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Salmo 110 no Antigo Testamento

No documento Paulo Freitas Barros.pdf (páginas 69-85)

Capítulo 3 Considerações finais

3.1 Salmo 110 no Antigo Testamento

Com os textos dos Salmos, Israel formulava sua resposta à proposta que Deus lhe tinha feito no decorrer da história. Na sua grande maioria, o que está no centro de cada Salmo é a presença do SENHOR, Deus de Israel.1 Percebemos, ao ler os Salmos, que o orante possui uma

profunda relação de amizade com o SENHOR. Partindo desta constatação, podemos vislumbrar a

importância deles para o AT.

O termo salmo (

rwOmz>mi

) é compreendido como canto musicado, pois a raiz verbal deste substantivo (

rmz

) traz a ideia de tocar um instrumento musical, cantar ou, respectivamente, musicar.

Assim podemos recordar um paralelismo da Torá onde o povo de Deus canta pela primeira vez, exatamente no momento em que Deus exerceu seu poder e venceu o faraó dando

ao seu povo a libertação e a alegria da liberdade. Por isso o hagiógrafo da Torá nos diz que Moisés e o povo entoaram um cântico: Então, Moisés e os israelitas entoaram este canto ao Senhor: “Cantarei ao Senhor, porque se vestiu de glória; ele lançou ao mar o cavalo e o cavaleiro” (Ex 15,1).

Muitos Salmos recordam este acontecimento crucial para todo AT: A libertação do povo da escravidão do Egito. Mas de maneira especial podemos destacar este longo relato do orante dos Salmos:

Quem feriu os egípcios em seus primogênitos, porque sua lealdade é para sempre! Mas fez sair Israel do meio deles, porque sua lealdade é para sempre!

Com mão forte e braço estendido, porque sua lealdade é para sempre! Quem partiu o Mar dos Juncos em partes, porque sua lealdade é para sempre! Fez passar Israel por meio dele, porque sua lealdade é para sempre!

Mas o faraó e seu exército sacudiu contra o Mar dos Juncos, porque sua lealdade é para sempre! Quem faz andar seu povo no deserto, porque sua lealdade é para sempre!

Quem feriu grandes reis, porque sua lealdade é para sempre! Matou reis magníficos, porque sua lealdade é para sempre! Seon, rei dos amorreus, porque sua lealdade é para sempre! E Og, rei de Basã, porque sua lealdade é para sempre!

Deu a terra deles por herança, porque sua lealdade é para sempre! Uma herança para Israel, seu servo, porque sua lealdade é para sempre! Lembrou-se de nós em nossa humilhação, porque sua lealdade é para sempre! E nos livrou de nossos adversários, porque sua lealdade é para sempre! É quem oferece pão para toda a carne, porque sua lealdade é para sempre! Agradecei ao Deus dos céus, porque sua lealdade é para sempre! (Sl 136,10-26).

Além de expressar, a história do povo de Deus nos transmite de maneira muito profunda os sentimentos humanos, os quais são apresentados a Deus como oração.

Dessa maneira, podemos perceber a grande importância dos Salmos para o AT, onde o orante reza a história, a lei e os feitos do Deus de Israel, e não somente isto, mas inicia um diálogo com Deus. Existe uma forte relação dos Salmos com todos os livros do AT. Para compreendê-los, é necessário ler os demais livros, pois quem aqui reza está embebido de toda a sabedoria do AT.

A partir desta breve reflexão, podemos verificar muitos paralelismos que ocorrem entre o Salmo 110 e os demais textos do AT.

Verificando o v. 1a-e, percebemos sua riqueza literária e teológica e sua imensa contribuição para todo o AT. Nele notamos que os termos aparecem centenas de vezes no AT: Sobre Davi. Um Salmo. Oráculo do Senhor para meu senhor: “Senta-te à minha direita, enquanto ponho teus inimigos como escabelo para teus pés!” (Sl 110,1). Podemos verificar sua impressionante arte literária ao trazer a memória do ouvinte leitor, a figura de um homem que foi ungido pelo SENHOR para governar o seu povo.

O Salmo 110, ao recordar do rei Davi

(

dwId"l.

)

, como já foi dito anteriormente nesta pesquisa, parece querer mostrar um novo Davi, sucessor, herdeiro ou alguém que continua a história da realeza deste rei, e na volta de um reinado renovado, pois o rei Davi representa a realeza na cultura de Israel.

No v. 1a, vemos um oráculo (

~aun>

), mostrando que o SENHOR constituirá um reinado e

compartilhará o seu poder e seu domínio com este rei, que estará sentado em lugar de honra à direita do SENHOR, talvez porque ele seja amigo de Deus. Sendo assim, é uma realeza diferente

de todas as outras, e esta terá o seus inimigos como objeto para descanso de seus pés.

