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Capítulo 1 – O JONGO DA TAMANDARÉ: EU VENHO DE MUITO LONGE

1.2 Santa Cruz do Canjarra

No início da formação das festas e das práticas de jongo no Tamandaré havia um contato e um relacionamento entre os moradores do bairro com alguns moradores da região dos Mottas. Como citada, essa região foi responsável, no passado, pelas práticas do jongo e por ter sido habitada pelos antepassados dos membros da comunidade do Tamandaré, na época da escravidão. Entre esses moradores da região dos Mottas, havia um jongueiro conhecido como Canjarra, amigo dos jongueiros da Tamandaré. Segundo os relatos do jongueiro Jefinho, o Canjarra era amigo de seu avô Benedito Prudente, conhecido como Dito Prudente. No final de uma noite de festas do jongo na Tamandaré, Canjarra estava retornando para a região dos Mottas onde morava; na manhã seguinte, foi encontrado morto na beira da estrada. A partir de então, em homenagem a esse jongueiro, construíram uma Santa Cruz na beira da estrada, perto do local onde ele fora achado morto e, por muitos anos, os jongueiros da comunidade da Tamandaré faziam procissões saindo do bairro em direção à Santa Cruz. No local, era realizado um terço para a alma do falecido. Esse fato vai alterar a configuração e a dinâmica dos festejos na comunidade, uma vez que o terço era rezado na casa da família do patriarca do jongo na comunidade da Tamandaré: o senhor Pedro Henrique.

Sobre esse ocorrido com Canjarra da região dos Mottas, o jongueiro Jefinho, relembrando o que seu avô Dito Prudente contava, relata que:

55 KISHIMOTO, Alexandre; TRONCARELLI, Maria Cristina. O Jongo do Tamandaré: Guaratinguetá-SP. São

Assim uns amigos trocando uma ideias e tal, rezaram uma hora e foram lá para a roda de jongo até que um deles morreu, um dos jongueiros que não morava nem na Tamandaré, morava lá na estrada dos Mottas, numa zona rural aqui perto ai esse amigo morreu, ai os jongueiros começaram a fazer a reza lá na Santa Cruz desse amigo ai virou tradição de não rezar lá na casa mais, vamos rezar lá e ai rezava no pé da Santa Cruz eles iam saiam da Tamandaré em procissão todo mundo, os jongueiros rezavam lá faziam a oração, para esse jongueiro já falecido esse amigo deles que era da roça acabava, eles juntavam de novo em ladainha e ai continuavam o jongo56.

Jefinho relata, ainda sobre o jongueiro Canjarra, que havia histórias de que ele havia sido emboscado e morto em seu retorno para a casa, saindo de uma festa de jongo na Tamandaré. O local onde ficava a Santa Cruz, erguida em homenagem ao Canjarra, virou uma capelinha de orações onde os jongueiros, amigos do falecido, acendiam velas e faziam orações.

Outro fato relacionado à Santa Cruz do Canjarra, local onde os jongueiros da comunidade do Tamandaré rendiam suas homenagens póstumas ao jongueiro falecido, diz respeito à organização dessas manifestações. Com o crescimento dessa tradição de rezas, orações e procissões, alguns moradores, que não viam o jongo com bons olhos, o aliaram às práticas espirituais do Candomblé e da Umbanda. Esses moradores se queixaram ao padre (vigário) da Matriz de Santo Antônio, principal igreja da cidade de Guaratinguetá, localizada no centro da cidade. Sobre esse fato o jongueiro Jefinho relata que:

[...] tivemos um problema com a igreja, que a igreja achava ruim o uso dai (santa cruz), do povo rezar numa santa cruz aí não tinha igreja no bairro então fizeram uma igreja para que o povo não fosse mais rezar na santa cruz. O vigário mandava vigiar os jongueiros, para que os jongueiros não fossem mais lá, que jongueiro tinha que rezar na igreja, então foi assim que foi o começo de tudo dessa festa, começou assim, por isso que tem essa tradição da reza, então reza primeiro para depois fazer a festa57.

As reclamações eram relacionadas às atividades e organização de procissões à Santa Cruz do Canjarra. Ao que nos parece, essas manifestações de orações e terços rezados no local nos remetem a algumas práticas do catolicismo popular e, por este motivo, as reclamações dos moradores foram acatadas pelo vigário.

No bairro do Tamandaré não havia nenhuma capela ou igreja construída e assistida pela Igreja Católica, representada, em Guaratinguetá, pela Paróquia de Santo Antônio. Os moradores católicos do bairro, para participarem das missas, tinham que se dirigir à matriz de Santo Antônio. Ainda sobre a capelinha erigida na Santa Cruz do Canjarra pelos próprios

56 Depoimento concedido pelo jongueiro Jéferson Alves de Oliveira (conhecido como Jefinho) na Comunidade

da Tamandaré, em Abril de 2014 para o autor dessa dissertação.

57 Depoimento concedido pelo jongueiro Jéferson Alves de Oliveira (conhecido como Jefinho) na Comunidade

moradores e jongueiros do Tamandaré, frequentada durante as festas do jongo no bairro. Quem realizava as orações nessa capelinha era o senhor José Antônio Marcondes, conhecido na comunidade como Zezinho Capelão, pai de um dos principais jongueiros atuais da Tamandaré, o Totonho.

Das reclamações feitas pelos moradores sobre a Santa Cruz do Canjarra, endossadas pelo então vigário da Paróquia de Santo Antônio e atendidas pela Arquidiocese de Aparecida construíram uma igreja no bairro da Tamandaré cujo santo patrono escolhido para a comunidade foi São Francisco, igreja e comunidade de São Francisco. Durante as missas realizadas todos os domingos à noite na igreja, o padre aproveitava a presença dos membros católicos da comunidade da Tamandaré para pedir, durante as suas homilias, para que esses membros católicos da comunidade não participassem desses terços e procissões na capelinha da Santa Cruz do Canjarra.