural, que o autor Kleinman (1988/1986/1980, citado em
Coelho & Almeida Filho, 2002) refere-se ao conceito da saúde. Considera três setores
fundamentais que participam da interação saúde-doença, quais sejam: o setor da cura
profissional, o setor das curas populares e o setor popular das crenças, escolhas, decisões e
interações. Coelho & Almeida Filho (2002) por conseqüência, destacam:
Assim, os padrões de saúde e enfermidade variam não só em diferentes
sociedades, mas no interior de uma mesma sociedade, a depender da posição
socioeconômica e da subcultura de quem os concebe: se um médico, um doente
A concepção de saúde positiva, relativista e ecológica continua em voga, presente nos
argumentos de publicações atuais. Assim, Coelho e Almeida Filho (2002) demonstram
claramente que a saúde deixa de ser discutida como algo generalizável a toda e qualquer
população e a todo e qualquer ser humano, sendo necessário considerar que os contextos e
as influências de uma dada população podem ser diferentes e suscitar medidas de
tratamento e de prevenção da saúde também distintas. Atenta ainda que a saúde deve ser
observada mediante os significados relacionados à saúde/doença.
Páez, Adrián e Basabe (1992), assim como Warr (1987), associam a saúde mental
ao entorno em que o indivíduo se insere. Paez e cols. (1992) dão ênfase aos efeitos
qualitativos dos estados de ânimo do indivíduo, ou seja, quando nos indivíduos prevalece
um estado de ânimo positivo, eles “apresentam uma estratégia cognitiva mais relaxada e
flexível: tomam decisões mais rápidas e com menos informação, são mais criativos,
realizam mais condutas menos usuais e tomam decisões mais ‘arriscadas’”(p. 212).
Enquanto isso, naqueles em que prevalece um estado de ânimo negativo, apresentam
um estilo qualitativo de pensamento mais conservador e rígido, segundo os autores. Watson
e Clarck (1984, citado por Tamayo, 2002) definem que alguns indivíduos são predispostos
a experimentar emoções negativas e a apresentar um autoconceito desfavorável. Nesse
sentido, são considerados propensos a ter aflição e insatisfação bem como a focalizarem o
lado negativo do mundo, trazendo como conseqüência uma visão de si próprios menos
favorável. Essa “tendenciosidade” positiva ou negativa pode ser fruto tanto das
predisposições individuais quanto do ambiente em que estão inseridos; não basta apenas a
vontade do indivíduo e seu pensamento positivo se ele se encontra num ambiente negativo,
e nem adianta, também, gerar um ambiente estimulante e positivo, se o indivíduo se
encontra com baixa auto-estima em seu mundo interior. Ser positivo constantemente
Chaves (2003) discute a saúde mental a partir dos valores dos indivíduos, do que eles
escolhem para suas vidas para se sentirem felizes ou como procuram os meios para
alcançar o bem-estar e a satisfação psicológica. A referida autora cita Ryan e Deci (2001),
os quais apontam para duas perspectivas que orientam o bem-estar subjetivo. Uma delas é a
perspectiva hedônica, na qual associa o bem-estar ao prazer ou felicidade, especificamente
no que se refere aos valores externos ao indivíduo, numa busca constante de prazer sem
limites. Segundo Fromm (1976, citado em Chaves, 2003), as pessoas que têm esses valores
hedônicos tendem a se sentir solitárias, ansiosas, medrosas e deprimidas.
Em contrapartida, a perspectiva eudaimônica orienta-se através do humanismo e
enfatiza que o indivíduo alcança o bem-estar ao satisfazer suas necessidades de crescimento
pessoal, de auto-realização. Estas foram consideradas como promovedoras do bem-estar
psicológico, uma vez que a constante busca pela auto-realização é um indicativo saudável e
benéfico para a saúde mental, indo de encontro ao que é íntimo do ser humano e ao que há
de mais significativo.
Um outro indicador de bem-estar é a vitalidade subjetiva que cada indivíduo carrega
em si (Ryan & Frederick, 1997, citado em Chaves, 2003). Consiste numa disposição tanto
biológica quanto psicológica do indivíduo, no sentido de ter energia e vitalidade para fazer
algum tipo de atividade, estar alerta e com disposição tanto física como mental e
psicológica.
Warr (1987) e outros autores mais recentes como Ogden (1999) e Bücher (2003)
afirmam que o indivíduo não deve ser considerado “saudável” ou “não-saudável”, mas sim, ser localizado num contínuo entre essas duas formas, vacilando dinamicamente no
intervalo. Essa noção de contínuo supera a dicotomia, porém é ainda insuficiente para
abranger a complexidade da saúde, posto que tem se argumentado pelo seu caráter
Chaves, 2003; OMS, 1948). Há de se levar em consideração fatores biológicos, sociais,
psicológicos, enfim, uma pluralidade de fatores que se interpõem, determinando a saúde do
indivíduo. As influências para a promoção/deterioração da saúde dependem da articulação
dessas facetas e são as psicológicas e sociais que comportam as crenças, atitudes e
comportamentos onde a Psicologia da Saúde se detém.
Warr (1987), abrangendo os aspectos culturais que levantou em relação ao conceito
de saúde, concebeu os estudos sobre saúde mental a partir de um modelo ecológico, pois
relaciona o indivíduo com o social, com o entorno do qual faz parte, estudando a saúde
mental a partir dessas relações que se estabelecem.
