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Saadeh e o PNSS aos olhos da mandatária e da sociedade local

Quanto à representação do PNSS pela mandatária e pela sociedade em geral, Nordbruch sublinha que a descoberta do Partido, em 1935, marcou uma considerável mudança na percepção pública do nazismo e de seus postulados. Saadeh e os membros do Partido - este descrito como ecoando a ideologia e o estilo fascista - foram acusados de conspirar contra o Estado e a ordem existente e manter relações

próximas com as missões alemãs e italianas em Beirute. Citando o autor, “pela primeira vez, tais acusações não ficaram limitadas a uma agência do fascismo europeu, ao invés focaram sobre um eixo supostamente autêntico de uma organização local”380.

No âmbito dessas acusações, alguns fatos pareciam confirmar as suspeitas de que o PNSS havia, de fato, estado em contato com os regimes fascistas europeus. O Partido apresentava um arcabouço antidemocrático e autoritário, submetia o individual ao interesse absoluto da nação e, organizacionalmente, sublinhava a centralidade do líder e o estilo paramilitar

Mas, segundo Nordbruch, um ano depois, em 1936, tais acusações se mostraram infundadas, entre outras coisas, quando a embaixada da Alemanha no Líbano oficialmente negou ter qualquer relação com o Partido381. Por esse e outros

fatos, tais associações não estiveram presentes no veredicto final da primeira sentença contra Saadeh, condenado por formar um partido clandestino. Entretanto, com a circulação de ainda mais informações sobre o Partido, rumores sobre tais relações persistiram. Nesse sentido, denúncias de inclinações fascistas não mais ficavam restritas às margens do espectro político local, mas eram direcionadas contra alguns dos grandes atores nacionalistas382.

Segundo Yamak, acusações de que o PNSS era um Partido nazista foram comuns ao longo de todo o mandato. Com a aproximação e deflagração da Segunda Guerra Mundial, o cerco se estreitou, recrudescendo ainda mais a perseguição aos seus membros. Os críticos, buscando desacreditar o Partido aos olhos do povo, asseveravam ser ele contrário à independência do Líbano e ao movimento pan-árabe, uma espécie de mercenário a serviço de potências estrangeiras. Também era definido pelas autoridades francesas e pelos comunistas como uma organização fascista fundada e subsidiada pelo governo italiano383.

380 NORDBRUCH, op. cit., p. 42. Tradução livre do autor.

381 Mesmo que tais relações tenham existido, é improvável que a embaixada as assumisse, afinal tratar-

se-ia de uma ingerência em assuntos internos libaneses.

382 NORDBRUCH, op. cit., p. 43-46. Tradução livre do autor.

383 Tais acusações de quinta-colunismo não ficaram restritas aos anos 1930. Findada a Segunda Guerra,

no contexto das perseguições oficiais ao Partido, em 1949, o Tribunal Militar libanês procurou mostrar que o PNSS era um agente dos inimigos da independência do país, particularmente do governo israelense. O governo sírio, em 1955, o iraquiano, entre 1958 e 1959, e o libanês novamente (1961) se valeram dessa mesma acusação em suas perseguições ao Partido (YAMAK, op. cit., p. 3).

Concomitantemente ao posicionamento da mandatária, cabe considerar a oposição ao fascismo no seio da sociedade local e a associação deste com o PNSS. Destaca-se a atuação dos comunistas para alertar a população contra os perigos do “nazi-fascismo”, desde o início da década de 1930, e a consolidação paulatina, a partir do final de 1935, da Liga contra o Nazismo e o Fascismo na Síria e no Líbano (que congregou intelectuais e ativistas de um amplo espectro político)384.

Paralelamente às ações da Liga, os populistas islâmicos também se colocaram contra o fascismo, envolvendo-se em confrontos de rua com aqueles que julgavam ser a quinta coluna local, dentre os quais estava o PNSS385. De forma geral, tanto devido à

influência da mandatária quanto dos comunistas e “islamistas”, o Partido era crescentemente associado, em vários estratos da população, com o “nazi-fascismo”.

Adel Beshara, o maior estudioso de Saadeh, destaca a grande oposição gerada pelas obras e ação política do za’im, devido sobretudo ao que define como “interpretações parciais politicamente motivadas”. A partir do momento em que sua obra e partido foram descobertos, ele encontrou um grande número de críticos: as autoridades se opuseram, banindo o PNSS e o satanizando na mídia oficial; os nacionalistas árabes o acusaram de agente do imperialismo britânico; os comunistas o representaram como um vestígio do fascismo europeu e os particularistas libaneses sucumbiram ao “semelhante erro” de imaginá-lo como um traidor.

Conforme Beshara, “essa campanha virulenta contra Saadeh deixou pouco espaço para um diálogo racional e criou um circulo vicioso de incompreensão e distorção”386. Nesse sentido, em 1936, após os processos protagonizados pelo Estado

contra o za’im, uma campanha empreendida pelo jornal jesuíta al-Bashir, em coordenação com setores nacionais cristãos libaneses, representou-o como um traidor, incapaz de compreender a natureza e a realidade do Líbano.

Nesse contexto, segundo Beshara, o aparato estatal fora mobilizado contra Saadeh, buscando neutralizar suas demandas nacionalistas pela unidade da Grande Síria. Citando-o, “Saadeh se tornou alvo de um ‘assassinato de caráter’ e foi pintado como um traidor, uma ferramenta do fascismo europeu”387. Se em 1937 as relações

384 NORDBRUCH, op. cit., p. 68-69. 385 THOMPSON, op. cit., p. 192-195.

386 BESHARA (2007), op. cit., p. 7. Tradução livre do autor.

entre o za’im e as autoridades libanesas melhoraram, com a proximidade da guerra as suspeitas generalizadas de seu envolvimento com o nazismo contribuíram para deflagrar uma nova perseguição, que inclusive culminou em seu prolongado exílio388.

Mesmo sob o governo colaboracionista de Vichy, de meados de 1940 até meados de 1941, a repressão ao PNSS não diminuiu. A liberdade só foi assegurada aos presos políticos nacionalistas sociais um mês antes da invasão e ocupação da Síria e do Líbano pelas forças britânicas e da França Livre.

Após a morte de Saadeh, em 1949, houve um período de relativo esquecimento no qual seu trabalho geralmente foi ignorado ou evocado para demonizá-lo ou diminuir sua influência. Contudo, a partir dos anos 1970, ocorreu uma maior difusão de suas ideias e uma mudança na representação de sua pessoa e ideologia. “O Saadeh ditatorial foi sucedido pelo Saadeh igualitário e o Saadeh fascista e irracional - nunca mais que um fantasma - substituído por sua aceitação como o filósofo pivô da transição para o Estado moderno”389.