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Fonte: Arquivo Pessoal. Tirada do disco Eu não sou Santo, em 04/11/1998.

Tudo isto faz do Rap um veículo musical de influências que compõem um conjunto de identidades que poderíamos chamar de identidade étnica, pois, ao buscar releituras musicais em fontes artísticas que têm a ver com a sua história, o Rapper procura dar evidência ao que foi falado há tempos atrás e que hoje, no seu discurso poético, ele revigora através do sampler eletrônico, recortando e colando no seu Rap partes das músicas que retratam o tema abordado. Um exemplo disto é a música de Jorge Ben “Zumbi”, que destaca a expressão e importância de um guerreiro negro líder do movimento de libertação dos negros escravizados no Brasil ocorrido no séc. XVIII no Quilombo dos Palmares, Nordeste do Brasil e que se tornou símbolo para a música preta brasileira.

Nesta perspectiva, existe uma identidade coletiva e étnica, que Melucci (2001, p.113) assim analisa: “a identidade étnica, com suas redes de solidariedade e com o seu patrimônio de história, fornece as linguagens, os símbolos, os meios organizativos para dar voz aos novos conflitos”. Esta análise reforça a minha visão sobre o reconhecimento que a juventude negra tem da sua identidade e a busca contínua para que esta se torne coletiva.

O Rapper Cassiano Pedra, um dos pioneiros do movimento Hip-Hop paraibano na cidade de João Pessoa, ao discorrer sobre a cultura nordestina que envolve o Rap e o seu modo de ser jovem negro na periferia de João pessoa, inicia já soltando as letras de um dos seus Raps denominado “autonomia é a chave” (2004), em que ele diz:

os velhos filhos de Zumbi estão por aqui e só senti cabra da peste oxente bichim

Neste verso, Cassiano Pedra diz que a sua intenção é dar visão à cultura negra nordestina, pois foi daqui que saiu o grande líder Zumbi dos Palmares e, fazendo esta valorização com o próprio sotaque nordestino, ele ainda assinala a importância de entendermos o repente nordestino como resistência:

eu acho o repente uma revolução do caralho de resistência, para mim o repente foi a criação do Rap aqui, só que o Rap veio do norte americano e os nordestinos começaram a absorver o Rap e mesclaram com o repente tá ligado! Então quando você vê um nordestino cantando Rap você se liga que ele tem uma raiz lá atrás, ou seja, tá na alma todos os dois, saca? (CASSIANO PEDRA 2008).

Cassiano Pedra no seu percurso como Rapper acredita que o Rap trouxe para sua vida a efervescência da cultura nordestina e comenta que, a partir do momento em que se engajou no Hip-Hop, ele começou a trazer lembranças das cantorias das feiras, reisados, lapinhas e outras manifestações da cultura popular nordestina. Para ele, o Rap dá lugar e voz a quem convive na “marginalidade”: sem emprego, educação, saúde e respeito, o próprio afirma que se não fosse o Rap:

eu poderia estar numa cadeira de roda irmão saca; eu já fiz muita coisa errada, mas o Rap me levou para outros lugares, hoje eu posso trabalhar com oficinas para jovens na periferia, e não ver os irmãos na pedra, no crime, é com a revolução do Hip-Hop que você cresce meu irmão, tá ligado, a idéia é que pra mim o Hip-Hop é tudo, porra, porque hoje eu tenho autonomia (CASSIANO PEDRA, 2008).

Com esta fala, Cassiano Pedra deixa visível que o Hip-Hop foi crucial para sua formação como jovem negro, que viu no Rap a alternativa de uma vida digna conduzida pela arte. Seus desdobramentos o tornaram, hoje, um pai de família que, embora enfrente

ainda a dificuldade financeira, sente-se recompensado por ter acreditado no poder do Rap para a sua educação e por ter ajudado a disseminar a cultura Hip-Hop em João Pessoa, tornando-se um sujeito autônomo, como ele mesmo afirma. Além disto, Cassiano Pedra tem a sua história como Rapper imortalizada ao lado da história dos demais nomes nacionais, como Mano Brown, Thaide e Dj Hum, Nelson Triunfo. Isto pode ser constatado nas páginas oitenta e nove e noventa do livro “Hip-Hop - a periferia grita”, das autoras Janaína Rocha, Mirella Domenich e Patrícia Casseano, editado no ano de 2001, onde as autoras narram a visita do Rapper Paraibano à Rádio Favela FM, da cidade de Belo Horizonte, percussora a vinte cinco anos do movimento Hip-Hop brasileiro.

O livro “Hip-Hop a periferia grita” traz todo um histórico do movimento Hip-Hop no Brasil, como se fosse um inventário da cultura Hip-Hop brasileira, colocando em evidência aqueles que nasceram juntos com o movimento e sobrevivem nele até hoje. Segundo Rocha, Domenich e Casseano (2001, p.89-90):

o paraibano Cassiano Pedra fez diferente: em vez de mandar uma fita, foi lá conferir. Estava em Belo Horizonte para participar de um Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE) e não perdeu a oportunidade de visitar a rádio.

[....] estava deslumbrado e louco para cantar o seu Rap. Quando a vez de Cassiano Pedra chegou, ele não perdeu tempo em deixar seu recado “eu vou tentar mandar um som daqui porque a minha vida está difícil”, disse Cassiano. “Mas quero mostrar pra todo mundo que na Paraíba também tem Hip-Hop de raiz”, completou, antes de cantar: “a vida tá muito difícil/ o mundo tá piorando/ [...] mas a culpa é de todos nós/que votamos nuns safados”.

Esta passagem participativa nesta obra do Rapper Paraibano Cassiano Pedra nos mostra o reconhecimento que os integrantes do movimento Hip-Hop brasileiro tem dos meios de comunicação comunitários, aos quais sempre estiveram colados. Com o objetivo dessa manifestação, mesmo morando em João Pessoa-PB, Casseano fez questão de realizar sua vontade e desejo de missão como o Rapper e relatou: “Mano era para a gente tá no Congresso, só que eu não fui bobo e dei uma fugidinha para conhecer a Rádio Favela”. Para este Rapper, a viagem para o Congresso da UNE foi também muito válida: “pude participar, inclusive, da palestra do líder cubano Fidel Castro no Ginásio do Mineirinho e trazer esta experiência aqui para os mano da Paraíba”, conta Cassiano Pedra.