Corroborando com essa perspectiva de saúde mental do autor Warr (1987) ao
relacionar o indivíduo com o ambiente, a autora Jahoda (1987) realizou estudos
comparativos entre empregados e desempregados. Em seus estudos pôde observar que,
quando desempregado, o indivíduo sofria uma perda de “status” na sociedade, acarretando
numa diminuição da posição social valorizada que, segundo Warr, traz prejuízos à saúde
mental, uma vez que o indivíduo sente-se desvalorizado socialmente. Jahoda também
constatou a importância do trabalhador ter controle sobre o meio, seu entorno imediato,
corroborando com uma das dimensões ambientais de Warr. Assim, a autora revela que “(...)
o maior desejo dos trabalhadores é, tal e como tem sido demonstrado em mais de 100
estudos (...), adquirir o controle sobre seu entorno imediato e sentir que, tanto seu trabalho,
como eles mesmos são importantes” (p. 102).
Da mesma forma que Warr (1987), Jahoda (1987) destaca para a importância do
trabalhador ter atividades variadas e que, também, tenha controle e domínio sobre o que
está fazendo. Estes são aspectos que fazem emergir uma melhor saúde mental ao
trabalhador. A autora ainda faz uma crítica para a forma de organização do ambiente de
que ações deliberadas pelos gestores. Muitas dessas ações não encerram as reais
necessidades da classe trabalhadora, havendo muitos casos em que omitir parece ser uma
escolha mais fácil de gerenciar.
A noção de contínuo único contradiz inclusive o próprio modelo ecológico de saúde
de Warr (1987), o qual leva em conta características individuais e ambientais. Warr
relaciona cinco dimensões que integram o bem-estar psicológico, quais sejam:
1. Bem-estar afetivo: refere-se a quanto o indivíduo sente-se bem internamente,
estando essa dimensão muito relacionada com a auto-estima. Considera duas
dimensões do bem-estar afetivo, que são o prazer e a excitação. Um particular nível
de prazer pode ser acompanhado por altos ou baixos níveis de excitação, e um
particular nível de excitação pode ser também prazeroso ou desprazeroso. A
qualidade específica do afeto deriva de ambas as dimensões (prazer/excitação). Por
exemplo, sentimentos de depressão são caracterizados por baixos escores em cada
dimensão, e de sentir-se feliz pode ser descrito em termos de altos escores no
prazer e na excitação.
2. Competência: é um dos recursos psicológicos de que as pessoas se utilizam para
resolver variados tipos de problemas, sejam eles decorrentes da cognição, da
emoção, de fatores físicos, dentre outros;
3. Autonomia: refere-se à importância de se ter habilidades pessoais para resistir às
influências ambientais e determinar sua própria opinião e ação. Entretanto, muita
autonomia bem como pouca é vista como indesejável. Quando ocorre a falta de
autonomia (ou pouca), o indivíduo é determinado por acontecimentos externos,
podendo ocasionar excessivo conformismo, não saber discordar dos outros,
depender da ajuda de outras pessoas muito excessivamente, etc. Por outro lado, o
influências exercidas por outros, intolerância, desejo de ser completamente
independente de outros e não aceitar ajuda;
4. Aspiração: uma pessoa mentalmente saudável é vista como alguém que tem o
interesse em engajar-se no ambiente. Um elevado nível de aspiração é refletido em
comportamentos motivados, alerta para novas oportunidades, e um esforço para
encontrar mudanças que são pessoalmente significantes. Por outro lado, um
indivíduo com baixo nível de aspiração costuma manter suas atividades num
mesmo ritmo, no sentido de não inovar nem de ultrapassar metas. Quando o mesmo
passa a aceitar o estado presente e não há uma preocupação em melhorar e ampliar
suas possibilidades, verificamos que o indivíduo se encontra em baixo nível de
aspiração;
5. Funcionamento integrado: refere-se à pessoa como um todo, perfazendo as
múltiplas inter-relações entre os outros quatro componentes. Uma aproximação para este componente está em relação a três largas áreas do funcionamento do papel
social, referentes como “amor, trabalho e lazer”. Conflitos entre essas áreas podem
se originar. Tem sido sugerido que a pessoa saudável é alguém que equilibra a
importância das três áreas, evitando, por exemplo, o comportamento “viciado no
trabalho” em detrimento da vida familiar. As pessoas psicologicamente saudáveis
exibem uma certa harmonia e equilíbrio.
A competência, a autonomia e a aspiração estão muito mais relacionadas com o
ambiente no qual o indivíduo faz parte. Segundo Reis e cols. (2000), corroborando com
Warr (1987) a competência e a autonomia são necessidades humanas básicas que
contribuem para o bem-estar emocional dos indivíduos. Uma organização extremamente
recursos disponíveis, impedindo, dessa forma, galgar metas e ultrapassar obstáculos,
deixando baixo, por exemplo, seu nível de aspiração.
