• Nenhum resultado encontrado

Paulo Freitas Barros.pdf

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2018

Share "Paulo Freitas Barros.pdf"

Copied!
85
0
0

Texto

(1)

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

PAULO FREITAS BARROS

UM SENHORIO ORIGINADO PELA PALAVRA DO SENHOR ESTUDO EXEGÉTICO DO SALMO 110

MESTRADO EM TEOLOGIA BÍBLICA

(2)

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

PAULO FREITAS BARROS

UM SENHORIO ORIGINADO PELA PALAVRA DO SENHOR ESTUDO EXEGÉTICO DO SALMO 110

MESTRADO EM TEOLOGIA BÍBLICA

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Teologia Bíblica sob a orientação do Prof. Dr. Matthias Grenzer.

(3)

Banca Examinadora

______________________________________

______________________________________

(4)

A

G R A D E C I M E NT O S

Agradeço a Deus,

à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP),

ao Prof. Dr. Matthias Grenzer, por me orientar com competência e paciência,

aos professores do Programa de Estudos Pós-Graduados Teologia da PUC-SP,

à ADVENIAT, pelo apoio financeiro aos meus estudos bíblicos,

à minha amiga e primeira incentivadora desta pesquisa Celina Daspett,

aos meus amigos sacerdotes e incentivadores desta Pesquisa Pe. Ademir José de Souza, Pe. Edilson de Souza Silva, Pe. Edvaldo Oliveira Silva, Pe. Márcio Santos Ramos, Pe. Roberto Vieira Silva,

a Anoar J. Provenzi e MariaGoreth Escorcio de Souza Zacarias, pela formatação e pela

revisão,

à minha amiga Thais Pires da Silva, pelas traduções da língua inglesa,

(5)

Resumo: O objetivo da presente dissertação de mestrado é analisar exegeticamente as dimensões teológicas do Salmo 110. A partir dos estudos filológicos do texto originalmente composto em hebraico, é apresentada uma nova tradução, a mais literal possível. No mais, o estudo abrange o contexto histórico-cultural do Salmo 110, bem como a sua reflexão teológica sobre o rei e o Senhor, Deus de Israel. Acolhendo o princípio da exegese canônica, o estudo aqui apresentado se baseia, sobretudo, na observância dos paralelismos na Bíblia Hebraica, imaginando-se que os textos bíblicos se expliquem de forma mútua. Finalmente, será pesquisado como os textos do Novo Testamento trabalham com a reflexão teológica presente no Salmo 110. Palavras-chave: Salmo 110; realeza; oráculo do Senhor

Abstract: The objective of this masters thesis is an exegetical analysis in which will be described the theological dimensions of Psalm 110. Based on philological studies of ancient Hebrew a new translation of this Psalm is presented, as literal as possible. The study covers the historical and cultural context of the Psalm 110 as well as the theological thoughts related to the king and the Lord, God of Israel. Through the principle of canonical exegesis, the study includes the observance of parallels between biblical texts, which explain each other. Psalm 110 will also be researched within the texts of the New Testament, thereby demonstrating its importance for the reflection about Jesus Christ.

(6)

S

U M Á R I O

Agradecimentos ... 4

Introdução ... 8

Capítulo 1 Um oráculo do Senhor convidando ao domínio (v. 1-3) ... 10

1.1 O texto hebraico ... 10

1.2 A tradução para o português ... 11

1.3 De, para ou sobre Davi ... 11

1.4 Oráculo do SENHOR ... 12

1.5 O destinatário do oráculo ... 15

1.6 Sentado à direita do SENHOR ... 18

1.7 Os inimigos como escabelo para os pés ... 22

1.8 O bordão forte ... 26

1.9 Comandar ou dominar? ... 28

1.10 O povo como uma oferenda voluntária ... 30

1.11 Ornatos de santidade ... 32

1.12 A força da juventude ... 35

Capítulo 2 Um juramento do Senhor (v. 4-7) ... 37

2.1 O texto hebraico ... 37

2.2 A tradução para o português ... 37

2.3 O juramento do SENHOR ... 38

2.4 A ausência de arrependimento no SENHOR... 39

2.5 Um sacerdócio eterno ... 40

2.6 Ao modo de Melquisedec ... 44

2.7 O SENHOR está à tua direita ... 47

2.8 Destroça reis no dia de sua ira ... 47

2.9 Sentencia nações ... 53

2.10 Encheu de cadáveres ... 56

2.11 Destroçou cabeças ... 58

2.12 Sobre a terra imensa ... 59

2.13 No caminho, bebe da torrente ... 63

2.14 Elevar a cabeça ... 66

Capítulo 3 Considerações finais ... 69

(7)

3.2 Salmo 110 no Saltério ... 72

3.3 Salmo 110 no Novo Testamento ... 73

(8)

I

N T R O D U Ç Ã O

“Curto pelo número de palavras, mas grande pelo peso das sentenças”.1 É dessa forma que Santo Agostinho comenta as palavras do Salmo 110. Trata-se do Salmo mais citado nas tradições do Novo Testamento. Percebe-se que o Salmo 110 chamou, repetidamente, o interesse de seus leitores, sejam estes os autores dos escritos neotestamentários ou os teólogos de grande expressão no decorrer da história do cristianismo.

A pesquisa apresentada aqui se dedica, em forma de Dissertação de Mestrado, a uma leitura pormenorizada do Salmo 110. Nesse sentido, são acolhidas as Ciências Bíblicas. No caso, parte-se da leitura do Salmo originalmente escrito em hebraico. Quer dizer, acolhendo os estudos filológicos do hebraico antigo, é apresentada uma tradução nova do Salmo 110, sendo que esta quer ser o mais literal possível.

Num segundo momento, parte-se para o estudo do contexto histórico-cultural do Salmo 110. Suas imagens, pois, e sua reflexão encontram interessantes paralelos nas culturas vizinhas do antigo Israel, especialmente no antigo Egito. Tentamos trazer algumas imagens, no sentido de valorizar o material iconográfico existente. Afinal, não são somente os textos antigos que nos falam daquele tempo, mas também as imagens e, em outros casos, a cultura material que sobreviveu os séculos.

Além disso, será pesquisado, sobretudo, o que está sendo pensado no Salmo 110, seja em relação ao rei seja em relação ao Senhor, Deus de Israel. Enfim, é o objetivo deste estudo descrever as dimensões teológicas do Salmo 110.

Para isso, segue-se o texto do Salmo 110, palavra por palavra, versículo por versículo e estrofe por estrofe. No primeiro capítulo, serão estudados o título (v. 1a) e a primeira estrofe (v. 1b-3c) do poema em questão. No segundo capítulo, a segunda estrofe do Salmo 110 (v. 4a-7b) é o alvo da atenção. Finalmente, o terceiro capítulo faz considerações finais mais amplas que fecharão o estudo, sendo que o Salmo 110 é revisitado dentro de seu contexto bíblico, seja em meio às tradições do Antigo Testamento, seja em vista de seu uso nas tradições do Novo Testamento.

(9)
(10)

C

APÍTULO

1

U

M O R Á C U L O DO

S

E N H O R CONVIDANDO AO DOMÍNI O

(

V

.

1-3)

1.1 O texto hebraico

Os Salmos, originalmente, foram compostos na língua hebraica. Portanto, são apresentados aqui o texto do hebraico dos primeiros três versículos do Salmo 110, os quais compõem a primeira parte ou estrofe da oração. No caso, o texto é organizado por meios versículos ou hemistíquios, os quais representam as pequenas unidades de sentido. Daqui para frente, o estudo acolherá a numeração aqui definida.

Esta apresentação do texto hebraico do Salmo 110 já inclui as decisões referentes às questões de crítica textual. Contudo, no decorrer do estudo, as escolhas serão justificadas. Quer dizer: onde existem variantes significativas nos manuscritos hebraicos ou nas antigas traduções, estas serão apresentadas e avaliadas.

v. 1a

rAmz>mi dwId"l.

v. 1b

ynIdoal; hw"hy> ~aun>

v. 1c

ynIymiylibve

v. 1d

^yb,y>aotyvia'-d[;

v. 1e

`^yl,g>r:l. ~doh]

v. 2a

^Z>[u-hJem;

v. 2b

!AYCimi hw"hy> xl;v.yI

v. 2c

`^yb,y>ao br<q,B. hdEr>

v. 3a

tbod"n> ^M.[;

(11)

1.2 A tradução para o português

Segue-se uma tradução o mais literal possível da primeira parte do Salmo 110. Nem sempre é possível manter a mesma sequência das palavras na frase, pois regras diferentes regem a língua hebraica e a língua portuguesa. Mesmo assim, é possível transpor a maioria das expressões e dos elementos estilísticos, ao traduzir o texto hebraico para o português. Em especial, pode-se dar maior atenção ao vocabulário. Em princípio, vale a pena traduzir um termo hebraico sempre com a mesma palavra em português, a fim de que os paralelismos possam ser observados quando o Salmo 110 for lido em português.

v. 1a Sobre Davi. Um Salmo.

v. 1b Oráculo do Senhor para meu senhor: v. 1c “Senta-te à minha direita,

v. 1d enquanto ponho teus inimigos v. 1e como escabelo para teus pés!” v. 2a Desde Sião,

v. 2b o Senhor estende o bordão de tua força. v. 2c Domina em meio a teus inimigos! v. 3a No dia de teu vigor,

v. 3b teu povo será como oferendas voluntárias, v. 3c com ornatos de santidade.

v. 3d Desde o ventre da aurora,

v. 3e há para ti o orvalho de tua infância.

