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3 O ESTUÁRIO E A BAÍA: O ESPAÇO URBANO OITOCENTISTA ENQUANTO

3.2 Salvador, duas cidades em uma

Cidade do Salvador, Terra de Todos os Santos: Negros por todos os lados ... por todos os cantos235.

Esta quadra copilada por Cândido Leitão na década de cinquenta do século passado deixa entrever dois aspectos marcantes deste enclave português no Atlântico Sul. Um diz respeito a contundente presença negra africana e mestiça da cidade (a qual trataremos mais a frente) que sob a pena e o papel dos estrangeiros mereceu relatos que iam do encantamento pelo exotismo das formas e dos costumes à repugnância pautada numa concepção, que em termos contemporâneos, nomeamos de etnocêntrica. Contudo, neste momento o que nos interessa é o termo oculto na canção: a baía, dita de Todos os Santos; ou mais especificamente, a estrutura urbana que se desenvolve de fronte ao ancoradouro. Este que fora um dos primeiros núcleos de povoamento da América portuguesa, forma-se a partir de um porto natural guarnecido pela Barra de Santo Antônio e a Ilha de Itaparica. Com o passar dos séculos a cidade estende seus “braços” pela costa pondo a salvo de naufrágios e de ataques em sua enseada de águas tranquilas236. O seu relevo assimétrico, acidentado, marcado por vales e

234 Euterpe, segundo a mitologia clássica, era uma das nove musas criadas por Júpiter, responsáveis por um ramo

especial da literatura, da ciência e das artes. No caso da citada, era a musa da poesia lírica, e da música, sempre representa por uma flauta. (Cf. BULFINCH, Thomas. O livro de ouro da mitologia: (a idade da fábula): história de deuses e heróis. Rio de Janeiro: Ediouro publicações, 2002. p. 15).

235 Quadra popular cantada no século XIX. Cf. LEITÃO, op. cit., p. 85.

236 VILHENA, Luís dos Santos. A Bahia no século XVIII. v. 1. Salvador: Ed. Itapuã, 1969. p. 36. Luís dos Santos

Vilhena nasceu na vila de São Tiago de Cassino, em Portugal. Chegou em Salvador, em fins de 1787, como professor de grego. Foi autor de importantes trabalhos sobre a Bahia e o Brasil. Vilhena serviu ao exército por dez anos, em Setúbal, Portugal. Após sua baixa, foi aprovado para assumir a cátedra de grego, por volta de 1785, mas ficou doente. Após sua recuperação foi lhe oferecido o cargo na Cidade do Salvador. Ele ensinou grego na Bahia de 1787 a 1799, quando a cátedra foi extinta. Ele, então, foi jubilado (aposentado) com metade dos vencimentos. Além de ensinar, Vilhena inventou mecanismos para melhorar o desempenho de engenhos.

morros, até os dias de hoje divide a antiga capital do Estado do Brasil em duas cidades que se complementam, formando aquilo que chamamos de duas cidades em uma.

Salvador não fora uma cidade que, a todo tempo, obedeceu a um projeto urbano estruturado, com exceção em seus primórdios, onde havia uma regularidade de sua malha ao longo do século XVI237. Entre os seiscentos e os setecentos, com o incremento da produção açucareira oriunda de seu Recôncavo238 e a centralidade política que a cidade ocupa até o

governo pombalino239, suas ruas se espraiam a beira da escarpa e impõe aos colonos o desafio

de transpor essa muralha natural alcançando a segunda cumeada240. À medida que essa expansão se concretiza, a cidade vivencia a ousadia arquitetônica de engenheiros militares de formação acadêmica e de artífices, muitos deles homens de cor, que projetaram e ergueram com a mão de obra escrava e de homens livres e libertos que exercem ofícios mecânicos. Seus sobrados, casas térreas, templos e demais edifícios (alguns de evidente suntuosidade), que até

Começou a escrever suas famosas cartas em 1798, publicadas em 1802, mas nem todas chegaram até nós. Suas informações sobre a Cidade do Salvador são de valor inestimável. Também escreveu sobre Porto Alegre, Rio de Janeiro e sobre o Brasil, em geral. Morreu em Salvador, em 1814, aos 70 anos de idade e foi sepultado no convento de Santa Tereza no Hábito do Carmo. Sua esposa D. Maria Antônia faleceu em 1817, aos 45 anos. Como testemunha ocular das peculiaridades, dos problemas e das potencialidades da urbe baiana, ele nos oferta, em suas cartas direcionadas ao então Príncipe Regente D. João, informações valiosíssimas. Nelas são abordados, dentre outras coisas, aspectos sobre a administração, o comércio e o cotidiano das Cidades Baixa e Alta. Outro ponto que podemos observar em suas narrativas, é sua gana, seu desejo explícito em ser ouvido e quem sabe, tornar-se auxiliar na resolução de algumas questões, que na sua visão trazem prejuízo à cidade e lesam a augusta pessoa de seu Filopono. Para um maior entendimento sobre essa questão, ler: VILHENA, Luís dos Santos.

