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OPERACIONAIS DA PESQUISA MEDIAÇÕES NO RECONHECIMENTO E ANÁLISE DO OBJETO

3. APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS

4.2 DAS PALAVRAS AOS ATOS TÉCNICOS – AS RACIONALIDADE OPERANTES Para a constituição de um objeto de trabalho é preciso sua construção abstrata na

4.2.1 Os Saberes e as Condições de Trabalho

Foucault (2002) e Pitta (2003) afirmam que o saber sobre as doenças constitui um dos principais meios de trabalho nas organizações hospitalares. Assim, o saber clínico direciona os novos procedimentos, instrumentos e a prática médica em torno da qual os processos de trabalho em saúde têm sido organizados.

No contexto de trabalho investigado os meios de trabalho de uso rotineiro e básico são insuficientes e precários. Existe apenas uma cadeira de banho que também é requisitada por outros setores, não existe cadeira de rodas, a maioria das macas não possuem grades de proteção, rodilhas e colchonetes, e muitas estão com pontos de superfície descascados. A quantidade insuficiente e a precariedade dos meios de trabalho rotineiros fazem com que formas de improvisação se manifestem a todo instante. Pela observação foi possível visualizar alguns aspectos que atentam contra a dignidade das pessoas que são obrigados a permanecer nesse contexto, constituindo situações conflitantes.

0840 hs Um senhor com problema de flexão da perna precisa ir do box um até o consultório médico, tendo para isto que atravessar o corredor em diagonal. O recurso nesta situação é usar uma cadeira de rodas, mas a unidade não dispõe deste recurso. Ao se empenhar para andar sozinho este senhor se esforça para manter sua dignidade, e ao mesmo tempo, participar de seu tratamento. Este senhor está com diarréia e exala o odor característico. Sua esposa parece constrangida pelo odor. [Notas de campo – Março/2003].

A descrição apresentada mostra aspectos da violência estrutural refletidos nas condições de trabalho. Uma cadeira de rodas é equipamento básico para transporte de pessoas com mobilidade física comprometida. E embora muitos usuários que procuram por esta unidade tenham algum tipo de comprometimento da mobilidade física, o setor não dispõe deste recurso em quantidade e condições de uso.

Ao não disponibilizar este equipamento, a instituição expõe o doente aos riscos físicos, sociais e psicológicos como, por exemplo, o risco de defecar no local onde se encontra por não conseguir locomover até o vaso sanitário, devido a falta do equipamento básico. Expõe, igualmente, a(o) trabalhadora(or) a riscos ergonômicos e biológicos, pois a(o) obriga a extrapolar sua capacidade física e a manter contato muito próximo com corpos dos doentes. Essa forma de exercer as atividades pode comprometer a integridade física e mental das(os) trabalhadoras(es) pelo esforço físico exagerado e pela impossibilidade de prestar assistência de qualidade ao usuário e que, certamente, poderão se refletir em sentimentos de incapacidade, depressão e de culpa.

[...] Cadeira de rodas, você vê que chegou destes tempinhos pra cá... a gente carregava na onde? Punha paciente na cadeira de fio e saía arrastando. Ah... Sossega! Para! [...] Com as macas, não tem rodas. Você vê que estas macas teriam que ter rodas! No caso de uma emergência, você tem que pegar um paciente de lá pra correr... Pra levar pra reanimação... Na hora você não acha maqueiro... O médico não põe a mão... Somos nós mesmos! Você vê que lá só um colega nosso que é homem. O resto é tudo mulherada, a coluna fica toda arrebentada![...] (Aracy).

O usuário é o mais violentado, pois além do sofrimento físico e emocional gerado pela doença, há também, o sofrimento da dependência e da impossibilidade de acesso e escolha a outro tipo de atendimento de saúde por sua condição econômica e social. Fica assim, apenas a angustiante sensação de impotência de lutar contra algo que nem ao menos conhece a sua face e os mecanismos que poderiam ser usados para vencer a doença.

Após muito tempo em um banco, um senhor idoso foi instalado em uma maca sem colchonete para ser examinado pelo médico. Ele está emagrecido e parece meio confuso. As macas são em quantidade insuficiente e muitas estão em péssimo estado de conservação, algumas até enferrujadas. Mas as pessoas não reclamam, pois após ficarem sentadas nas cadeiras, banco de madeira ou em pé, por um longo tempo, apresentam um cansaço maior do

que sua capacidade de indignação. Mesmo não apresentando as condições de conforto ideais, a maca representa a possibilidade de descanso, ainda que seja até o corpo se sentir injuriado na nova posição e no novo desconforto imposto [Notas de campo – Março/2003].

A(o) trabalhadora(or) é violentada(o) quando não lhe são garantidas as condições de trabalho necessárias ao desempenho de suas funções. O doente é violentado quando não recebe com qualidade o atendimento de saúde ao qual tem direito. Aqui se forma uma rede de violência indireta e direta: com o trabalhador sendo violentado pelas condições precárias de trabalho, gerando nele o sofrimento de não conseguir desempenhar satisfatoriamente as suas funções. Mesmo assim ele faz aquilo que é possível dentro das condições que lhe são oferecidas, mas ao atuar o faz deficientemente e com isto violenta, indiretamente, o doente. O doente reage, agredindo o trabalhador – física ou moralmente, direta ou indiretamente, a depender da situação e da personalidade das pessoas envolvidas. O trabalhador, dependendo de muitos fatores e do momento, reage de alguma forma a esta violência visível manifestada pelo doente ou pelo seu familiar.