1.3

De

,

para

ou

sobre Davi

O Salmo 110 apresenta, nas suas primeiras palavras, um título formado em hebraico por duas expressões:

dwId"l.

e

rwOmz>mi

(v. 1a). A segunda palavra não oferece maiores dificuldades. O termo (

rwOmz>mi

) pode ser traduzido como um Salmo, ou seja, um canto musicado, pois a raiz verbal deste substantivo (

rmz

) traz a ideia de tocar um instrumento musical, cantar ou, respectivamente, musicar.

(12)

pressupõe-se uma relação entre Davi e a oração poética que se segue em Salmo 110. Como, no entanto, entender, de forma pormenorizada, tal relação?

Existe a possibilidade de entender que o Salmo seja de Davi. O ouvinte-leitor receberia a impressão de que o rei Davi – como aquele que canta, de forma exemplar, os Salmos– seria o autor ou aquele que pronuncia as palavras presentes em Salmo 110.

Existe, por sua vez, uma segunda possibilidade de compreender a preposição

l

. Esta, pois, na língua hebraica, também pode assumir o significado de para1 ou sobre.2 Nesse sentido, a oração presente no Salmo 110 seria para Davi ou um discurso sobre Davi? É possível imaginar um rei que se tornou ou está se tornando o sucessor de Davi, continuando a história da dinastia davídica que teve as suas origens em Davi, sendo que este governou, durante quarenta anos, no final do século XI e nas primeiras décadas do século X a.C.

Acolhendo, neste estudo, a segunda compreensão da preposição

l

, imaginando um novo Davi, sucessor, herdeiro ou quem continua a história da realeza deste rei, o Salmo 110 se abre à ideia de querer insistir na “volta de um reinado renovado” daquele que representa, de forma paradigmática, a realeza na cultura israelita.3 Alguém como Davi iria exercer, em tempos posteriores, um domínio (v. 2c), o qual teria a marca do combate vitorioso aos inimigos (v. 1d. 2c) do povo (v. 3b). Dessa forma, quem reza no Salmo 110 se dirigiria a um sucessor do rei Davi, real ou imaginado, apresentando-lhe um oráculo (v. 1b-e) e um juramento (v. 4) do SENHOR, assim como descrevendo seu exercício de poder (v. 2-3.5-7).

1.4 Oráculo do S

ENHOR

O Salmo 110 inicia com a expressão oráculo do Senhor. O termo hebraico para oráculo é

~aun>

. Partindo da ideia de que a palavra oráculo, na mitologia antiga, geralmente indica uma resposta de uma divindade a quem a consultou, nasce a pergunta se o significado da palavra hebraica é exatamente o mesmo.

1 KIRST, Dicionário hebraico-português e aramaico-português, p. 107. 2 SCHÖKEL, Diccionario bíblico hebreo-español, p. 329-331.

(13)

A etimologia do termo hebraico é incerta. Geralmente, a palavra oráculo (

~aun>

) é relacionada com uma palavra árabe, que significa sussurrar.4 A vocalização em hebraico, por sua vez, faz o ouvinte-leitor imaginar um particípio passivo no Qal, sendo que este termo indica a conjugação “simples” do verbo. Nasce, portanto, uma compreensão da palavra no sentido de ela indicar algo que foi sussurrado. Contudo, o termo oráculo (

~aun>

), morfologicamente analisado, é um substantivo masculino no singular.

Provavelmente, o termo oráculo não foi usado, desde o princípio, como acontece, em geral, nos escritos proféticos, sendo que a expressão indicava uma palavra de magia ou de necromancia; em outros momentos, se fala do oráculo de um vidente.5 Talvez o profeta Amós tenha sido o primeiro a utilizar o termo hebraico oráculo (

~aun>

) para indicar a ideia de que é o SENHOR quem fala, em primeira pessoa, através do profeta.6

A palavra oráculo (

~aun>

) se faz presente em apenas dois Salmos. Além do texto aqui estudado, o Salmo 36 trabalha com a mesma expressão, sendo que o orante afirma: No interior

de meu coração, está um oráculo de rebeldia para o perverso ou No interior de meu coração,

está o oráculo de rebeldia do perverso (Sl 36,2). Percebe-se a ideia da presença de uma voz ou

declaração (

~aun>

), personificada no coração de quem reza. Pode tratar-se de um dito em direção

a quem está sendo avaliado como perverso, ou ainda de um dito que partiu do perverso e agora se torna presente no coração de quem reza aqui. Em todo caso, no Salmo 36, o oráculo não é divino. Não se trata de um dito proferido pelo Deus de Israel, mas de um dito humano, contrariamente ao que se percebe no Salmo 110.

Observando o uso do termo oráculo (

~aun>

) na Bíblia Hebraica, observa-se, de forma marcante, a presença desta expressão nas tradições proféticas. O termo oráculo (

~aun>

) aparece trezentos e setenta e duas vezes: uma vez em Gênesis, cinco vezes em Números, uma vez em 1Samuel, uma vez em 2Samuel, quatro vezes em 2Reis, vinte e cinco vezes em Isaías, cento e setenta e cinco vezes em Jeremias, oitenta e cinco vezes em Ezequiel, quatro vezes em Oseias, uma vez em Joel, vinte e uma vezes em Amós, duas vezes em Abdias, duas vezes em Miqueias,

(14)

duas vezes em Naum, cinco vezes em Sofonias, doze vezes em Ageu, vinte vezes em Zacarias, uma vez em Malaquias, duas vezes nos Salmos, uma vez em Provérbios e uma vez em 2Crônicas.7

Analisando as trezentos e setenta e duas presenças do termo oráculo8 (

~aun>

) na Bíblia Hebraica, em trezentos e sessenta e quatro casos, é indicado um dito do Senhor, enquanto apenas seis presenças da palavra oráculo visam a um dito proferido pelo homem (Nm 24,3.4.15.16; Sl 36,2; Pr 30,1). Todavia, no que se refere ao Salmo 110, o orante apresenta, de forma expressa,

um oráculo divino, atribuindo-o ao Deus de Israel, falando de um oráculo do Senhor (v. 1b).

O tetragrama que indica o nome do Deus de Israel (

hwhy

), aqui traduzido como SENHOR,

escrito com maiúsculas, é o nome próprio que mais aparece nos textos da Bíblia Hebraica. O número total de presenças do tetragrama, somente no livro dos Salmos, é de quinhentas e noventa e oito vezes. Em toda a Bíblia Hebraica, o tetragrama aparece seis mil e sete vezes. Somente o profeta Jeremias supera o número de usos do tetragrama comparado ao livro dos Salmos. Além disso, ainda existe a presença do nome do Deus de Israel de forma abreviada, grafado com apenas as duas primeiras letras (

hy

). Das quarenta e seis presenças dessa forma abreviada do tetragrama na Bíblia Hebraica, quarenta e uma estão no livro dos Salmos.

O nome Senhor(

hwhy

) encontra uma explicação, em forma de uma etimologia popular, no livro do Êxodo. Na história da vocação de Moisés, este pergunta a Deus: Quando eu for aos

israelitas e disser: “O Deus de vossos pais me enviou até vós”, e me perguntarem: “Qual é o

seu nome?”, o que direi? (Ex 3,13). A resposta de Deus é: Sou (quem) sou ou Serei quem serei,

uma vez que a ação verbal do imperfeito, em hebraico, descreve uma ação imaginada como ainda não concluída, seja no passado, no presente ou no futuro. Em hebraico se lê:

hy<h.a, hy<h.a,

Contemplando a forma da primeira pessoa do singular, na ação verbal do imperfeito da família chamada de Qal, três das quatro letras também se fazem presentes no tetragrama:

(15)

hwhy

Justamente essa semelhança provoca a etimologia popular. Quer dizer: o ouvinte-leitor, ao escutar o nome de Deus, é convidado a lembrar-se do verbo ser ou estar (

hyh

). Mais especificamente, deve se lembrar da definição do nome de Deus conforme Ex 3,14: Sou quem sou. Todavia, aqui é importante mencionar que o verbo ser, em hebraico, indica uma relação (“ser para”), diferentemente da cultura grega, na qual o verbo ser insiste na ideia da essência (“ser em si”). Nesse sentido, a expressão Sou quem sou traz consigo a ideia de o SENHOR ser

aquele que se faz presente na história de seu povo, no sentido de assumir uma relação com este último. Ou seja: trata-se da promessa de o SENHOR estar com o seu povo, fazendo-lhe companhia

em seu caminho rumo à liberdade.9

Na versão da antiga tradução grega da Bíblia Hebraica, chamada de Septuaginta ou, traduzido para o português, de Setenta, com a abreviação LXX, o tetragrama (

hwhy

) é sempre traduzido como SENHOR (

ku,rioj

), sendo que tal palavra ocorre seis mil cento e cinquenta e seis

presenças.10

1.5 O destinatário do oráculo

Antes de tudo, é preciso explicar o uso do termo senhor em hebraico. O substantivo é apresentado, nos escritos da Bíblia Hebraica, tanto no singular –senhor (

!wOda'

) – como no plural –senhores (

~ynIdoa]

).