O orante mostra ainda uma característica sobre Deus: aquele que sabe o futuro nunca perderá uma guerra. Quem reza aqui parece ter a certeza de sua vitória sobre os seus inimigos tanto na primeira estrofe quanto na segunda.

Esses inimigos serão revelados no v. 5b, onde o orante mostra que os inimigos do povo se tornaram os inimigos do SENHOR e que eles serão destroçados. Então vemos que na verdade são

os reis que tiranizaram e oprimiram o povo de Deus. O Salmo 110 parece acontecer em meio a uma guerra. Quantas vezes o povo de Deus esteve em guerras contra seus inimigos! Parece que o orante deste Salmo viveu muitas guerras e viu muitos inocentes caírem no campo de batalha.

O orante do Salmo 110, além de proclamar um oráculo do SENHOR no v. 1a-e, anunciará

também um juramento do SENHOR: O Senhor jurou e não se arrepende: “Tu és sacerdote para

sempre, do modo de Melquisedec” (v. 4). Ao recordar a figura de Melquisedec, jura um sacerdócio eterno, recorda o patriarca Abraão: Melquisedec, rei de Salém, trouxe pão e vinho; ele era sacerdote do Deus Altíssimo. Ele pronunciou esta bênção: “Bendito seja Abrão pelo Deus Altíssimo que criou o céu e a terra, e bendito seja o Deus Altíssimo, que entregou teus inimigos entre tuas mãos”. E Abrão lhe deu o dízimo de tudo (Gn 14,19-20).

Esse talvez seja o ponto mais significativo dos paralelismos entre o Salmo 110 e os demais textos do AT. Nesse encontro, que acontece após uma guerra, mostra-se o porquê da guerra (Gn 14,1-16): não para tiranizar, oprimir, mas somente para salvar seu parente, pois este havia sido sequestrado como prisioneiro. Há então uma possibilidade, talvez usada no Salmo 110, de ser uma guerra para salvar os inocentes e os oprimidos. Esse aspecto irá perpassar todo o AT.

3.2 Salmo 110 no Saltério

O Salmo 110, dentro do Saltério, parece fazer parte de um conjunto intitulado de “Salmos Reais”. O termo rei

(

$l,m,

)

ocorre sessenta e seis vezes nos Salmos. Os Salmos Reais se unem pela figura de um rei messias e libertador que, às vezes, é o porta-voz ou se torna centro das atenções. Talvez tenham sido usados nas entronizações dos reis de Israel (Sl 2; 18; 20; 21; 45; 72; 101; 110; 132; 144,1-11).

A figura do rei que aparece nestes Salmos muitas vezes é chamada de “filho adotivo de Deus”. Seu reinado não terá fim, e seu poder será estendido até os confins da terra, onde fará triunfar a paz e a justiça, sendo assim um o salvador do povo. Isso mostra também o que esperava Israel do seu rei.

Ao ser ungido por Deus, o rei se torna um Messias do SENHOR. O primeiro foi Davi: E,

quando teus dias estiverem completos e vieres a dormir com teus pais, farei permanecer a tua linhagem após ti, aquele que terá saído das tuas entranhas e firmarei sua realeza. Será ele quem construirá uma casa para meu Nome, e estabelecerei para sempre o seu trono. Eu serei para ele pai e ele será para mim filho (2Sm 7,12-14).

O segundo Salmo do Saltério absorve as tradições da dinastia de Davi: Eu mesmo consagrei meu rei sobre Sião, o monte de minha santidade! Vou proclamar a prescrição do Senhor! Disse a mim: “Tu és meu filho, hoje eu te gerei! Pede a mim e te darei as nações como herança, os confins da terra como tua propriedade! Com um cetro de ferro, as despedaçarás; como o vaso de um oleiro, as quebrarás” (Sl 2,7-9). O orante quer deixar claro que o rei vence porque o SENHOR lhe dá a vitória: É quem engrandece as vitórias de seu rei e quem pratica, para

sempre, a lealdade com seu ungido, com Davi e sua descendência (Sl 18,51). O orante também reza pelo rei: Senhor, salva o rei! Que nos responda no dia em que clamarmos! (Sl 20,21). Este

rei coloca sua confiança no seu SENHOR e por isso vencerá: Porque o rei está confiante no

Senhor; com a lealdade do Altíssimo, não vacila (Sl 21,8).