Recopilação de Notícias Soteropolitanas e Brasílicas. Apresentação, notas e comentários de Braz do Amaral.

Bahia: Imprensa Oficial do Estado, 1921. 3 vols.

237 TEIXEIRA, Manuel. “Portuguese Traditional Settlements: A result of cultural miscegenation”. In: Journal of

the International Association for the study of Traditional Environments. v. 1. n. 2, 1990, p. 27. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/23566249?seq=1#page_scan_tab_contents. Acesso em: 24 de dez. de 2017.

238 Stuart Schwartz problematiza que do período que vai de 1570 a 1620 há um crescimento vertiginoso da

estrutura que compõe a economia açucareira da Bahia, interligada por uma rede de caminhos terrestres e fluviais que partem de unidades de produção (engenhos) que se espraiam pelo Recôncavo baiano até a cidade de Salvador. Até a segunda metade do século XVII o contato entre os senhores de engenho do Recôncavo com a capital foi intenso, dada a proximidade e o interesse destes setores em participar dos espaços de poder como a Câmara do Senado. Neste sentido, grande parte destes, mantinha casas e laços familiares, no intuito de participar da vida social e reafirmar seu status nos espaços públicos. Ao longo dos dois primeiros séculos, a cidade assistiu um processo de expansão não só de sua malha urbana, devido ao crescimento populacional oriundo da economia açucareira, mas também a edificação de espaços de poder seculares e eclesiásticos que davam a cidade da Baía de Todos os Santos ares de uma “Lisboa nos Trópicos”. (Cf. SCWARTZ, Stuart. Segredos Internos: engenhos e escravos na sociedade colonial, 1500-1835. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. p. 79-82).

239 A transferência da capital do Estado do Brasil para o Rio de Janeiro, compõe o conjunto de medidas

reformistas instituídas pelo Marquês de Pombal em sua fase de maior prestígio no período que esteve no poder. O deslocamento do eixo político para a nova sede implicava: no controle mais efetivo sobre a produção aurífera, que encontrava-se em declínio; no fortalecimento das elites locais do Rio de Janeiro, que estavam em conexão com a região mineradora e com as diversas regiões fornecedoras de escravos na África Centro Ocidental; além de estabelecer a colonização efetiva do Sul e a proteção destes territórios. (Cf. BICALHO, Maria Fernanda. A

cidade e o império: o Rio de Janeiro no século XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 81-84). 240 ARAUJO, Anete Regis Castro de. Espaço privado moderno e relações sociais de gênero em Salvador: 1930-

1949. 2004, p. 38. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura, Universidade Federal da Bahia, Salvador.

os dias de hoje ofertam ao visitante à ilusão de que se equilibram em encostas íngremes e irregulares241.

Figura 7 - Detalhe do prospecto da Cidade da Bahia

Fonte: VILHENA, Luís dos Santos. Colecção de Plantas geográficas, ydrográficas, planos e prospectos

relativos a algumas das Cartas de notícias soteropolitanas e brasílicas 1801. f. 2.

Como podemos perceber na figura 7, a escarpa separa fisicamente as duas partes da cidade, sendo um marcador social, um divisor que transcreve sua linha sobre a organização do espaço urbano, semelhantemente, a outras cidades portuguesas mundo afora. O próprio Vilhena compara Salvador a Lisboa, em seu momento anterior ao terremoto (1755), com semelhantes irregularidades do traçado urbano, formado por um labirinto de becos, travessas e cantos estreitos e escuros242. Por ocupar a posição de segunda cidade mais importante do Estado do Brasil, seu comércio era dinâmico, em que se evidencia a grande circulação de gêneros entre os Sertões e os portos da Europa e da África. Essa vitalidade econômica no início dos oitocentos se materializava também no fomento de manufaturas (algo que foi possível após 1808) e na implementação de obras de modernização e embelezamento da cidade. Na administração de D. Marcos de Noronha e Brito (1810-1818), o 8º Conde dos Arcos, fundaram-se uma vidraria, uma tipografia, uma bolsa e um teatro; os passeios públicos foram embelezados e tornados mais espaçosos; foi fundada uma biblioteca, criadas escolas e incentivado, entre os habitantes, o gosto pela ciência243.