O substantivo pode receber, como todos os outros, pronomes pessoais sufixados. Dessa forma, também pode ser acrescentado o pronome pessoal da primeira pessoa do singular. Assim, chega-se às seguintes formas: meu senhor (

ynIdoa]

) e meus senhores (

yn:doa]

).

Observa-se, no entanto, uma forma especial do termo meu senhor na Bíblia Hebraica, sendo que nele o pronome pessoal sufixado não é vocalizado com o “a” mais curto, chamado de

9 No que se refere ao tetragrama, ver as explicações mais extensas em HARRIS; ARCHER; WALTKE,

(16)

“pátah”, mas sim com o “a” mais longo, chamado de “qames” (

yn"doa]

).11 Essa forma, traduzida aqui como Senhor, tendo a primeira letra escrita com maiúscula, funciona como um “epíteto divino”, no sentido de referir-se ao Deus de Israel, cujo nome, formado pelo tetragrama (

hwhy

), é apresentado como SENHOR, sendo todas as letras escritas com maiúsculas.12 A Septuaginta,

tradução grega da Bíblia Hebraica, feita nos séculos III a II a.C., traduz a expressão hebraica

Senhor (

yn"doa]

) como Senhor (

ku,rioj

) – e não como meu Senhor. Assim, chega-se à seguinte

conclusão: “Embora

yn"doa]

possa significar meu Senhor em algumas passagens nas quais se fala com Deus (p. ex., Gn 15,2), mais provavelmente significa Senhor de tudo em todos os outros lugares, imaginando-se o a mais longo como um indicador que denota ênfase”.13A tabela apresentada a seguir quer ilustrar o que foi descrito agora.

Hwhy

SENHOR

yn"doa]

(meu) Senhor

ynIdoa]

meu senhor

yn:doa]

meus senhores

O termo Senhor (

yn"doa]

), indicando o Deus de Israel, respectivamente, o SENHOR (

hwhy

),

na Bíblia Hebraica, ocorre seiscentas e três vezes. Nos Salmos somente, são cinquenta ocorrências. A pronúncia hebraica, no caso, é Adonai.

No que se refere ao Salmo 110, é interessante observar que também a forma meu senhor (

ynIdoa]

) ocorre uma vez (v. 1b). No caso, a pronúncia da palavra hebraica seria Adoni. Mais ainda: no Salmo 110, o termo é prefixado pela preposição a ou para (

l

), sendo que, literalmente, se observa a expressão para o meu senhor (

ynIdoal;

) (v. 1b). Neste momento, torna-se interessante uma pesquisa que verifica o uso do termo senhor quando não se refere a Deus. Ou seja: quem,

11 LAMBDIN, Gramática do hebraico bíblico, p. 29.

(17)

além de Deus, é chamado de senhor ou, de forma mais definida, de meu senhor nas tradições da Bíblia Hebraica?

Conferindo todas as presenças da palavra senhor (

!wOda'

) na Bíblia Hebraica, observa-se que o termo, por trezentas e trinta e duas vezes, indica uma pessoa, sem que seja Deus. Em geral, trata-se de alguém que exerce certo poder ou domínio, pois a expressão senhor pode ser compreendida também como dono, chefe ou patrão.14 Nesse sentido, a palavra senhor (

!wOda'

) também é utilizada para alguém se referir ao rei, sendo que isso ocorre na Bíblia Hebraica sessenta e duas vezes. Eis as referências: 1Sm 24,9; 26,17.19; 2Sm 2,7.10; 4,8; 9,9.102x; 10,3; 11,9.11.13; 12,8; 13,33; 14,9.12.15.17.18.19.22; 15,15.21; 16,4; 18,28.31.32; 19,20.21.27.282x. 29.31.36.38; 24,32x.21.22; 1Rs 1,22x.13.18.202x.21.24.272x.31.36.372x; 2,38; 2Rs 6,12.26; 8,5; Is 36,8; Jr 38,9; Sl 45,12; 1Cr 21,23 (meu senhor =

ynIdoa]

).

No Salmo 110, o termo para (o) meu senhor (cf. v. 1b:

ynIdoal;

) aparece como sufixo do pronome pessoal da primeira pessoa do singular, traduzido aqui como meu, e com a preposição prefixada (

l

), que atrai o artigo definido, traduzida aqui como para (o). Como, em português, comumente se evita a definição dupla, o artigo definido não é apresentado, de forma expressa, na tradução do Salmo 110 colocada neste estudo, pois o pronome possessivo meu já serve como definição. Todavia, a expressão para meu senhor (v. 1b:

ynIdoal;

) indica a direção do discurso de quem reza aqui e a relação de pertença do orante a quem este chama de meu senhor.

A Bíblia Hebraica emprega o termo para meu senhor (

ynIdoal;

) vinte e quatro vezes (Gn 24,36.54.56; 32,5.6.19; 44,9.162x.33; 1Sm 24,7; 25,27.28.30.312x; 2Sm 4,8; 19,29; 1Rs 1,22x; 18,13; 20,9; 1Cr 21,3; Sl 110,1). Aqui é interessante observar, de um modo específico, o personagem que é chamado de meu senhor, sendo que este se torna o destinatário da mensagem. No caso, são: Abraão (Gn 24,36.54.56), Esaú (Gn 32,5.6.19), José (Gn 44,9.162x.33), Saul (1Sm 24,7), Davi (1Sm 25,27.28.30.312x; 2Sm 4,8; 19,29; 1Rs 1,22x; 1Cr 21,3;), Elias (1Rs 18,13) e

Ben-Adad, rei de Aram (1Rs 20,9). Chama a atenção do ouvinte-leitor que doze, ou seja, a

metade das ocorrências, têm um rei como ponto de referência: Saul, uma vez; Davi, dez vezes; Ben-Adad, uma vez. Com isso, torna-se mais provável que, também no primeiro versículo do Salmo 110, o rei seja o destinatário de quem reza aqui, embora não apareça a palavra “rei”, nem

(18)

seja mencionado o nome de um rei no discurso do orante, pois este, aparentemente, se dirige a seu rei chamando-o de meu senhor (

ynIdoa]

).

Contudo, vale a pena lembrar, em meio a esta discussão, que, no título da oração presente no Salmo 110, aparece o nome do rei Davi (v. 1a). Com isso, já ocorre um direcionamento da atenção do ouvinte-leitor. Ou seja: o orante se dirige ao rei, falando para este. Ao mesmo tempo, porém, também fala sobre o rei, transmitindo, a seu senhor, um oráculo que tem a sua origem naquele que é o SENHOR por excelência.

1.6 Sentado à direita do S

ENHOR

Nas tradições da Bíblia Hebraica, o verbo sentar ou sentar-se (

bvy

), no grau do Qal, aparece oitocentos e vinte e oito vezes. No livro dos Salmos, ocorrem quarenta e quatro presenças. No Salmo 110, observa-se, primeiramente, a forma do imperativo singular do masculino: Senta-te! (v. 1c). Quer dizer: um homem é convidado ou até intimado a sentar-se à

direita do Senhor. É a única vez que, nos Salmos, se emprega uma forma do imperativo do verbo

sentar ou sentar-se. Nas demais tradições da Bíblia Hebraica, isso, porém, ocorre outras trinta e

seis vezes (Gn 20,15; 22,5; 27,19; 29,19; 34,10; 35,1; 38,11; Ex 16,29; 24,14; Nm 22,19; Jz 17,10; 1Sm 1,23; 22,23; 2Sm 10,5; 11,12; 15,19; 2Rs 2,2.4.6; 14,10; 25,24; Is 47,1.5; 52,2; Jr 13,18; 29,5.28; 35,15; 36,15; 40.9.10; 48,18; Sl 110,1; Rt 3,18; 4,1; 1Cr 19,5; 2Cr 25,19).

Neste momento, é interessante observar quem recebe a ordem de se sentar e de quem recebe tal ordem. No caso, Abraão, os servos de Abraão, Isaac, Jacó, os filhos de Jacó, Tamar,

os anciãos, os enviados de Balac, um jovem levita de Belém, Ana, Abiatar, os servos de Davi,

Urias, Etai, Eliseu, Amasias, os oficiais das tropas judaítas, Babilônia, Jerusalém, o rei Joaquin

e sua mãe, os exilados na Babilônia, Baruc, Rute e o parente de Booz escutam de outras pessoas

que eles devem sentar ou assentar-se.