O orante agora parece dedicar um Salmo para apoiar o rei: Meu coração eclodiu uma palavra boa; eu estou declarando meus feitos para o rei! Minha língua é como a pena de um escriba hábil (Sl 45,2). Agora o orante mostra a figura de um rei prometido, onde não é o rei que decide o que é justo, mas deve governar com justiça, ou seja, segundo os mandamentos do SENHOR: Ó Deus, dá ao rei teus julgamentos e, ao filho do rei, tua justiça (Sl 72,1). O orante

pede mais uma vez pelo rei e desta vez por Davi: O Senhor jurou uma verdade para Davi, dela não desistirá: “Alguém do fruto de teu ventre porei sobre teu trono” (Sl 132,11).

Agora quem reza quer deixar claro que aquele que dá a vitória a Davi e sua dinastia é sempre o SENHOR, e não sua inteligência, ou poder bélico: Aquele que dá a salvação aos reis é

quem livra Davi, seu servo, da espada maligna (Sl 144,10).

Estes Salmos parecem manter viva a esperança do povo nas promessas feitas à dinastia do rei Davi, parece que este messianismo se define como a espera de um rei futuro, de um último rei que haveria de trazer a salvação definitiva e instauraria o reino de Deus sobre a terra. E este é um dos pontos onde podemos dizer que o Salmo 110 contribui para o Saltério ao manter viva a esperança de um reino que virá da vontade do Senhor como demonstrado no Salmo 110, onde o homem poderá caminhar de cabeça erguida em sua plena dignidade: No caminho, bebe da torrente; por isso, eleva a cabeça (Sl 110,7).

3.3 Salmo 110 no Novo Testamento

O Salmo 110 é o texto do Saltério que mais aparece no NT. Para ter uma maior compreensão destas ocorrências onde o hagiógrafo absorve a ideia do Salmo 110, podemos agora brevemente verificar todas as trinta e três vezes que a mesma ocorre.

O Evangelho segundo Mateus coloca o Salmo 110 por duas vezes nos ditos de Jesus. O hagiógrafo do Evangelho segundo Mateus parece deixar muito claro ao citar Sl 110,1b-1e, que este personagem é Jesus, que interroga os fariseus, e que, embora seja descendente de Davi pela sua origem humana, possui também um caráter divino, que o tornava superior a Davi, pois este

profetizava a seu respeito. Assim, percebemos uma falência doutrinal dos líderes religiosos de sua época2 sobre a figura do Cristo e de seu reinado:

Estando os fariseus reunidos, Jesus interrogou-os: “Que pensais a respeito do Cristo? Ele é filho de quem?” responderam-lhe: “De Davi”. Ao que Jesus lhes disse: “Como então Davi, falando sob inspiração, lhe chama Senhor, ao dizer: O Senhor disse ao meu Senhor: senta-te à minha direita, até que eu ponha os teus inimigos debaixo dos teus pés? Ora, se Davi o chama Senhor, como pode ser filho?” E ninguém podia responder-lhe nada. E a partir daquele dia, ninguém se atreveu a interrogá-lo (Mt 22,41- 46).

Na segunda citação do Salmo 110, Jesus está sendo acusado pelo Sinédrio: Ora, os chefes dos sacerdotes e todo o Sinédrio procuravam um falso testemunho contra Jesus, a fim de matá- lo, mas nada encontraram, embora se apresentassem muitas falsas testemunhas (Mt 26,59-60). Então o sumo sacerdote, procurando uma forma de condenar Jesus, diz: Eu te conjuro pelo Deus Vivo que nos declares se tu és o Cristo, o Filho de Deus (Mt 26,63). Em sua resposta Jesus afirma que ele é o SENHOR que se senta à direita do SENHOR em Sl 110,1c, reivindicando diante

do Sinédrio sua dignidade divina: Jesus respondeu: “Tu o disseste. Aliás, eu vos digo que, de ora em diante, vereis o Filho do Homem sentado à direita do Poder e vindo sobre as nuvens do céu” (Mt 26,64). A parte final da resposta de Jesus parece usar um paralelismo profético: Eu continuava contemplando, nas minhas visões noturnas, quando notei, vindo sobre as nuvens do céu, um como Filho de Homem. E ele adiantou-se até o Ancião e foi introduzido à sua presença (Dn 7,13). E, a partir deste momento, Jesus é visto como um blasfemo, e a punição para este delito na Torá era a pena de morte: Aquele que blasfemar o nome do SENHOR deverá morrer, e toda a comunidade o apedrejará. Quer seja estrangeiro ou natural, morrerá, caso blasfeme o Nome (Lv 24,16; Mt 26,66).