Segundo contemporâneos, na Cidade Baixa no início do século XIX concentrava grande parte das casas comerciais existentes na cidade. Neste espaço, parte dessa população era intrinsicamente ligada ao comércio de alimentos e de supérfluos. Além de que habitavam, até os primeiros anos dos oitocentos, a Freguesia da Conceição da Praia com suas lojas térreas

241 Cf. VILHENA, 1969, op. cit., p. 44. 242 Cf. VILHENA, 1969, op. cit., p. 111.

243 RUGENDAS, João Maurício. Viagem Pitoresca através do Brasil. São Paulo: Livraria Martins Editora, 1954.

e sobrados estreitos cujas frentes viravam-se para a rua e para as águas da baía. Havia um intenso trânsito de canoas e saveiros, em direção à praia, trazendo em suas proas farinha, feijão, carne-do-sertão, verduras e frutas vindas de regiões afastadas do Recôncavo da Bahia244. Grandes embarcações vindas de Portugal, e a posteriori, das “nações amigas”

traziam produtos manufaturados e artigos de luxo não produzidos em parte alguma desses Brasis245. Vale salientar, que antes da abertura dos portos já havia a entrada de produtos

estrangeiros por intermédio de barcos que ilegalmente teciam suas redes mercantis em território baiano com o auxílio da licenciosidade dos agentes aduaneiros. Assim, era constante o apresamento de embarcações no litoral devido às severas restrições. Constatando o avanço do nascente liberalismo econômico, Thomas Lindley, em meados de 1802, observa pelo contato com a aristocracia mercantil baiana o desejo urgente de uma maior liberdade comercial246. A Bahia, sendo seguida por Pernambuco, eram depois do Rio de Janeiro, as principais praças mercantis da América portuguesa neste período. Mesmo assim frente a fiscalização, a frouxidão de agentes da administração colonial, os quais muitas vezes agiam por interesse próprio, ocasionavam a atuação de homens ávidos por lucro e indiferentes ao fisco real, como salienta Vilhena247. Deste movimento parte o enriquecimento de parcela das elites comerciais assentadas na Bahia, que com a chegada da Corte e com o estabelecimento do Império irão compor os quadros políticos que atravessaram os oitocentos.

Ainda sobre a Cidade Baixa, é constante, na narrativa dos cronistas e dos viajantes, o ambiente de sujeira e insalubridade que pairava no ar das freguesias centrais. Ruas movimentadas e becos estreitos são igualmente imundos, onde se misturam toda sorte de comércio de secos e molhados. Víveres trazidos em pequenas embarcações dos arredores da cidade que iam diretamente para o tabuleiro dos vendeiros, animais exóticos vendidos à valores módicos, pedras semipreciosas negociadas por quitandeiros. Tudo isso vivido num

244 A cidade de Cachoeira além de entreposto comercial de produção de tabaco em tempos anteriores, é também

considerada a “porta” para os vastos Sertões baianos de onde desciam o gado direcionado ao abastecimento de Salvador e de onde partiam produtos trazidos de diversas partes do Império Ultramarino português que chegavam no porto de Salvador. Formando assim uma complexa rede de comércio que penetra nas reentrâncias do Recôncavo da Bahia até os torrões mais afastados. (Cf. VILHENA, 1969, op. cit., p. 42).

245 Em 07 de setembro de 1817, após participar de um baile em homenagem a D. Marcos Noronha e Brito (1771-

1828), 8º Conde dos Arcos e último vice-rei do Brasil que governada a Bahia desde 1810, registrava que: um

navio francês, há pouco chegado trouxer os objetos da moda e as toiletes, todas muito elegantes e bem talhadas.

(Cf. TOLLENARE, op. cit., p. 269).

246 LINDLEY, Thomas. Narrativas de uma viagem ao Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1969. p.

181.