Contudo, além do primeiro versículo no Salmo 110, existem apenas outras cinco referências, onde Deus, respectivamente, o SENHOR, Deus de Israel, dá a alguém a ordem de

sentar-se ou assentar-se. No caso, Deus ordena a Jacó que se assente em Betel (Gn 35,1). Em Ex

16,29, o SENHOR, através de Moisés, ordena que os israelitas fiquem sentados no dia do sábado.

(19)

ficar assentados em sua terra (Jr 35,15). E, por último, a filha de Dibon, uma cidade em Moab, escuta o oráculo do Senhor dos exércitos celestes, apresentado como rei, no sentido de receber a ordem de se assentar em solo sedento (Jr 48,18).

Figura 1

Da esquerda para a direita: Ramsés e Hórus15

(20)

Enfim, o oráculo do Senhor, presente no primeiro versículo do Salmo 110, traz, de certa forma, uma ideia que é única nas tradições da Bíblia Hebraica e que pode ser descrita como “uma exaltação excepcional do aspecto de uma entronização de um rei”.16 O Deus de Israel manda alguém sentar-se a seu lado direito. Em nenhum outro lugar nas Sagradas Escrituras de Israel, ocorre este tipo de ordem, pois, nos paralelismos acima apresentados, Deus apenas ordena certas pessoas a se sentarem em lugares que já fazem parte do ambiente em que vivem ou se encontram. Contudo, ao imaginar que o rei de Israel tome assento à direita do Senhor, Deus de Israel, pensa-se em um ato de entronização. Afinal, é comum, na cultura religiosa do antigo Israel, imaginar que Deus se encontra assentado em seu trono celeste.

Todavia, conhece-se, da cultura do Antigo Egito, a imagem do rei assentado à direita de um deus ou de deuses. Nesse sentido, a Figura 1, apresentada acima, mostra um relevo trabalhado em pedra de areia de Medinet Habu, do século XII a.C., com o faraó Horemhab (1319-1307 a.C.) sentado ao lado direito do deus egípcio Hórus.17 Uma outra imagem (Figura 2), expressando a mesma ideia, é de Abu Simbel, do período de Ramsés II (1279-1213/2 a.C.). Neste caso, Ramsés II está sentado, tendo à direita Rá, o deus do sol, e à esquerda os deuses Amon e Ptah.

16 GÖRG, Religionen in der Umwelt des Alten TestamentsIII, p. 86.

(21)

Figura 2

Da esquerda para a direita: Rá, Ramsés, Amon e Ptah18

O termo aqui traduzido como direita também poderia ser compreendido como destra ou sul

(

!ymiy"

). Na Bíblia Hebraica, ocorre cento e quarenta vezes. Duas delas estão no Salmo 110, exatamente nos v. 1c.5a. Nos dois casos, encontra-se o substantivo direita com o pronome pessoal da primeira pessoa sufixado, no sentido de minha direita. Contudo, enquanto no v. 1c se fala da direita do SENHOR, o v. 5a visa à direita do rei. Quer dizer, primeiramente, o rei é

intimado a sentar-se à direita do SENHOR, para experimentar, posteriormente, que o SENHOR está

à sua direita.

Nos Salmos, o termo direita

(

!ymiy"

) ocorre quarenta e duas vezes (Sl 16,8.10; 17,7; 18,36; 20,7; 21,9; 26,10; 44,4; 45,5.10; 48,11; 60,7; 63,9; 73,23; 74,11; 77,11; 78,54; 80,16.18; 89,13.14.26.43; 91,7; 98,1; 108,7; 109,6.31; 110,1.5; 118,15.162x; 121,5; 137,5; 138,7; 139,10; 142,5; 144,82x.112x). Apesar de todas estas ocorrências, a ideia de se sentar à direita do Senhor, provavelmente, tenha sido absorvida do contexto egípcio, como indicado pela imagem acima apresentada. No Egito, pois, como também em Israel, à direita indica o ponto cardeal na direção sul. Contudo, isso parece tornar-se mais significativo no país vizinho de Israel, uma vez que, no

(22)

sul, se encontra a nascente do rio Nilo.19 É interessante observar também que o sul está à direita de quem olha na direção do nascer do sol. A partir disso, nas civilizações antigas, à direita parece receber a conotação simbólica de ser o lado melhor, no sentido de indicar o lado favorável.20 Tal conotação parece continuar a prevalecer em muitas culturas atuais.

No que se refere aos paralelismos na Bíblia Hebraica, é interessante observar como 1Rs 2,19 apresenta Betsabeia, mãe do rei Salomão, como aquela que é convidada, por seu filho, a

sentar-se à direita do trono dele. É o único momento, além do que se ouve ou lê em Sl 110,1,

onde alguém é convidado a tomar assento num trono, ao lado direito de quem está governando. Surge, dessa forma, a impressão de certa participação da honra e dignidade atribuída ao rei. Outro paralelismo de maior importância se encontra em 1Rs 22,19. Neste caso, um profeta chamado Miqueias apresenta sua visão do SENHOR, Deus de Israel, assentado sobre seu trono,

com todo o exército celeste estando de pé acima dele, a sua direita e esquerda. Novamente,

passa-se à ideia de uma determinada participação do poder do rei celeste. Ao mesmo tempo, essa participação indica estar a serviço do SENHOR. Enfim, surge a impressão de que não se vacila,

enquanto se permanece à direita do SENHOR (Sl 16,8); mais ainda, à direita do SENHOR,

perpetuamente, estão delícias (Sl 16,11). Ou seja: à direita do SENHOR indica, aparentemente, a

salvação, a força, o poder divino, a proteção ou a libertação, como pode ser verificado no Salmo 108: Para que teus amados sejam libertos, salva por tua direita! (Sl 108,7). Caso contrário, os Salmos não falam da esquerda do SENHOR Deus.

1.7 Os inimigos como escabelo para os pés

Na Bíblia Hebraica, o termo inimigo

(

byEao

) aparece por duzentas e oitenta e duas vezes.

Trata-se de um verbo substantivado. Mais exatamente, é o particípio ativo no grau do Qal. Nos Salmos, o inimigo ocorre setenta e três presenças (Sl 3,8; 6,11; 7,6; 8,3; 9,4.7; 13,3.5; 17,9; 18,1.4.18.38.41.49; 21,9; 25,2.19; 27,2.6; 30,2; 31,9.16; 35,19; 37,20; 38,20; 41,3.6.12; 42,10; 43,2; 44,17; 45,6; 54,9; 55,4.13; 56,10; 59,2; 61,4; 64,2; 66,3; 68,2.22.24; 69,5.19; 71,10; 72,9; 74,3.10.18; 78,53; 80,7; 81,15; 83,3; 89,11.23.43.52; 92,10; 102,9; 106,10.42; 110,1.2; 119,98; 127,5; 132,18; 138,7; 139,22; 143,3.9.12).

(23)

No Salmo 110, por duas vezes, o orante pensa nos inimigos do rei. Na primeira vez, eles fazem parte do oráculo divino (v. 1b-e), apresentado ao rei por quem reza aqui (v. 1d). Na segunda vez, os inimigos aparecem no discurso do orante, sendo que este expõe agora seu próprio pensamento ao rei (v. 2c). Nas duas ocasiões, fala de inimigos no plural. Não é um

inimigo somente, mas é uma pluralidade de opositores. Além disso, a inimizade destes últimos

tem como ponto de referência o rei. São os inimigos dele. Por duas vezes, pois, o orante emprega o pronome pessoal sufixado da segunda pessoa masculina do singular, como se quisesse lembrar o seu senhor da seguinte realidade: há os teus inimigos (v. 1d e 2c). Todavia, analisando, neste momento, o oráculo do SENHOR, a ação contra os inimigos do rei parte de Deus mesmo. Quer

dizer, é o SENHOR quem se propõe a combater os opositores do rei, pondo estes como um

escabelo debaixo dos pés do governante (v.d-e).

(24)

Figura 3

Inimigos debaixo dos pés do faraó21

Além de o domínio do jovem faraó ser expresso pelo fato de os inimigos se encontrarem

debaixo dos pés de quem está com o poder, este último, além disso, segura a corda com que

amarra pelo pescoço aqueles que lhe são subjugados. A mesma ideia de os inimigos se encontrarem debaixo dos pés do governante se faz presente num par de sandálias, provavelmente, do ano de 1330 a.C., encontrado no túmulo de Tutancâmon.

(25)

Figura 4 Pisando nos inimigos22

Na compreensão do antigo Egito, o domínio dos inimigos é visto como necessário, a fim de manter a ordem do cosmo.