Warr (1987) relaciona nove características como fatores ambientais determinantes na
saúde mental, quais sejam:
1. Oportunidade para exercer controle sobre o meio: refere-se a quanto as
condições do ambiente de trabalho possibilitam que o indivíduo controle
atividades e outros eventos. Níveis baixos ou muito altos de controle sobre o
meio causam conseqüências negativas para a saúde mental (DA); 1
2. Oportunidade para a utilização e desenvolvimento dos conhecimentos e
capacidades pessoais: o ambiente pode inibir ou encorajar o indivíduo a
utilizar e desenvolver habilidades pessoais, pois as organizações rígidas
podem tolher capacidades e o autodesenvolvimento de seus trabalhadores. A
oportunidade do indivíduo responder perante diferentes demandas do meio,
de utilizar seus conhecimentos e desenvolver-se são psicologicamente
beneficiosos (DA);
3. Existência de objetivos gerados no meio: um indivíduo sente-se muito mais
satisfeito quando se encontra num ambiente em que há objetivos a serem
alcançados; um ambiente em que não há demanda sobre a pessoa, deixa-a
sem perspectivas e sem objetivos diante das situações (DA);
4. Variedade: atividades repetitivas e sem variedade contribuem para a
deterioração mental, daí a importância em incluir estímulos variados para a
promoção da saúde mental. Por outro lado, um excesso de variação também
não promove o bem-estar psicológico, sendo necessário ter-se equilíbrio no
uso da variedade (DA);
5. Clareza ambiental: o ambiente em que o indivíduo se encontra deve estar
suficientemente claro, compreensível, na promoção de sua saúde mental. Um
exemplo da clareza ambiental pode ser observada na falta ou não de feedback
sobre uma ação, na clareza sobre o cargo ocupado e quais as relações desse
cargo com os demais na organização, enfim, a clareza ambiental revela ao
indivíduo acerca do “terreno” em que o mesmo se encontra; quanto mais
compreensível for o ambiente, melhores repercussões terão sobre a saúde
mental. Por outro lado, o excesso de clareza ambiental pode levar a
acomodação, à monotonia (DA);
6. Disponibilidade econômica: é um fator que influencia a saúde mental,
principalmente por estarmos inseridos numa sociedade capitalista, porém a
disponibilidade econômica vai além disso. Uma família com carência
econômica, por exemplo, é inibida em utilizar atividades que requerem
dinheiro, procurando, pelo menos, manter em sua mesa a alimentação de cada
dia. Esses e outros fatores relacionados à disponibilidade econômica são
determinantes para a saúde mental (EC); 2
7. Segurança física: os ambientes precisam proteger a pessoa de ameaças ao
corpo, provendo um adequado nível de segurança, tais como níveis normais
de umidade, temperatura, estímulos visuais e auditivos, de modo que todos
esses estímulos sejam razoavelmente permanentes, não vacilando
extremamente de um ponto a outro (EC);
8. Oportunidades para desenvolver as relações interpessoais: os ambientes
também diferem nas oportunidades que eles promovem interações entre as
pessoas. Os contatos reduzem a solidão e exaltam sentimentos como amizade
e companheirismo. Além disso, ter relações interpessoais provê ajuda de
vários tipos (suporte social), que podem ser de origem emocional e/ou
instrumental. Ter muitas relações interpessoais também não é saudável,
passando a prejudicar a saúde mental do indivíduo, pois o mesmo deixa de ter
controle da sua própria vida para estar em função dos outros (muitas reuniões,
por exemplo) (DA);
9. Posição social valorizada: refere-se à posição em que o indivíduo se encontra
dentro da estrutura social em que está inserido. Seja na comunidade, no local
de trabalho ou na família, o indivíduo ocupa posições sociais (associadas em
geral ao desempenho de papéis sociais) que podem ser mais valorizadas que
outras e isso afetará seus sentimentos de auto-estima e conseqüentemente, sua
saúde mental (EC).
O modelo ecológico proposto por Warr (1987) para compreender a saúde mental
estabelece uma relação dialética entre o indivíduo e o meio. Para efeito de exposição, o
autor faz uma analogia entre as influências das vitaminas para a saúde física e as
influências do ambiente para a saúde psíquica. Vejamos como Warr estabelece essas
relações.
O organismo adoece quando as vitaminas lhe faltam e necessita das mesmas para
manter-se em bom estado de funcionamento. À medida que ingere determinados níveis de
vitaminas, gradativamente, o organismo vai melhorando seu estado. No decorrer do tempo,
no entanto, a ingestão de algumas vitaminas não terão benefício ulterior, tornando-se
constantes as reações do organismo. Warr (1987) chamou a essas vitaminas de EC, que
significam “efeito constante”. Enquanto as vitaminas EC tornam-se constantes com o
tempo, no sentido de não surtir efeitos no organismo após várias doses, outras porém, com
que significam “diminuição adicional”. Em outras palavras, existindo uma situação de
deficiência das vitaminas, o organismo, gradualmente, melhora o seu estado nas primeiras
doses; num determinado período, após várias dosagens das vitaminas, ou o organismo sente
os efeitos constantes (vitaminas EC) ou o organismo tende a reagir contra o excesso dessas
vitaminas (vitaminas DA), tornando-se prejudiciais ao organismo.
A fim de compreender a influência do meio na saúde mental, Warr (1987) substituiu
as vitaminas pelas características do ambiente, ou seja, é o meio que circunda o indivíduo
que está, constantemente, causando uma deterioração ou benefício na saúde psicológica,
dependendo de como essas influências são apresentadas ao indivíduo, como o mesmo as
interpreta e com que freqüência aparecem. Como foi visto anteriormente, segundo o
referido autor, há nove categorias ambientais influenciando a saúde mental. Essas
categorias ambientais poderão surtir efeitos benéficos na saúde psicológica, tornando-se
constantes com o tempo ou chegando a trazer prejuízos, dependendo da freqüência com
que surgem ao indivíduo, como surgem e quais as interpretações advindas dessas relações.