247 VILHENA, 1969, op. cit., p. 56. E havia um amplo mercado consumidor para esses itens comercializados à

margem da regularidade. Segundo Thomas Lindley os votos de pobreza e abstinência tanto pelo clero regular, como o secular acabam sendo esquecidos pelas fragilidades humanas, dando vazão a uma vida mundana e livre por parte daqueles que deveriam ser exemplo para a população soteropolitana. Ao ser convidado para um jantar com frades pode se esbanjar nos vinhos franceses e cerveja vinda de Londres, conseguidas por intermediários, através de contrabando. (Cf. LINDLEY, op. cit., p. 169).

cenário indigesto, onde o esgoto corria a céu aberto248. Segundo Rugendas, que esteve na cidade na segunda década dos oitocentos, a maior parte das casas, eram sobrados que variavam, de três a cinco andares, com poucas janelas e, consequentemente mal arejadas249. Essa parte da cidade concentrava a maior soma da população pobre da cidade. Eram cativos e libertos que se amontoavam nesses sobrados, trabalhavam dentro ou nas bordas da dinâmica portuária ou, ainda, viviam de mendicância, pois a súplica à caridade alheia era um meio de subsistência constate entre adultos e crianças que faziam disto meio de vida, segundo estudo clássico feito por Walter Fraga250. Logo, a Cidade Baixa se convencionava como um lócus de profusão de sons, sabores, odores e formas que deixariam qualquer estrangeiro atordoado. Tal cenário repeliu os membros das elites locais ou pessoas em trânsito por Salvador para o aconchego da parte alta da cidade. Ir a parte baixa era um sacrifício imposto pelos compromissos pendentes e negócios alçados pela dinâmica portuária. Inclusive, o fluxo de embarcações vindos da costa africana, ou de outros portos da colônia transformavam a Cidade Baixa num grande mercado negreiro, com vários pontos de venda nas ruas e largos da estreita faixa de terra. Armazéns guardavam em seu interior açúcar, melaço, aguardente, algodão, café, tabaco, couro e atanados. Produtos que ainda encontravam espaço no mercado internacional e eram trocados por importações vindas da Europa, África e Índia, tais como: sedas, panos-da-costa, ferramentas, condimentos, vinho, azeite de oliva e de palma, bacalhau salgado, nós-de-cola e etc. Tudo que era necessário para abastecer as casas baianas e os navios que utilizavam a cidade como entreposto, ou fim de rota. Comércio que se diversifica com o avançar da segunda década, pois artigos de luxo, roupas, mobília, maquinário enchem esses armazéns, e rapidamente, invadem a casa e os empreendimentos da burguesia comercial soteropolitana.

Atualmente a ligação entre as partes da cidade é realizada desde início de 1870 através dos primeiros elevadores251. Nas décadas seguintes, houve a instalação dos planos inclinados

248 AUGEL, Moema Parente. Visitantes estrangeiros na Bahia oitocentista. 1975, p. 151-153. Dissertação

(Mestrado em Ciências Humanas) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador.

249 RUGENDAS, v. I, op. cit., p. 52.

250 FILHO FRAGA, Walter. Mendigos e Vadios na Bahia do século XIX. 1994. p. 13-14. Dissertação (Mestrado

em História) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador.

251 Entre 1869 e 1873, a Companhia Transportes Urbanos (nova denominação da Antônio de Lacerda & Cia.)

construiu um elevador hidráulico de 63 metros de altura ligando a Praça do Palácio. Em 1896 foi inaugurado o do Taboão, também chamado com o Elevador da Balança por utilizar o contrapeso para realizar o transporte de passageiros e cargas. Antes mesmo deste segundo elevador, em 1889 foi construído o Plano Inclinado Isabel no local do antigo Guindaste dos Padres ao fundo da Igreja que pertencerá ao Jesuítas. Para maiores detalhes sobre a historicidade destes meios de transporte ver: (Cf. ANDRADE JÚNIOR, Nivaldo Vieira de. A rede de ascensores