O escabelo, imaginado como acessório do trono do rei, é mencionado apenas seis vezes

em toda a Bíblia Hebraica (Is 66,1; Sl 99,5; 110,1; 132,7; Lm 2,1; 1Cr 28,2). Nas cinco referências paralelas ao Salmo 110, o escabelo é sempre pensado como pedestal, no qual o Deus de Israel apoia os seus pés. Para o profeta Isaías – no caso, o Trito-Isaías, um dos repatriados após o exílio babilônico –, a terra inteira se torna o escabelo para os pés divinos, sendo que os céus são o seu trono (Is 66,1). Talvez se trate de uma visão crítica no que se refere ao projeto da reconstrução do Templo em Jerusalém. No Salmo 99, o SENHOR, como rei, se assenta entre

querubins, sendo que, por consequência, a terra treme (Sl 99,1). Imaginam-se tronos

(26)

acompanhados, em cada lado, por leões alados com face humana, chamados de querubins. Todavia, cultiva-se a fé de que o SENHOR, Deus de Israel, assumirá a realeza a partir de Sião,

quer dizer, a partir do Templo de Jerusalém. No Salmo 132, o povo dos peregrinos, subindo ao Templo de Jerusalém, se propõe a dobrar-se diante do escabelo dos pés de seu Deus, pedindo que este e a arca de sua força se levantem (Sl 132,7-8). Mais ainda: nas tradições religiosas do antigo Israel, a própria arca é contemplada como um pedestal que serve ao SENHOR como

escabelo para os seus pés (1Cr 28,2). Todavia, também é possível que o SENHOR, no dia de sua

ira, se esqueça deste escabelo (Lm 2,1).

Contudo, resta a pergunta: essa imagem indica um domínio violento do SENHOR?

Voltando outra vez à reflexão presente no Salmo 99, vê-se que a força do SENHOR Deus como rei

se fundamenta em seu amor histórico ao direito (Sl 99,4). Nesse sentido, ele se propõe a estabelecer uma ordem neste mundo que prevê a retidão e a prática da justiça prevista pelo

direito como princípios de qualquer tipo de convivência (Sl 99,4). Portanto, prostrar-se ao

estrado dos pés de quem se assenta sobre os querubins (Sl 99,5) indica, simbolicamente, a

disposição de se subjugar à ordem e ao governo do SENHOR, o rei celeste. Sabendo que o direito

de Deus insiste na liberdade dos que são oprimidos, este ato de submissão significa recuperar a liberdade. Em contrapartida, para quem insiste na opressão e no cultivo da inimizade em relação aos que defendem a justiça, a submissão será experimentada de outra forma. Quer dizer: existem duas alternativas. Ou prostrar-se ao escabelo dos pés do SENHOR (Sl 99,5), ou ser colocado,

como um escabelo, debaixo dos pés de quem governa para impor a justiça divina (v. 1d-e), seja

este o próprio SENHOR Deus ou o rei de Israel que, no caso, participa do governo do rei celeste.

1.8 O bordão forte

(27)

O termo força ou poder (

Z[

) ocorre noventa e cinco vezes na Bíblia Hebraica, sendo que,

nos Salmos, há quarenta e quatro presenças (Sl 8,3; 21,2.14; 28,7.8; 29,1.11; 30,8; 46,2; 59,10.17.18; 61,4; 62,8.12; 63,3; 66,3; 68,29.34.352x.36; 71,7; 74,13; 77,15; 78,26.61; 81,2; 84,6; 86,16; 89,11.18; 90,11; 93,1; 96,6.7; 99,4; 105,4; 110,2; 118,14; 132,8; 138,3; 140,8; 150,1).

Entre essas citações, Sl 110,2 é o único lugar nos Salmos onde a ideia da força se encontra ligada ao bordão ou cetro estendido a partir de Sião. Contudo, há outros Salmos nos quais se cultiva a ideia de que a origem de toda força está em Deus. Nesse sentido, o orante afirma em Sl 62,12: A Deus pertence a força. Algo bem semelhante se ouve ou lê em Sl 68,36: É

o Deus de Israel que dá ao povo força e poder. Aqui se verifica que o SENHOR partilha sua força

e seu poder com o seu povo. Em Sl 86,16, o orante ressalta o aspecto da possibilidade de o SENHOR partilhar seu poder, pedindo a este: Concede tua força ao teu servo.

No início do Salmo 110, o orante apresenta um discurso do SENHOR, no qual o Deus de

Israel usa a primeira pessoa do singular (ver a expressão minha direita; v. 1c) e o verbo ponho (v. 1d). Em seguida, quem reza aqui fala sobre o SENHOR. Assim, parece ocorrer uma mudança

de orador no início do v. 2, por mais que existam discursos na Bíblia Hebraica nos quais o SENHOR use a terceira pessoa do singular para descrever uma ação sua. No caso do Salmo 110,

porém, é mais fácil imaginar que, a partir do v. 2a, não se escuta mais a voz do SENHOR,

transmitida pelo orante, mas sim a voz do orante enquanto destaca suas próprias palavras.

No que se refere à sequência dos elementos da frase no v. 2a-b, quem reza aqui, em vez de começar com o verbo, realça o objeto direto na primeira posição. Traduzido literalmente, guardando a posição de cada palavra na frase hebraica, seria: O bordão de tua força, o Senhor

estende desde Sião. Com isso, o senhor do orante, ou seja, o rei, se torna semelhante a Moisés e

Aarão. Podemos ainda destacar que foi com seu bordão que Moisés e Aarão feriram as águas do

Egito, transformando-as em sangue (Ex 7,15.17.19.20). E, pela ordem do SENHOR, transmitida

por Moisés, Aarão também fez subir rãs dos rios, canais e lagoas com o bordão estendido (Ex 8,1). Com o mesmo instrumento, dando continuidade à sequência das pragas, Aarão também

feriu a terra, para que houvesse mosquitos em toda a terra do Egito (Ex 8,12.13). Além disso,

estendendo seu bordão para os céus, Moisés fez com que o Senhor enviasse trovões, chuva de

pedras e fogo (Ex 9,23). De forma semelhante, ao Moisés estender o bordão sobre a terra, o

(28)

bordão na mão estendida, Moisés dividiu as águas do Mar dos Juncos (Ex 14,16). Também usou

o bordão de Deus para fazer jorrar água do rochedo em Massa e Meriba (Ex 17,5-6) e combater,

de forma vitoriosa, os amalecitas (Ex 17,9). Resumindo: “Na narrativa do êxodo, o bordão [...] se torna o sinal eficaz de que Moisés e Aarão estão atuando conforme a iniciativa de Deus”.23

Seguindo, novamente, a meditação realizada pelo orante no Salmo 110, o SENHOR mesmo

se propõe a estender o bordão do rei (v. 2b). Trata-se de um bordão forte, ou seja, um bordão que representa a força do rei. Que a situação pudesse ser contrária fica claro quando são observadas as outras quatro presenças desta expressão metafórica na Bíblia Hebraica. No caso, Jeremias diz sobre Moab, nação vizinha de Israel, que seu bordão forte e sua vara ornamentada

foram quebrados (Jr 48,17). O SENHOR, simplesmente, cortou o varapau enfeitado, que é um

símbolo externo do poderio ou uma insígnia do domínio pretendido.24 Também Ezequiel acolhe a imagem numa lamentação sobre os chefes de Israel, sendo que a mãe de Israel era como

videira. Esta última estava cheia de galhos fortes e vigorosos, que se tornavam bastões ou cetros

de governantes (Ez 19,11). Infelizmente, é necessário traduzir a mesma palavra hebraica ora

como bordão ora como galho ou ramalho, sendo que, em português, se perde a audibilidade ou visibilidade do paralelismo. Enfim, basta, neste momento, acompanhar Ezequiel somente um instante para descobrir a continuação de sua reflexão. Fogo devorou o ramalho, respectivamente,

o bordão forte (Ez 19,12). Assim, não ficou nenhum galho, ou seja, nenhum bordão forte e,

consequentemente, nenhum cetro para governar (Ez 19,14).

No entanto, o orante no Salmo 110 prevê outro destino para o rei. É o SENHOR quem, a

partir de Sião (v. 2a), estende o bordão, ou seja, a força, daquele que é chamado a governar (v.

2b), para que este possa mandar em seus inimigos (v. 2c).

1.9 Comandar ou dominar?

O verbo governar, dominar, controlar ou comandar (

hdr

) ocorre vinte e cinco vezes na Bíblia Hebraica, sendo que, nos Salmos, a raiz verbal ocorre quatro vezes (Gn 1,26.28; Lv 25,43.46.53; 26,17; Nm 24,19; 1Rs 5,4.30; 9,23; Is 14,2.6; Ez 29,15; 34,4; Sl 49,15; 68,28; 72,8;

(29)

110,2; Lm 1,13; Ne 9,28; 2Cr 8,10). A forma do verbo dominar ou comandar em Sl 110,2b é o imperativo masculino singular.