Warr (1987) chama a atenção para a dinamicidade do processo e a necessidade de
interpretarmos sua teoria a partir de uma visão não-linear, mas processual. Supõe uma
relação dialética entre indivíduo e entorno, já que a caracterização de um depende do outro,
por exemplo, a adequação (no sentido do efeito sobre a saúde psíquica) da variedade do
ambiente depende da competência do indivíduo e de seus níveis de aspirações e o indivíduo
tende a ajustar (em certa medida) seus níveis de aspiração e desenvolver suas competências
compatibilizadas às oportunidades do entorno.
Corroborando a linha de pensamento do autor Warr (1987), Jaffe (1995) afirma que a
saúde organizacional é ampla, não se restringindo à saúde dos funcionários, mas devendo
Uma organização é considerada saudável quando alcança a satisfação não só dos seus
funcionários, mas também quando envolve a satisfação dos clientes, fornecedores,
proprietários diretores da empresa e até da comunidade local. A saúde organizacional está
implicada, então, à eficácia organizacional (Jaffe, 1995).
Outra perspectiva de se ter uma organização saudável refere-se aos valores que ela
tem. Uma empresa que valoriza o trabalhador e investe no seu desenvolvimento pessoal e
profissional traz valores que repercutem na saúde organizacional (Jaffe, 1995).
Warr (1987) representa em um gráfico (Figura 1) as relações dos componentes
ambientais na saúde mental.
Alto S A Ú D E M E N T A L
Efeito Constante
Diminuição Adicional
Baixo
CARACTERÍSTICAS DO MEIO
AÚDE M ENTAL S
Alto
Figura 1. Representação do modelo de saúde de Warr (Copiado de Álvaro & Paez, 1996)
Assinalamos que o modelo de Warr (1987) contribuiu principalmente classificando os
fatores ambientais e esclarecendo os efeitos diferenciais dos fatores ambientais na saúde
psíquica. A analogia com as vitaminas é compreendida apenas como um recurso de
exposição.
Para compreender a variabilidade da saúde mental entre os indivíduos, uma
saúde mental como positiva, relativa à cultura e multidimensional, é apresentada por
Tazelaar (1989, citado por Álvaro-Estramiana, 1992) que se fundamenta na teoria da
incongruência mental. Essa teoria consiste em comparar duas situações que ocorrem num
mesmo indivíduo: a avaliação cognitiva da situação e a avaliação idealizadora da mesma
situação. Por exemplo, numa situação de desemprego o indivíduo avalia cognitivamente
sua situação de desempregado, que entra em dissonância cognitiva com a idealização da
situação que seria estar empregado. Esse tipo de situação leva à corrosão cognitiva e ao
sofrimento psíquico do indivíduo.
Quando um indivíduo lida muito freqüentemente com situações de dissonância
cognitiva está fadado a contrair grande sofrimento psíquico. Situações dentro do próprio
trabalho, tais como a necessidade de crescimento profissional (avaliação idealizadora) e a
verificação de uma realidade em que não há como “fazer carreira” na empresa (avaliação
cognitiva) geram uma dissonância cognitiva, causando sofrimento psicológico. Em seu
livroTeoria da Dissonância Cognitiva, Festinger (1975) explana acerca da estruturação de
elementos cognitivos e as influências que os mesmos repercutem na saúde psíquica. O
referido autor revela que as pessoas, de um modo geral, esforçam-se por estar num estado
de coerência cognitiva consigo mesmas. Fora desse “estado” (que podemos chamar de
momentâneo, pois as influências são constantes no tempo), sentem um desconforto
psicológico, visto que elementos cognitivos incoerentes entre si participam do processo. O
autor cita um exemplo de dissonância cognitiva ao relatar sobre um indivíduo que planeja
um piquenique no dia anterior, acreditando que no outro dia vai fazer bastante sol.
Acontece que o dia amanhece chuvoso, indo contra toda uma programação e expectativas
de que iria usufruir de um piquenique num belo dia ensolarado. O elemento cognitivo
(fazer sol), em contato com a realidade (chuva), gera desconforto cognitivo, fazendo com
A geração de dissonância ou consonância cognitiva perpassa, necessariamente, pela
cognição do indivíduo, comportamentos (tanto do indivíduo quanto de outras pessoas),
meio (contexto em que ocorre a dissonância/consonância), valores (perfazendo um
caminho dialético entre os próprios valores e de outras pessoas) e cultura. Nota-se que a
variabilidade é extensa no influenciar os fatores cognitivos, uma vez que podem participar
elementos da própria realidade, como fatores ditos por outras pessoas que, também,
influenciam essa realidade. Para Festinger (1975), a dissonância pode abranger variadas
magnitudes, dependendo de quanto os elementos são importantes e de valor para a pessoa.
Quanto mais importantes os elementos, maior a magnitude da dissonância cognitiva.
Quando os indivíduos se encontram em situações de grande dissonância, procuram meios
que justifiquem ou racionalizem essa dissonância, na tentativa de procurar conforto
cognitivo e manter-se razoavelmente bem psicologicamente.