Alguém grita no corredor que uma paciente caiu na sala de medicação. Os acompanhantes chegam primeiro e a protegem para não bater a cabeça no chão. A auxiliar vai preparar a medicação que um médico mandara fazer, pois olhando do corredor identificou se tratar de uma convulsão epiléptica. Não existe uma maca disponível e a moça fica estendida no chão, por ser mais seguro no caso de uma nova convulsão. A sala de medicação não oferece condições para deita-la, pois só dispõe de um banco de madeira onde as pessoas se comprimem lado a lado [Notas de campo – Março/2003].

Lunardi-Filho (2004), também destaca a pouca consideração e até o descaso conferido pelas instituições de saúde aos aspectos relacionados às mínimas condições de trabalho necessárias às práticas assistenciais para que possa ser desenvolvida uma assistência à saúde de forma segura para os usuários e para os trabalhadores. Ressalta ainda, que o estabelecimento de priorização dos meios de trabalho assistencial se destina, em geral, à aquisição de equipamentos e instrumentos atualizados e mais sofisticados favorecendo a precisão diagnóstica e deixando em segundo plano os meios de trabalho que se destinam à realização de procedimentos de tratamento e do cuidado.

Nos relatos das(os) trabalhadoras(es) de enfermagem é possível identificar a importância de ter os meios de trabalho de uso rotineiro na prática diária. Sem esses recursos de base os mais requintados recursos tecnológicos podem não atingir a sua finalidade. Diferentemente de outras organizações, onde as mais recentes aparelhagens tecnológicas substituem as antigas, no âmbito das instituições hospitalares os meios de trabalho mais

recentes complementam aqueles até então existentes. Deste modo, mesmo sendo louvável o empenho da instituição na aquisição de aparelhagens tecnológicas de ponta, não poderá prescindir-se dos recursos de base.

[...] Ali... Ultimamente a gente está sem aparelho de pressão. Mas, assim: como rotina a gente tinha de estar olhando a pressão de todos os pacientes. [...] Olha... Você não tem um local pra você passar sonda vesical às vezes você tem um biombo lá, mas tá ruim, toda hora faltando um pedaço.. . Então, o paciente não tem privacidade. [...] Aquelas macas que tem lá que são estreitas, né? Não cabe a pessoa, às vezes você não tem nem os colchõezinhos, ali pra colocar. É maca dura, né? É maca dura. [...] A maior parte dos pacientes que chegam ali... Está com dispnéia... E só tem canalização de oxigênio de um lado [...] (Iaé).

Os dados colhidos evidenciaram que os meios de trabalho básicos, equipamentos e instrumentos de uso rotineiro, não estão disponíveis em quantidade e condições adequadas ao desenvolvimento de uma assistência de qualidade ao doente. As condições do contexto estudado refletem a escassez de meios adequados para as condições objetivas de trabalho e o exercício das(os) trabalhadoras(es) de enfermagem. A falta desses meios de trabalho básicos é uma das causas de sofrimento e estresse dos trabalhadores, como pode ser evidenciado na informação a seguir:

[...] Ali não tem como você fazer... Dar banho em um paciente ali... Dar uma limpeza... Aí você leva lá no banheiro... Aquele banheiro é um horror ali, pra você entrar com o paciente. Já pensou você entrando naquele banheiro ali junto com um paciente para fazer um procedimento? [...] (Iaé). As condições de trabalho e a sobrecarga de trabalho são fatores que limitam a competência profissional técnica e eticamente, e o enfoque recai sobre as condições da assistência afetando moralmente as(os) usuárias(os) e trabalhadoras(es). Quando a condição é normal, tudo é transparente, porém quando esta normalidade é afetada, por exemplo, a falta de leito, o foco recai exatamente sobre as(os) trabalhadoras(es) de enfermagem.

Lunardi-Filho (2004), afirma que as limitações dos meios de trabalho, assim como do dimensionamento humano, parece ser uma constante no trabalho de enfermagem. Estas limitações contribuem para assoberbar ainda mais os trabalhadores de enfermagem que lançam mão de formas alternativas de realização das atividades do cuidado, ou assumem as deficiências de infra-estrutura como uma questão própria. Assim, seu tempo é consumido nas tentativas de resoluções destas carências e pouco ou nenhum tempo lhe resta para opor resistência às relações de dominação estabelecida nas equipes de saúde. Para tal há necessidade de tempo disponível para capacitação e articulações políticas.

público de saúde, afirma a existência de um processo simultâneo nas relações antagônicas que ocorrem no campo simbólico da saúde. Neste campo, “[...] quem manda e quem sabe está identificado a quem produz o sentido, a quem o arbitra, e define o que vai circular, pois ele é o produtor, e quem se submete e reproduz esses conteúdos é identificado ao dominado”. Esta produção de sentido é vivenciada pelos usuários e também pelos trabalhadores de enfermagem, desta forma, o sentido produzido sobre as tecnologias, os equipamentos e os instrumentos relacionados aos diagnósticos médico e à cura das doenças começam a ser mais valorizadas do que seus próprios equipamentos e instrumentos de trabalho.