Alguns paralelismos recebem destaque por ajudarem a esclarecer o que, provavelmente, está sendo pensado em Sl 110,2. Em Gn 1,26, o primeiro casal criado por Deus ouve deste:

Dominem sobre os peixes do mar. Quer dizer: o homem é convidado a participar do domínio que

Deus tem sobre a criação. No entanto, não se prevê um governo ou domínio no sentido de subjugar ou oprimir algo ou alguém, mas um exercício de poder que nasce do temor do SENHOR:

Não o dominarás com tirania, mas terás o temor de Deus (Lv 25,43). Além disso, lê-se no livro

do Levítico a respeito da sociedade israelita o seguinte: Sobre os vossos irmãos, pessoa alguma

deve exercer um domínio (Lv 25,46). Quer dizer: uma das características da sociedade alternativa

em Israel é que nenhum israelita pode ser dominado, ou seja, governado com violência. Mais ainda: nenhum povo estrangeiro poderá dominar, de forma definitiva, o povo eleito. Contrariamente, porém, se prevê um domínio. Veja, por exemplo, Nm 24,19: Ó Jacó, domina

sobre teus inimigos! Contudo, acolhendo o modelo de justiça previsto por Deus para este mundo,

em princípio, não se trata de um domínio que insiste na aniquilação do outro, a não ser que este insista, de forma definitiva, na oposição a Deus e a seu projeto. Uma palavra do profeta Ezequiel destaca o mesmo pensamento: O Egito será o mais insignificante dos reinos e nunca se elevará acima das nações; eu o reduzirei a um pequeno número, para que não volte a dominar sobre

outras nações (Ez 29,15).

No que se refere aos Salmos, o termo governar, dominar ou comandar (

hdr

), além de Sl 110,2, aparece outras três vezes nos Salmos. Sl 49,15 diz: São como o rebanho destinado ao

Xeol; a Morte os leva a pastar; os homens retos os dominarão. Este Salmo pensa nos que

confiam na riqueza e, dessa forma, desprezam Deus. Enfim, sublinha-se que o domínio ou o governo pertence a quem é capaz de insistir na retidão. Sl 72,8 afirma: Que domine de mar a

mar, desde o rio até os confins da terra. Provavelmente, esteja-se imaginando a região que tem o

Mar Mediterrâneo ao oeste e o Golfo Pérsico ao leste, ou seja, do rio Nilo ao rio Eufrates.25 O orante fala aqui sobre um rei prometido que irá governar com justiça, julgará a causa dos pobres, salvará os indigentes e esmagará seus opressores. É interessante observar que, neste mesmo Salmo, o orante diz: Todos os reis se prostrarão diante Dele, as nações todas o servirão. Enfim, o orante no Salmo 72 contempla o governo do rei de Israel como uma dádiva ou bênção para

(30)

todos os israelitas, mas também para as nações estrangeiras, conforme Sl 72,17: Nele serão

abençoadas as raças; todas as nações o proclamam feliz. Talvez aqui possamos verificar o que

deseja o orante do Salmo 110, com o seu governo: a opressão ou a paz do seu povo? Enfim, aparentemente, prevê-se um governo que visa à promoção da justiça, promovendo, dessa forma, uma paz abundante, e não a tirania. É para favorecer a justiça e a paz, em Israel e fora dele, que o SENHOR, Deus de Israel, estende o bastão de seu rei a partir de Sião, para que exerça um

domínio favorável aos governados por ele (Sl 110,2).

1.10 O povo como uma oferenda voluntária

Continuando a pesquisa, o ouvinte-leitor do Salmo 110 se depara com o termo povo (

~[;

), o qual aparece no texto hebraico como substantivo masculino singular no construto, por receber o sufixo pronominal da segunda pessoa do masculino singular (teu povo). O termo povo ocorre mil setecentos e noventa e oito vezes na Bíblia Hebraica. Cento e vinte presenças se encontram nos Salmos (Sl 3,7.9; 7,9; 9,12; 14,4.7; 18,28.442x.48; 22,7.32; 28,9; 29,112x; 35,18; 44,13; 45,6.11.13.18; 47,2.4.102x; 49,2; 50,4.7; 53,5.7; 56,8; 57,10; 59,12; 60,5; 62.9; 66,8; 67,42x.5.62x; 68,8.312x.36; 72,2.3.4; 74,14; 77,15.16.21; 78,1.20.52.62.71; 70,13; 73,10; 74,18; 80,5; 81,9.12.14; 83,4; 85,3.7.9; 87,6; 89,16.20.51; 94,5.8.14; 95,7.10; 96,3.5.7.10.13; 97,6; 98,9; 99,1.2; 100,3; 102,19.23; 105,1.13.20.24.25.43; 106,4.34.40.48; 107,32; 108,4; 110,3; 111,6.9; 113,8; 114,1; 116,14.18; 125,2; 135,12.14; 136,16; 144,2.152x; 148,142x; 149,4). Em geral, na Bíblia Hebraica, o termo povo, indica o povo de Israel, enquanto todos os outros povos são chamados de nações. O orante do Salmo nos diz: Orgulho de todos os seus fiéis, dos israelitas, é

seu povo íntimo (Sl 148,14). Este SENHOR quer cumprir a justiça para com o seu povo: Devoram

o meu povo como se comessem pão (Sl 14,4). Também caminha com seu povo: Ó Deus, quando

saíste à frente do teu povo (Sl 68,8), assim como governa seu povo com justiça (Sl 72,2). No

mais, o SENHOR É visto como o guia de Israel: Ele guiou seu povo no deserto, porque seu amor é

para sempre (Sl 136,16). Assim, o orante demonstra que este SENHOR deseja o melhor ao seu

povo e ainda mais estará do lado do pobre: Pois tu salvas o povo pobre (Sl 18,28). Parece que este possui atributos diferentes dos reis que governam no mundo, pois o SENHOR vem em favor

de um povo e não em seu benefício próprio. Dessa forma, faz sua bênção permanecer sobre o seu

(31)

O termo oferta espontânea, sacrifício espontâneo, oferta voluntária, holocausto

voluntário ou donativo espontâneo (

tb"d"n>

) no v. 3a do Salmo 110 é um substantivo no feminino

plural absoluto. Ocorre vinte e cinco vezes na Bíblia Hebraica (Ex 35,29; 36,3; Lv 7,16; 22,18.21.23; 23,38; Nm 15,3; 29,39; Dt 12,6.17; 16,10; 23,24; Os 14,5; Sl 54,8; 68,10; 110,3; 119,108; 2Cr 31,14; 35,8; Ez 46,12; Esd 1,4; 3,5; 8,28; Am 4,5), sendo que há quatro ocorrências nos Salmos.

A oferta voluntária (

hb"d"n>

) não é requerida pela lei. É algo dado além da prescrição da

lei, no sentido de partir da postura generosa da pessoa.26 Nesse sentido, é interessante observar a seguinte história:

Moisés chamou, pois, Beseleel e Ooliab e todos os homens hábeis aos quais o Senhor havia dado sabedoria, a todos cujo coração os impelia a entregar-se à realização de algum trabalho. Eles receberam, na presença de Moisés, todas as oferendas que os israelitas haviam trazido para a realização das obras do culto do santuário. Contudo, os israelitas continuavam trazendo espontaneamente suas ofertas todas as manhãs. Todos os peritos que realizavam os trabalhos do santuário interromperam cada um sua tarefa que

estavam fazendo, vieram e disseram a Moisés: “O povo traz muito mais que o necessário para realizar a

obra que o SENHOR ordenou que fizesse”. Então ordenou Moisés, e sua ordem foi proclamada no

acampamento, dizendo: “Nenhum homem ou mulher faça mais obra alguma para oferta do santuário”.

Assim, o povo foi proibido de trazer mais, pois já havia o suficiente para realizar todas as obras e ainda sobrava (Ex 36,2-7).

Essa oferta voluntária (

hb"d"n>

) poderia também ser de sacrifícios de animais:

Fala a Aarão, a seus filhos, a todos os israelitas, e lhes dirás: “Qualquer homem da casa de Israel, ou qualquer estrangeiro residente em Israel, que trouxer sua oferenda a título de voto ou de dom voluntário e fizer um holocausto ao Senhor para ser aceito deverá oferecer um macho sem defeito, novilho, carneiro ou cabrito. Não oferecereis coisa alguma que tenha defeito, porque não seria aceita a vosso favor (Lv 22,18-20).

É interessante ainda ressaltar que neste tipo de sacrifício voluntário

(

hb"d"n>

),

diferente dos demais, poderia ser oferecido um animal com defeito: Poderás oferecer como dom

(32)

voluntário um animal anão disforme, de gado graúdo ou miúdo, mas para cumprimento de um

voto não será aceito (Lv 22,23).

O termo oferta voluntária (

hb"d"n>

) é usado na

Festa das Tendas: Estas são as solenidades do Senhor, para as quais convocareis os israelitas, assembleias santas destinadas a apresentar oferendas queimadas ao Senhor, holocaustos, oblações, sacrifícios, libações, segundo o ritual próprio de cada dia, além dos sábados do Senhor, das dádivas, dos votos e das oferendas

voluntárias que fareis ao Senhor (Lv 23,37-38).