A partir da década de 1990, intensificaram-se muito as pesquisas e publicações na
perspectiva da Psicologia da Saúde. Assim, corroborando essa tendência, Campos (1992)
realça a estreita relação entre saúde/doença e psiquismo, apontando que os conflitos
internos, estresse, problemas emocionais podem materializar-se em forma de doença, seja
ela psíquica e/ou física. Primar pelo que realmente causa a doença é fundamental, a fim de
que não sejam tomadas ações paliativas em seu tratamento e nem se deixe de assumir uma
postura ética. Ainda assim, a origem de algumas doenças ainda é uma incógnita: por que surgem em determinados indivíduos e não em outros? Ou ao contrário: por que alguns
gozam de boa saúde em contexto semelhante? Que atitudes e comportamentos tomam em
suas vidas em função de seu bem-estar?
Na conjuntura atual de velocidade das informações, de incentivo ao individualismo e
das pressões do mercado de trabalho, surgem as chamadas “doenças da civilização”, tais
associam-se a variados aspectos da vida cotidiana como o estresse, o sedentarismo, a
poluição do meio ambiente, a contaminação do ar, da água e dos alimentos, o consumo de
drogas, a excessiva ingestão de proteínas, os acidentes de trânsito e os problemas de saúde
mental, agravados no contexto das megalópoles e do desenraizamento social. As pessoas
estão sendo influenciadas todo o tempo por este ambiente nervoso, por mais que adotem
medidas “anti-estresse” na tentativa de amenizar toda essa conturbação. Sem esperar, as
pessoas se deparam comportando-se com “(...) um impulso excessivamente competitivo,
impaciente, hostilidade e movimentos rápidos” (Holtzman et al., 1988, p. 268), uma vez
que é a partir do ambiente que estabelecem interações, havendo, portanto, uma necessidade
em intervir, pelo menos localmente (como no ambiente de trabalho) com medidas
preventivas e corretivas no combate a essas formas de deterioração psicológica.
Castilla del Pino (1989, citado por Ozámiz, 1992), referindo-se à estruturação
psicológica, comenta:
(...) os acontecimentos vitais influenciam no pensamento e seu ordenamento,
assim como na cognição conseqüente, e que todo ele se reflete no
comportamento e na estrutura psicológica do indivíduo e dos grupos, e desse
modo, também na psicopatologia e em diversos transtornos mentais (p. 76).
Por extensão, Ozámiz (1992) pontua que, dependendo da interação que o indivíduo
estabelece com o ambiente, se vem a causar ou não riscos cognitivo-emocionais, o
resultado dessa avaliação pode repercutir em respostas neuroendocrinológicas e fisiológicas
no sujeito.
Por mais que os estímulos aconteçam igualmente para vários indivíduos, cada um irá
observá-los diferentemente devido às próprias diferentes vivências no decorrer da sua vida
e por conseqüência, responderão diferentemente também, dependendo de como avaliaram o
nesses termos, dá-se a partir do contexto em que o indivíduo está inserido, levando em
consideração a avaliação cognitiva da experiência ao resgatar vivências passadas e como o
indivíduo estabelece futuras ações a partir do resultado encontrado entre os fatores
cognitivos, emocionais e fisiológicos, todos se influenciando mutuamente. Fala-se nesses
fatores, mas é difícil separá-los, visto que a cognição resgata fatores emocionais e que
resgata respostas neuroendocrinológicas e fisiológicas no sujeito. Quando um indivíduo se
encontra em acentuado bem-estar psicológico, pode-se entender que houve uma boa
“coordenação” entre esses conjuntos, estando os mesmos refletidos no comportamento e na
estrutura psicológica do indivíduo.
O autor Marin (1992) discute praticamente todos os conceitos até agora aqui
expostos sobre saúde mental de uma maneira ao mesmo tempo sintética e abrangente, ao
dizer que ...
A saúde mental da pessoa depende, desde sua gestação, de um normal
desenvolvimento neurobiológico, de fatores hereditários, da educação familiar
e escolar, do nível de bem-estar social no seio da comunidade, do grau de
realização pessoal no meio sócio-ocupacional, de uma relação de equilíbrio
entre a capacidade do indivíduo e as demandas sócio-ocupacionais,
socioeconômicas, socioculturais e psicossociais, e de um envelhecimento
digno (p. 103).
Mediante esse conceito mais amplo de saúde, destaca-se a posição de Canguilhem
(1963/1943, citado por Coelho & Almeida Filho, 2002) ressaltando a importância em
considerar o fenômeno a ser investigado e passando a ter uma preocupação com outras
dimensões, tais como o social e o ambiental. Contandriopoulos (1998) resume esse
pensamento na seguinte afirmação: “(...) que os pesquisadores de cada disciplina repensem
encarem horizontes temporais diferentes e conseqüentemente que modifiquem a maneira de
conceber os fenômenos que estudam” (p. 5). Respeitar o fenômeno que se está estudando e
pesquisando é obrigação de todo pesquisador. Alguns se fecham em suas próprias teorias,
métodos de trabalhar e de intervir, perdendo-se consideravelmente o cerne da problemática
– o sofrimento que está acometendo a um indivíduo – e dessa forma, deixam de agir
eticamente em respeito às reais necessidades do ser humano, na demanda trazida pelo
mesmo e agem embutidos em suas próprias concepções do que venha a ser o “tratamento
adequado”.
Pelo exposto, observa-se que a saúde/doença faz parte de uma convergência entre o
psiquismo, as relações sociais e o ambiente (Guattari, 1990 citado em Vaitsman, 1992).