No Evangelho segundo Marcos, ocorre o uso da ideia de Sl 110,1, por três vezes, sendo que duas estarão nos ditos de Jesus e uma será uma narrativa.

Na primeira citação do Salmo 110, o hagiógrafo parece também querer mais uma vez demonstrar que Jesus é o Cristo, o Messias, afirmando que Jesus é o SENHOR ao usar o termo

grego

(ku,rioj). A

ssim, Jesus toma uma posição acima de Davi. É interessante perceber ainda

2 BROWN et alii, Novo Comentário Bíblico de São Jerônimo; Novo Testamento e artigos sistemáticos, p. 201.

que o hagiógrafo do Evangelho segundo Marcos, ao colocar este discurso de Jesus no Templo, parece querer afirmar que o autor do Salmo 110 foi o rei Davi:3

E prosseguiu Jesus ensinando no Templo, dizendo: “Como podem os escribas dizer que o Messias é filho de Davi? O próprio Davi disse, pelo Espírito Santo: O Senhor disse ao meu Senhor: Senta-te à minha direita até que eu ponha teus inimigos debaixo dos teus pés. O próprio Davi o chama Senhor; como pode, então, ser seu filho?” E a numerosa multidão o escutava com prazer! (Mc 12,35-37).

Na segunda citação do Salmo 110 no Evangelho segundo Marcos, Jesus está sendo condenado pelo Sinédrio como ocorre em Mt 26,64. Ele é questionado pelo sumo sacerdote: És tu o Messias, o Filho do Deus Bendito? (Mc 14,61). E Jesus usa agora uma nova terminologia quando diz: Eu sou, onde parece desvendar radicalmente o mistério deste personagem de Sl 110,1, ao fazer talvez aqui um paralelismo com o livro da Torá no momento em que o Senhor revela-se a Moisés: Disse Deus a Moisés: “Eu sou aquele que é”. Disse mais: “Assim dirás aos israelitas: Eu sou me enviou até vós” (Ex 3,14). E, no momento em que Jesus se autointitula SENHOR, é condenado à morte por blasfêmia como em Mt 26,61.

Na terceira citação do Salmo 110 no Evangelho segundo Marcos, acontece a narrativa da ascensão de Jesus após sua ressurreição, onde será acolhido em um lugar de glória e de honra à direita de Deus no céu. Mais uma vez o hagiógrafo usa o Sl 110,1c: Ora, o Senhor Jesus, depois de lhe ter falado, foi arrebatado ao céu e sentou-se à direita de Deus (Mc 16,19).

O Evangelho segundo Lucas por duas vezes também acolherá Sl 110,1 em seus escritos. Na primeira citação do Salmo 110, Jesus afirma mais uma vez como nos Evangelhos segundo Mateus e Marcos que este descendente não é somente filho, mas é o SENHOR de Davi:4 Disse-

lhes então: “Como pode dizer que o Cristo é filho de Davi? Se o próprio Davi diz no Livro dos Salmos: O Senhor disse ao meu Senhor: Senta-te à minha direita, até que eu ponha teus inimigos como escabelo para teus pés. Davi, portanto, o chama Senhor; então, como pode ser seu filho?” (Lc 20,41-44).

A segunda citação do Salmo 110 no Evangelho segundo Lucas, mais uma vez como em Mt 26,64 e Mc 14,62, mostra Jesus diante de todos os membros do Sinédrio diferente dos demais

3 BROWN et alii, Novo Comentário Bíblico de São Jerônimo; Novo Testamento e artigos sistemáticos, p. 117.

4 BROWN et alii, Novo Comentário Bíblico de São Jerônimo; Novo Testamento e artigos sistemáticos, p. 293.

relatos dos sinóticos. É que este relato acontece pela manhã, não há falsas testemunhas e nem acusação de que Jesus disse que destruiria o Templo. Desta vez não é ressaltada somente a figura do sumo sacerdote, mas também o conselho dos anciãos do povo e dos escribas. Parece que Lucas quer mostrar que Jesus foi julgado por Israel:5 “Se tu és o Cristo, dize-nos!” Ele respondeu: “Se eu vos disser, não acreditareis, e, se eu vos interrogar, não respondereis. Mas, doravante, o Filho do Homem estará sentado à direita do poder de Deus!” (Lc 22,67-69).

Com a verificação das ocorrências de Sl 110,1 nos Evangelhos Sinóticos, podemos perceber sua grande importância pelo fato de aparecerem nos momentos mais importantes da vida de Jesus, sua Paixão e Ressurreição, dando a este Salmo um lugar de destaque. Nos Evangelhos Sinóticos, ele parece ter sua finalidade única e a sua plena compreensão na pessoa de Jesus. Sl 110,1 usado nos Evangelhos Sinóticos talvez queira demonstrar ao ouvinte leitor o que o SENHOR fará com aqueles que possuem o poder de governar, e dar a pena de morte aos

inocentes: O Senhor está à tua direita; destroçou reis no dia de sua ira (Sl 110,5). É interessante perceber que o Salmo 110 não ocorre no Evangelho segundo João.