É interessante destacar ainda um fato importante deste tipo de sacrifício ou oferta

voluntária. É que a mesma também faz parte de uma festa tradicional em Israel, ou seja, de

Pentecostes, a Festa da Colheita: Contarás sete semanas. A partir do momento em que lançares

a foice nas espigas, começaras a contar sete semanas. Celebrarás então a Festa das Semanas em honra do Senhor teu Deus. A oferta espontânea que tua mão fizer deverá ser proporcional ao

modo como o Senhor teu Deus te houver abençoado (Dt 16,9-10).

Contemplando o texto do v. 3b no Salmo 110 – Teu povo será como oferendas

voluntárias! Pode-se atestar que esta é a única ocorrência na Bíblia Hebraica, onde se usa a ideia

de um povo ser como uma oferenda voluntária.

Pesquisando os termos povo (

~[;

) e oferendas voluntárias (

hb"d"n>

), é possível imaginar que o orante deste Salmo pense no povo escolhido, o qual pertence ao SENHOR.Sendo este uma

oferta voluntária e levando em consideração a prescrição presente em Lv 22,23, onde o

hagiógrafo diz que esta oferta voluntária pode conter defeitos e imperfeições e mesmo assim pode ser aceita, talvez o orante do Salmo queira também ressaltar o aspecto de que, mesmo sendo um povo frágil, pequeno e infiel, o povo pode ser uma oferta voluntária e agradável ao SENHOR.

1.11 Ornatos de santidade

O termo ornato (

rd"h"

) aparece como um substantivo no masculino plural construto, sendo o único caso em que o mesmo aparece como feminino plural.27 No mais, ocorre ainda trinta vezes na Bíblia Hebraica (Lv 16,14; Dt 33,17; Is 2,10.19.21; 5,14; 35,22x; 53,2; Ez 16,14;

(33)

27,10; Mq 2,9; Sl 8,6; 21,6; 29,4; 45,4.5; 90,16; 96,6; 104,1; 110,3; 111,3; 145,5.12; 149,9; Jó 40,10; Lm 1,6; Pr 20,29; 31,25; 1Cr 16,27). Nos Salmos, portanto, ocorrem treze presenças.

O ornato (

rd"h"

), em Sl 104,2, se refere a Deus, a criação do céu e da terra, com sua absoluta majestade: Envolto em luz como num manto, estendendo os céus como tenda, sendo um sinal da dignidade real.28 Em Sl 21,6, se lê: Grande é sua glória com tua salvação; tu o vestiste

com honra e esplendor. É o SENHOR quem reveste os reis com honra e esplendor. Mais uma vez,

pode-se entender que o Salmo 110 é considerado régio. Seus termos remontam a palavras empregadas no momento da coroação de um rei (Sl 21,6).

Como citado acima, o Salmo 110 apresenta o termo ornato no plural. Provavelmente, quem reza aqui esteja se referindo aos paramentos reais. O plural seria por causa das várias partes das vestes de um rei.29

Ressalte-se ainda que o ornato (

rd"h"

) é dom de Deus. Assim, o homem participa de seu senhorio do SENHOR e é coroado com a glória de Deus: E o fizeste pouco menos do que um deus,

coroando-o de glória e beleza (Sl 8,6). O SENHOR partilha, pois, sua glória com o homem.

Pode-se dizer ainda que o termo ornato, esplendor, honra e glória (

rd"h"

) é usado também no sentido de qualidade interior, embora, na grande maioria de suas presenças, o termo se refira a algo exterior. No entanto, existe também a ideia contrária. Veja Pr 31,25: A mulher

está vestida de força e dignidade; ela sorri diante do futuro.

Na Torá, o termo ornato, esplendor, honra e glória (

rd"h"

) aparece ligado à Festa das Tendas: No primeiro dia tomareis frutos formosos, ramos de palmeiras, ramos de árvores frondosas e de salgueiros das ribeiras, e vos regozijareis durante sete dias na presença do

Senhor vosso Deus (Lv 23,40). Os profetas também usam o termo, pensando numa manifestação

do esplendor do SENHOR: Alegrem-se o deserto e a terra seca, rejubile-se a estepe e floresça;

como narciso, cubra-se de flores, sim, rejubile-se com grande júbilo e exulte. A glória do Líbano lhe será dada, bem como a beleza do Carmelo e do Saron. Eles verão a glória do Senhor, o

esplendor do nosso Deus (Is 35,1-2). Trata-se aqui de um dom que Deus pode conceder ao

deserto.

(34)

O Trito-Isaías diz: Ele cresceu diante dele como renovo, como raiz em terra árida; não tinha beleza nem esplendor que pudesse atrair o nosso olhar, nem formosura capaz de nos

deleitar (Is 53,2). Um dos Cânticos do Servo Sofredor do SENHOR,por sua vez, usa o termo para

demonstrar que não foi encontrado esplendor na aparência deste servo.

O termo santidade

(

vd<qo

) ocorre quatrocentos e dezessete vezes na Bíblia Hebraica. Nos

Salmos, há quarenta e cinco ocorrências (SI 2,6; 3,5; 5,8; 11,4; 15,1; 20,3.7; 28,2; 29,2; 30,5; 33,21; 43,3; 47,9; 48,2; 51,13; 60,8; 63,3; 68,6.18.25; 74,3; 77,14; 78,54; 79,1; 87,1; 89,21.36; 93,5; 96,9; 97,12; 98,1; 99,9; 102,20; 103,1; 105,3.42; 106,47; 108,8; 110,3; 114,2; 134,2; 138,2; 145,21; 150,1).

Analisando alguns paralelismos, percebe-se que o termo santidade (

vd<qo

) indica algo circunscrito, ou seja, separado.30 É usado quando se refere à consagração de um rei: Fui eu que

consagrei meu rei sobre Sião, minha montanha sagrada! (Sl 2,6). A mesma ideia pode ser

verificada em Sl 89,21: Encontrei o meu servo Davi e o ungi com meu óleo santo. Ainda pode-se encontrar o termo santidade em referência a um monte: Em alta voz eu grito ao Senhor e Ele me

responde do seu monte sagrado (Sl 3,5). Também o templo quer refletir a santidade do SENHOR:

Quanto a mim, por teu grande amor entro em tua casa: eu me prostro em teu sagrado templo,

cheio de temor (Sl 5,8). Ou: Ouve minha voz suplicante quando grito a ti, quando levanto as

mãos para o teu Santo dos Santos (Sl 28,2). O termo santidade também pode caracterizar um

caminho: Ó Deus, teu caminho é santo! Que deus é grande como Deus? (Sl 77,14). Enfim, o termo está ligado ao SENHOR em quase todas as suas ocorrências: Por minha santidade jurei uma

vez: jamais mentirei a Davi! (Sl 89,36).

Contudo, pode-se verificar que, quase sem exceção, o termo santidade se encontra em um contexto religioso e cúltico, qualificando objetos, lugares e pessoas que são purificados e, portanto, consagrados, ou seja, destinados à divindade.31 Assim, surge um relacionamento com ou uma proximidade ao SENHOR. Nos Salmos, o ponto principal está na santidade de Deus e em

sua presença no santuário.

Portanto, quem reza no Salmo 110 comunica que existe uma pessoa ou um rei que se reveste da santidade do SENHOR, com ornatos ou vestimentas sagradas que foram santificadas,

(35)

separadas, destinadas ao próprio Deus, participando, dessa forma, de sua santidade, entrando numa relação íntima com o SENHOR.

1.12 A força da juventude

O termo orvalho

(

lj;

) ocorre trinta e uma vezes na Bíblia Hebraica (Gn 27,28.39; Ex

16,13.14; Nm 11,9; Dt 32,2; 33,13.28; Is 18,4; 26,192x; Os 6,4; 13,3; 14,6; Mq 5,6; Ag 1,10; Sl 110,3; 133,3; Jó 33,28; 38,28; Pr 3,20; 19,12; Ct 5,2; Jz 6,37.38.39.40; 2Sm 1,21; 17,12; 1Rs 17,1; Zc 8,12). Nos Salmos, o termo possui apenas duas ocorrências. Em Sl 110,3, o termo

orvalho

(

lj;

) aparece como substantivo masculino, no singular construto.

O termo orvalho

(

lj;

) indica a condensação do vapor da água da atmosfera, o qual se

deposita em gotículas sobre superfícies horizontais e resfriadas (terra, telhados, folhagens etc.), pela manhã e à noite; pode também ser nominado de relento, que é uma espécie de chuva muito fina, comum nas madrugadas de verão.32

Contudo, é necessário verificar alguns textos onde ocorre o termo orvalho

(

lj;

). O

orvalho

(

lj;

)

é visto como uma dádiva ou uma bênção de Deus: Que Deus te dê o orvalho do

céu e as gorduras da terra, trigo e vinho em abundância (Gn 27,28). Quando o orvalho se vai,

aparece a bênção do maná: Quando se evaporou a camada de orvalho que caíra, apareceu na

superfície do deserto uma coisa miúda, granulosa, fina como a geada sobre a terra (Ex 16,14).