Está-se, todo o tempo, envolvido nessas relações, uma influenciando a outra, seja para a
promoção ou deterioração da saúde. Hoje, considera-se que saúde mental é sinônimo de
estar, sendo que esse estar não pode ser reduzido às suas partes, mas um
bem-estar global do ser humano ao estabelecer relações dialéticas entre as concepções
biológicas, psicológicas, sociais e ambientais.
Urge, portanto, a necessidade de compreender a saúde do ser humano perante uma
visão processual e sistêmica de saúde, em que os diferentes profissionais da saúde possam
estabelecer um diálogo no tratamento e prevenção da saúde dos indivíduos.
1.2. Saúde Mental no Trabalho
Neste subtópico, tratar-se-á da esfera do trabalho como campo de discussão,
buscando delinear o tema da saúde mental nesse entorno, compreendendo os conceitos
ampliações acerca deste tema na área do trabalho. Diante da exposição da seção anterior, o
trabalho é apenas um dos vários entornos e/ou aspectos que podem afetar a saúde. Apesar
da natureza restritiva, essa relação tem ocupado a atenção de muitos psicologistas e
psicólogos.
São muitas as razões que têm conduzido estudiosos a focar a discussão sobre saúde
psíquica neste campo. Por exemplo, segundo a revista American Psychologist (1991),
citado por Codo e Jacques (2002), o sofrimento psicológico é a segunda causa de
afastamento no trabalho nos Estados Unidos. Dados revelam que só a esfera do trabalho é
capaz de especificar mais de 35 doenças diferentes (Baker & Ladrigan, 1990 in Danna &
Griffin, 1999) e que o trabalho tem se tornado cada vez mais arriscado devido a mudanças
estruturais do sistema econômico, na medida em que se implementam novas tecnologias,
mudança nas relações de trabalho e nos postos de trabalho em geral (Berry, 1997 in Danna
& Griffin, 1999). Constatações como essas preocupam, uma vez que o trabalho é uma das
esferas mais significativas para o Homem, é onde o Homem se realiza, produz para a
sociedade e se produz concomitantemente, contribuindo para o progresso e o
desenvolvimento geral de uma Nação.
Apesar do reconhecimento atual da importância dos estudos sobre saúde mental e
trabalho, o desenvolvimento deste campo pode ser considerado bastante tardio. Uma das
explicações para isso é a persistência durante um longo período do conceito negativo de
saúde mental (ausência de doença) tratado na seção anterior. Além disso, a visão cartesiana,
que conduzia a explicar o psiquismo pelo próprio psiquismo também funcionava como um
impedimento para buscar compreender a relação aqui enfocada.
Outra explicação origina-se nas características da organização do trabalho: enquanto
parcelado, mecânico e dissociado radicalmente na execução das tarefas da concepção
criativa das mesmas, o bem-estar dos indivíduos não interessava às organizações.
A primeira linha de pesquisa neste campo a prosperar tematizou os efeitos do
desemprego sobre a saúde mental. Entre esses, destacam-se os estudos pioneiros de Jahoda
(1987) sobre as reações dos indivíduos diante da situação do desemprego duradouro. Mas
muitos estudos ocorreram e continuam a ser desenvolvidos (por exemplo, Banks et al.
1980; Álvaro-Estramiana, 1992). Muitos deles fizeram uso extensivo do QSG-12 para
comparar a saúde mental dos empregados e dos desempregados. Portanto, fica claro que a
atenção aos pequenos transtornos psíquicos na Psicologia da Saúde os influenciou.
Tais estudos demonstraram que os desempregados tendem a apresentar uma saúde
mental mais precária. No entanto, permaneceu a dúvida: é realmente o desemprego que
influencia negativamente a saúde mental (causação social) ou são as pessoas com
transtornos mentais que tendem a perder o emprego (seleção social)?
Na tentativa de responder tal questão, Mirowsky e Ross (1989) desenvolveram
pesquisas confrontando a validade dos modelos explicativos da saúde mental – a causação
social e a seleção social – e os resultados tornaram-se um marco importante no campo de
conhecimento. Tomando como exemplo, a depressão, o modelo da causação social
relaciona a baixa renda familiar à reduzida participação no sistema econômico e social,
observando-se, por conseqüência, num aumento da vulnerabilidade à depressão. Este
modelo leva em conta os fatores sociais, econômicos, políticos relacionados para explicar
os efeitos psicológicos decorrentes. Em contrapartida, o modelo da seleção social afirma
que é a depressão a causadora de um baixo nível econômico e social. Neste modelo,
observa-se que as causas estão nos indivíduos, por isso é chamado de seleção social e que a
depressão, neste exemplo, é a causa do insucesso individual. Os autores mostraram, por
social explica melhor a maior parte dos casos. Por outro lado, não se pode desconsiderar o
modelo da seleção social, pois existirão casos em que estar desempregado estará,
realmente, na causa individual. O autor Warr (1987), visto anteriormente, realça essas
considerações em sua teoria, demonstrando a natureza dialética entre os aspectos internos e
externos ao indivíduo, em como essas relações estão imbricadas no promover ou deteriorar
a saúde mental.
Mas enquanto crescia a linha de pesquisa sobre os efeitos do desemprego, muitos
começaram a duvidar se todo trabalho promove a saúde mental das pessoas. Neste
contexto, consolidou-se também a perspectiva que ficou conhecida como Psicopatologia do
Trabalho, que tem Dejours (1980) entre um dos nomes de destaque.