que viabilizaram a maior circulação de pessoas e mercadorias. Contudo, nas primeiras décadas dos oitocentos, o acesso entre a Cidade Baixa e Alta se dava através de meia dúzia de íngremes rampas e ladeiras, algumas das quais sem calçamento de pedras cuja lama que se formava em dias de chuva tornava o tráfego uma tarefa hercúlea. Dentre as tais calçadas, se destacam: a da Conceição da Praia, da Misericórdia e da Preguiça, sendo essa última o caminho obrigatório para escravos que conduziam mercadorias oriundas dos navios, e feitores que mantinham a vigilância sobre os trabalhadores. Tudo para evitar desvios de carga, morosidade no transporte, ou até mesmo conflitos entre os cativos de etnias diferentes252, algo corriqueira devido a diversidade étnica entre os africanos escravizados. Nos lombos de animais ou sobre as costas dos escravos de ganho, o transporte de pessoas era realizado através de cadeirinha de arruar, redes, palanquins, padiolas e liteiras que, geralmente, conduziam fidalgos, magistrados, professores notáveis, senhores de engenho, comerciantes, cônegos e vigários aos seus destinos. O fato de ser transportado nesse contexto figura como símbolo distintivo de abastança. As mulheres das elites que moravam na parte alta da cidade também se valiam deste meio de transporte em ocasião de incursões no comércio de miudezas ou em suas idas as lojas que ficavam na parte baixa da cidade, como as que localizadas nos logradouros da Conceição da Praia e do Pilar.

Enquanto isso, o centro do poder temporal e secular da cidade e a residência das antigas elites fundiárias se concentravam na área central da Cidade Alta. Essa concentração aristocrática remonta a segunda metade do XVI, quando os senhores de engenho dos arrabaldes e do Recôncavo possuíam aí suas moradias que viabilizavam sua participação na vida social em comemorações religiosas e políticas. Aí encontrava-se a antiga Sé de Salvador253 e a Sede do Arcebispado, o que restou do complexo Jesuíta, o Tribunal da http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/VI_coloquio_t5_rede_ascensores_urbanos.pdf. Acesso em: 13 de out. de 2018).

252 A origem do nome está relacionada aos estigmas lançados sobre os escravos da cidade, segundo os olhares

senhoriais da época. Os favorecidos sociais se divertiam desdenhando dos cativos que carregavam os fardos nas costas através da inclinação. As estratégias de resistência dos cativos em tratar o trabalho com morosidade, ou mesmo o abandono desse trabalho de estiva serve para construir desde esse período a ideia da leniência baiana, perpetuando assim tal impropério. Para um maior entendimento sobre o tema indicamos: ZANLORENZI, Elisete. O mito da preguiça baiana. 1998. Tese (Doutorado em Antropologia Social) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo.

253 A primeira Sé fora construída em arquitetura rudimentar nos primeiros anos de conquista quando da chegada

de Tomé de Souza à Bahia em 1549, sendo erguida onde hoje é a Igreja de Nossa Senhora da Ajuda. Em 1570, durante o governo Mem de Sá, se inicia a construção do novo prédio um sítio mais afastado, sendo o prédio demolido e reformado durante o século XVII alterando completamente seus elementos arquitetônicos iniciais mais funcionais, para a profusão de detalhes inerente ao barroco. Após suportar a invasão holandesa à Bahia e inúmeras transformações arquitetônicas e até mesmo o abandono pela ausência de um bispo, a velha Sé sucumbiu a ânsia modernizadora do início do século XX, sendo demolida no ano de 1933. (Cf. LINS, Eugênio de Ávila. A antiga Sé da Bahia: uma referência para a arte luso-brasileira. In: Anais do Congresso do Internacional do Barroco. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2003. p. 183-195. Disponível

Relação, a Cadeia e Câmara, o velho Palácio dos Governadores. Mesmo com o relevo acidentado e possuindo diversas vielas, a parte alta da cidade era dotada de ruas largas e com uma movimentação inferior se comparada a zona portuária. Nela, os viajantes puderam notar as casas decentes e despidas das tristes grades mourescas que se observam com tanta frequência em Pernambuco254. A partir de 1808 aumenta o fluxo de comerciantes estrangeiros que se mudaram para aquela que consideravam a parte mais salutar e atraente da cidade, principalmente nas proximidades da Igreja de Nossa Senhora da Vitória, onde também a elite baiana se fixava. Além de ser um seguro ponto de hospedagem aos viajantes em passagem que não encontravam estalagem decente e cômoda em outra parte da cidade, como fora o caso de Tollenare255. Os que não possuíam grandes cabedais, dentre eles: homens livres empobrecidos ligados aos oficiais mecânicos ou as atividades liberais, viviam ao norte da área central, até os limites de Santo Antônio além do Carmo. Segundo Richard Graham:

O bairro incluía mercearias, alfaiatarias, residências de funcionários públicos e de profissionais, e casas que agricultores locais mantinham na cidade. Outro bairro de classe média acabou surgindo além de um vale a leste, em

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