O termo orvalho pode ser comparado à Palavra de Deus: Desça como chuva minha doutrina, minha palavra se espalhe como orvalho, como chuvisco sobre a relva que viceja e aguaceiro

sobre a grama verdejante (Dt 32,2). Pode ser também visto como algo que passa rapidamente.

Por isso, é usado para metaforicamente mostrar o que é passageiro e de frágil existência, como o amor prometido a Deus: Que te farei, Efraim? Que te farei, Judá? O vosso amor é como a nuvem

da manhã, como o orvalho que cedo desaparece (Os 6,4). Este orvalho

(

lj;

) parece ter sua fonte

no SENHOR: O resto de Jacó será, no meio de numerosos povos, como um orvalho vindo do

Senhor, como gotas de chuva sobre a erva, que não espera no homem e não conta com o filho do

homem (Mq 5,6). O termo orvalho ainda é comparado à ação do próprio Deus, que traz vida ao

(36)

povo de Israel: Eu serei como orvalho para Israel, ele florescerá como lírio, lançará suas raízes

como Líbano (Os 14,6). Mais uma vez, o termo orvalho recebe destaque ligado a um rei. O não

cair do orvalho, por sua vez, é sinal de maldição e de castigo:33 Montanhas de Gelboé, nem orvalho nem chuva se derrame sobre vós, campos férteis, pois foi maculado o escudo dos heróis!

O escudo de Saul não foi ungido com óleo (2Sm 1,21). O termo orvalho aparece como sentença

de correção de Deus dada pelo profeta Elias sobre Israel: Elias, tesbita, um dos habitantes de

Galaad, disse a Acab: “Pela vida do Senhor, o Deus de Israel, a quem sirvo: não haverá nestes

anos nem orvalho nem chuva, a não ser quando eu o ordenar” (1Rs 17,1).

Além de Sl 110,3, o termo orvalho ocorre nos Salmos somente mais uma vez. É no Salmo que inspira viver a fraternidade, vendo que esta é como uma bênção: É como o orvalho do Hermon, descendo sobre os montes de Sião; porque aí manda o Senhor a bênção, a vida para

sempre (Sl 133,3).

O termo infância ou juventude (

^yt,dUl.y:

) ocorre apenas duas vezes na Bíblia Hebraica: em Sl 110,3 e em Ecl 11,9.10. No Salmo 110, aparece como substantivo feminino singular construto, com o sufixo pronominal da segunda pessoa masculina singular.

O termo infância ou juventude no livro do Eclesiastes (Coélet) aparece no contexto em que conselhos são dados aos jovens: Alegra-te, jovem, com tua juventude, sê feliz nos dias da tua mocidade, segue os caminhos do teu coração e visão dos teus olhos, saibas, porém, que sobre

todas essas coisas Deus te convocará para o julgamento (Ecl 11,9). O hagiógrafo continua

pedindo que se afaste do sofrimento e avisa que a juventude é passageira, comparando-a com os cabelos negros: Afasta do teu coração o desgosto, e o sofrimento do teu corpo, pois a juventude

e cabelos negros são vaidade (Ecl 11,10).

O que se pode dizer sobre o v. 3 do Salmo 110 é que este filho possui uma relação particular com Deus e recebe do próprio SENHOR a legitimação do seu reinado ou governo, em

um tipo de adoção que é única.34

(37)

C

APÍTULO

2

U

M J U R A M E N T O D O

S

E N H O R

(

V

.

4-7)

Novamente, é preciso, também no início deste segundo capítulo da pesquisa, uma tradução da segunda e última estrofe do Salmo 110, sendo que esta unidade literária é formada por quatro versículos (Sl 110,4-7).

O ouvinte-leitor pode reconhecer a estrutura literária do texto em questão com certa facilidade. No caso, a primeira estrofe inicia com a expressão Oráculo do Senhor (v. 1b). Segue-se um discurso direto do Deus de Israel (v. 1c-d). A Segue-segunda estrofe, por sua vez, anuncia, inicialmente, um juramento divino: O Senhor jurou (v. 4a). Outra vez, se segue um curto discurso direto de Deus (v. 4c-d).

2.1 O texto hebraico

v. 4a

hw"hy> [B;v.nI

v. 4b

~xeN"yI al{w>

v. 4c

~l'A[l. !heko-hT'a;

v. 4d

`qd<c,-yKil.m; ytir"b.DI-l[

v. 5a

^n>ymiy>-l[; yn"doa]

v. 5b

`~ykil'm. APa;-~AyB. #x;m'

v. 6a

~yIAG]]]]B; !ydIy"

v. 6b

tAYwIg> alem'

v. 6c

varo #x;m'

v. 6d

`hB'r: #r<a,-l[;

v. 7a

hT,v.yI %r<D<äB; lx;N:mi

v. 7b

`varo ~yrIy" !Ke-l[;

2.2 A tradução para o português

v. 4a O Senhor jurou v. 4b e não se arrepende:

(38)

v. 4d do modo de Melquisedec”. v. 5a O Senhor está à tua direita; v. 5b destroçou reis no dia de sua ira. v. 6a Sentencia nações,

v. 6b encheu de cadáveres, v. 6c destroçou cabeças, v. 6d sobre a terra imensa.

v. 7a No caminho, bebe da torrente; v. 7b por isso, eleva a cabeça.

2.3 O juramento do S

ENHOR

A segunda parte do Salmo 110 inicia com um juramento do Senhor. É exatamente por causa disso que o poema se divide em duas partes. Tem-se a impressão de que o texto reinicia. Já houve um oráculo do Senhor (v. 1b-e), que foi apresentado como discurso direto. Agora é dito

que o Senhor jurou (v. 4a). E o que jurou, novamente, é apresentado como discurso direto (v.

4c-d).

O termo jurar (

[bv

) ocorre cento e oitenta vezes na Bíblia Hebraica, sendo que doze nos Salmos (Sl 15,4; 24,4; 63,12; 89,4.36.50; 95,11; 102,9; 110,4; 119,106; 132,2.11). O escrito bíblico que possui mais ocorrências do termo jurar (

[bv

) é o livro do Deuteronômio. São trinta e três presenças. Em Sl 110,4, o verbo jurar apresenta a forma no grau do Nifal, na ação verbal do perfeito, na terceira pessoa masculino do singular. No caso, a língua hebraica conjuga o verbo

jurar no Nifal, embora este grau, em geral, indique as vozes reflexiva e passiva.

Alguns paralelismos apresentados pelos Salmos podem ajudar na compreensão do termo

jurar (

[bv

). Firmei uma aliança com meu eleito; jurei a Davi, meu servo (Sl 89,4). Uma coisa

jurei por minha santidade, jamais mentirei para Davi (Sl 89,36). No caso, imagina-se que a

rebeldia e culpa do rei não vão anular as promessas divinas (v. 34-35). Faz parte da santidade que Deus se mantenha solidário e, em última instância, “fiel” a si mesmo, sendo que Deus mesmo se torna testemunha celeste daquilo que prometeu e jurou. Senhor, onde estão tuas

antigas lealdades? Juraste a Davi em tua fidelidade! (Sl 89,50).O orante pergunta pelo projeto

Imagem

Figura 4  Pisando nos inimigos 22

Referências

Documentos relacionados

Portanto, por um contexto computacional, os números binários são estudos porque “os computadores atualmente utilizam o sistema binário para representar

O Museu Digital dos Ex-votos, projeto acadêmico que objetiva apresentar os ex- votos do Brasil, não terá, evidentemente, a mesma dinâmica da sala de milagres, mas em

nhece a pretensão de Aristóteles de que haja uma ligação direta entre o dictum de omni et nullo e a validade dos silogismos perfeitos, mas a julga improcedente. Um dos

O objetivo deste experimento foi avaliar o efeito de doses de extrato hidroalcoólico de mudas de tomate cultivar Perinha, Lycopersicon esculentum M., sobre

O novo sistema (figura 5.7.) integra a fonte Spellman, um novo display digital com programação dos valores de tensão e corrente desejados, o sinal visual do

17 CORTE IDH. Caso Castañeda Gutman vs.. restrição ao lançamento de uma candidatura a cargo político pode demandar o enfrentamento de temas de ordem histórica, social e política

O enfermeiro, como integrante da equipe multidisciplinar em saúde, possui respaldo ético legal e técnico cientifico para atuar junto ao paciente portador de feridas, da avaliação

*-XXXX-(sobrenome) *-XXXX-MARTINEZ Sobrenome feito por qualquer sucursal a que se tenha acesso.. Uma reserva cancelada ainda possuirá os dados do cliente, porém, não terá