E é referente ao meio, mais especificamente, ao local de trabalho, que Dejours (1980)
faz referência à importância atribuída à saúde mental dos indivíduos. Comenta sobre as
tristes conseqüências psíquicas advindas de uma organização de trabalho extremamente
rígida e insignificante no conteúdo das tarefas. “(...) quanto mais a organização do trabalho
é rígida, mais a divisão do trabalho é acentuada, menor é o conteúdo significativo do
trabalho e menores são as possibilidades de mudá-lo. Correlativamente, o sofrimento
aumenta” (Dejours, 1980, p. 52).
Ao referir-se sobre a fadiga laboral, Dejours (1980) não se refere apenas a um
excesso de trabalho, mas também, a uma inatividade, aquela que reprime e engessa o
trabalhador, principalmente quando o mesmo se encontra numa organização inorgânica e
altamente hierarquizada. “Essa inatividade é fatigante porque não é um simples repouso
mas, ao contrário, uma repressão – inibição da atividade espontânea” (Dejours, 1980, p.
130).
Como disto se depreende, as análises de Dejours dirigem-se ao trabalho organizado
os limites das afirmações de Dejours, quanto para se perceber a importância de sua
contribuição na elucidação dos efeitos dos diferentes tipos de trabalho.
Interessante observar que, segundo a voz de empregadores, esse adoecer psíquico diz
respeito muito mais ao indivíduo do que ao contexto laboral em que o mesmo se encontra,
demonstrando uma persistência da concepção biomédica de saúde no senso comum.
Nesse mesmo sentido, acredita-se que em nossa sociedade estar saudável é poder
produzir, trabalhar; esse é o discurso da ideologia dominante comprometida com a
manutenção do sistema capitalista, em que supõe que os trabalhadores existem para
produzir. Adicionalmente, se uma determinada doença não se manifesta visivelmente, por
exemplo, a depressão, então há uma tendência a considerar que o indivíduo não está
doente, não se configurando em impedimento para trabalhar. Ressalva-se aqui que não se
está supondo que a depressão não tenha influências orgânicas, mas apenas que não é tão
visível quanto uma doença contagiosa, como o sarampo e várias outras. Corroborando com
a idéia da difusão da crença de que estar saudável é poder produzir, Traverso (2002) mostra
que o homem simples a absorve em seu próprio discurso e prática cotidiana.
Fazendo um paralelo entre os modos de gestão e organização do trabalho tayloristas
que, segundo Legge (1995, citado em Sato, 2002), caracteriza-se por um modelo duro, hoje
o modelo é leve, com a diferença de que no primeiro caso havia uma postura passiva do
trabalhador e seguia-se uma hierarquia rígida de organização do trabalho. Atualmente,
vendo a necessidade cada vez maior em resgatar a potencialidade e criatividade do
trabalhador, as empresas utilizam um modelo leve, no qual se caracteriza por um modo de
“controlar” mais ameno, depositando nesse trabalhador grandes responsabilidades e, no
qual, segundo Spink (1994, citado em Sato, 2002), há uma mudança no discurso ao falar
sobre envolvimento, qualidade, participação etc. “Daí, porque observa-se a preocupação
presentes apenas física e externamente” (Sato, 2002, p. 37). Heloani (1996), corroborando
Sato, defende que houve uma ampliação do controle a partir do inconsciente das pessoas.
Pelo fato desses mecanismos serem controlados mais simbolicamente do que externamente,
observa-se a dificuldade em diagnosticar e desenvolver ações corretivas e preventivas para
o bem-estar do trabalhador. Muitas vezes, nem o próprio trabalhador acredita que seus
males sejam decorrentes da organização do trabalho e sim, que ele necessita superar as
“dificuldades” para ser cada vez mais “competitivo e empreendedor”, já que é dessa forma
que a organização espera que ele seja.
Os autores Maslach e Leiter (1999) recorrem, igualmente, à organização do trabalho,
ao modo de gestão e às relações de produção para falar das conseqüências psicológicas
advindas do trabalho que possam representar prejuízos à saúde do trabalhador e
conseqüentemente, à sua satisfação no trabalho. Relacionam seis fatores determinantes do
esgotamento físico e emocional: o excesso de trabalho; a falta de controle sobre o próprio
trabalho; a falta de recompensas pelas contribuições no trabalho; a falta de união entre os
trabalhadores; a falta de eqüidade entre a organização e os trabalhadores e o conflito de
valores entre estes e a empresa. Uma organização que se descuida desses fatores necessita
fazer uma reavaliação de sua gestão em recursos humanos, no que ela pode estar perdendo
no que tange aos aspectos humanos da empresa ou à desvalorização de um fator que é
considerado o mais significativo na manutenção da organização viva: a energia dos seus
trabalhadores. Falta muito para que os empregadores reconheçam a necessidade em se
investir no trabalhador; por enquanto a saúde psíquica ainda é irrelevante para eles.
Maslach e Leiter (1999) afirmam que a saúde física e emocional dos trabalhadores é
dependente da estrutura organizacional com a qual os mesmos têm relação cotidianamente
no seu trabalho, apontando que a causa da baixa produtividade empresarial decorre de toda
supervalorizam os lucros e/ou os resultados sem saber que na melhoria dos rendimentos é
indispensável investimentos humanos, investimentos que possam resgatar a sinergia
organizacional por meio de seus trabalhadores.