O livro dos Atos dos Apóstolos por cinco vezes também fará uso de Sl 110,1. Parece que o hagiógrafo quer demonstrar a realeza de Jesus. A primeira e a segunda citação do Salmo 110 se encontram dentro de um discurso feito por Pedro à multidão, afirmando que Jesus foi exaltado à direita de Deus. Talvez isto possa indicar a ideia usada pelo orante de Sl 110,1c. A segunda citação do Salmo 110 afirma que este Jesus não é somente o Cristo

(cristo,j)

, mas é o Senhor

(ku,rioj)

:

Portanto, exaltado pela direita de Deus, ele recebeu do Pai o Espírito Santo prometido e o derramou, e é isto o que vedes e ouvis. Pois Davi, que não subiu aos céus, afirma: “Disse o Senhor ao meu Senhor: Senta-te à minha direita, até que eu faça de teus inimigos um estrado para teus pés”. Saiba toda a casa de Israel: Deus o constituiu Senhor e Cristo, este Jesus a quem vós crucificastes (At 2,33-36).

Na terceira citação do Salmo 110, parece voltar o cenário da condenação de Jesus apresentada pelos Evangelhos Sinóticos, pois o relato acontece novamente no Sinédrio, na presença do sumo sacerdote que prendeu Pedro e os apóstolos. Este afirma outros dois novos aspectos da pessoa de Jesus: ele é Salvador

(swth,r)

e pode remir

(a;fesij)

os pecados. Mas, ao

5 BROWN et alii, Novo Comentário Bíblico de São Jerônimo; Novo Testamento e artigos sistemáticos, p. 301.

escutarem este discurso, quiseram matá-los como fizeram com Jesus: “Deus, porém, o exaltou com a sua direita, fazendo-o chefe e salvador, a fim de conceder a Israel o arrependimento e a remissão dos pecados. Nós somos testemunhas destas coisas, nós e o Espírito Santo, que Deus concedeu aos que lhe obedecem”. Ouvindo isso, eles tremiam de raiva e pretendiam matá-los (At 5,31-33).

Na quarto e na quinta citação do Salmo 110, estamos no momento do martírio de Estêvão, que será apedrejado. O hagiógrafo identifica o lugar da glória

(do,xa)

de Deus nos céus com Jesus, e não no Templo feito por mãos humanas,6 usando Sl 110,1: Estevão, porém, cheio do Espírito Santo, fitou os olhos no céu e viu a glória de Deus, e Jesus, de pé, à direita de Deus. E disse: “Eu vejo os céus abertos, e o Filho do Homem, de pé, à direita de Deus” (At 7,55-56). O estar de pé pode aqui representar que ele recebe o seu mártir ou sua intercessão por seu confessor ou ainda o exercício do juízo sobre os judeus que o recusaram.7

O Apóstolo dos gentios, Paulo de Tarso também por seis vezes fará uso do texto do Salmo 110 em suas Cartas. Na primeira citação do Salmo 110, Paulo coloca o ouvinte-leitor diante do poder de Jesus que intercede junto a Deus pelo povo. Ao citar Sl 110,1c, mostra seu lugar de honra e glória junto de Deus, de onde pode interceder. Paulo talvez aqui faça alusão à ideia do sacerdócio de Jesus8 ao trazer o termo interceder

(evntugca,nw)

: Quem condenará? Cristo Jesus, aquele que morreu, ou melhor, que ressuscitou aquele que está à direita de Deus e que intercede por nós? (Rm 8,34).

A segunda e a terceira citação do Salmo 110 estão unidas. Paulo afirma quais serão os inimigos que estarão debaixo dos pés de Jesus, e agora dá um nome ao inimigo misterioso de Sl 110,1d-e, personificando9 assim a Morte

(qa,natoj)

, último inimigo a ser vencido por Jesus:

Pois é preciso que ele reine, até que tenha posto todos os seus inimigos debaixo dos seus pés. O último inimigo a ser destruído será a Morte, pois tudo pôs debaixo dos pés dele. Mas, quando ele disser: “Tudo está submetido”, evidentemente excluir-se-á aquele que tudo lhe submeteu. E, quando todas as coisas lhe

No documento Paulo Freitas Barros.pdf (páginas 69-85)

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