Segundo os autores Maslach e Leiter (1999), os empregadores ainda têm uma visão
míope frente a essas considerações, uma vez que visam apenas seus próprios interesses e
“reduzir custos”, discurso mais freqüentemente por eles utilizado. Nesses termos, deixam
de contratar mais funcionários a fim de reduzir custos, benefícios e, no entanto, acabam
tendo prejuízos na qualidade dos serviços, deixando com um único funcionário, por
exemplo, uma gama de atividades que, a médio e longo prazos, causarão, no mesmo,
seqüelas psicológicas graves e tolhendo por conseguinte, o compromisso do funcionário
com o trabalho. Se o que movimenta uma empresa são seus trabalhadores, não há nada
mais claro que a necessidade de investir nos mesmos, não só por intermédio de cursos e
treinamentos técnicos, mas principalmente, respeitando-os e assumindo uma posição
equânime com eles. Maslach e Leiter (1999) destacam esse pensamento na seguinte frase:
“Ao assumir a responsabilidade de lidar com o desgaste físico e emocional, a empresa está
se administrando de uma forma que lhe assegurará um pessoal produtivo por muito mais
tempo” (p. 104).
A linha de pensamento dos autores Maslach e Leiter (1999) corrobora com a
justificativa de que a saúde mental responde melhor quando explicada através da teoria da
causação social dos autores Mirowsky e Ross (1989), anteriormente citada. O sistema é que
é inadequado, antes de procurar possíveis “desordens” no trabalhador, principalmente
quando toda uma organização encontra-se doentia, sem ânimo para o trabalho. As soluções
para os problemas precisam ser buscadas na estrutura organizacional, na política e na
Os autores Peiró, González-Romá, Meliá e Zalbidea (1992) assinalam a importância
do conflito e ambigüidade de papéis como aspecto estressor e causador de deterioração
mental. Quando o trabalhador encontra-se em conflito de cargo, “(...) a situação ambiental
se caracteriza pela presença de expectativas de papel incompatíveis que exigem
conformidade na conduta da pessoa focal” (Peiró et al. 1992, p. 123). E no caso de
ambigüidade do cargo, faltam informações suficientes para o trabalhador desempenhar suas
tarefas de forma adequada e consciente da sua função.
Há também, autores que estudam a saúde mental a partir do estresse do trabalhador,
palavra comumente usada no dia a dia das pessoas, em geral, e no ambiente de trabalho, em
particular (Filgueiras & Hippert, 2002). Posen (1995, citado em Filgueiras & Hippert,
2002), propõe uma série de atividades para diminuir o estresse, tais como
(...) mudanças de comportamento, modo de pensar, estilo de vida, e da própria
situação em que o indivíduo se encontra. Recomenda ainda moderar a ingestão
de cafeína, praticar exercícios regularmente, relaxamento ou meditação, e
aponta para a importância de se dormir bem e ter atividades de lazer. Além
disso, afirma que o indivíduo deve ter expectativas realistas na vida, bom
humor, e procurar fazer reinterpretações das situações estressantes, reavaliando
suas crenças (p. 118).
Apesar dos autores enfocarem aspectos individuais, não se pode desconsiderar os
fatores ambientais, sociais e organizacionais para a avaliação da saúde mental no trabalho,
como descrito anteriormente.
Quando as relações entre o indivíduo e o trabalho tornam-se cada vez mais
ansiogênicas e geradoras de grande sofrimento psíquico, havendo uma incompatibilidade
entre os âmbitos objetivo e subjetivo, tem sido comum o surgimento da “doença dos
perturbações estomacais, dificuldades com o sono, inquietação, incapacidade para se
concentrar, tremores, sensações de formigamento no corpo, tonturas, entre outros”
(Jacques, 2002, p. 100).
Jacques (2002) também enfatiza que esse adoecer psíquico não deixa de ser a
manifestação de uma vivência subjetiva, em que as relações entre o indivíduo e o trabalho
“se explicam em um esquema cognitivo-representacional, próprio a um determinado
contexto sociocultural” (Jacques, 2002, p. 109-110). Assim, o indivíduo irá vivenciar
emocional e cognitivamente o seu adoecer, atrelado aos fatores socioculturais que o
determinam. É importante notar que os argumentos de Jacques são coerentes com autores
citados anteriormente na seção sobre o conceito de saúde mental tais como Warr (1987) e
Kleinmann (1988/1986/1980, citado em Coelho & Almeida Filho, 2002).
No cenário a que se vislumbram as organizações, observa-se um contexto de grandes
mudanças e de velocidade dos acontecimentos e da tecnologia, causando menos controle do
indivíduo sobre seu trabalho, caso não se realize uma política de investimento para o
trabalhador. Paralelamente ao pensamento de Warr (1987), o autor Jaffe (1995) destaca a
importância do trabalhador ter controle no seu ambiente de trabalho. Os problemas de
saúde e estresse acontecem quando ocorrem altas demandas e baixo controle no ambiente
de trabalho. Segundo Karasek e Theorell (1990, citado por Jaffe, 1995), quando o trabalho
passa a criar maiores oportunidades aos trabalhadores e quando os mesmos também
experimentam que são capazes de ter controle sobre a tarefa, além de ter suporte social na
empresa onde trabalham, então mais saúde terá a organização.
Karasek e Theorell (1990, citado por Jaffe, 1995) destacam que as organizações
rígidas, muito verticalizadas e que seguem um regime de trabalho baseado em pressões e
ameaças geram um clima organizacional prejudicial à saúde dos trabalhadores, tornando-os