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Saudade com esperança e saudade doedora ou Saudade por distância e

4 DAS SAUDADES VIVAS NO SERTÃO

4.2 BORDANDO ANALITICAMENTE SAUDADES

4.2.1 Sentidos da saudade

4.2.1.2 Saudade com esperança e saudade doedora ou Saudade por distância e

Em relação à saudade de pessoas, é importante ressaltar que não são todas que deixam saudades, mas aquelas cuja qualificação social é avaliada positivamente, como aponta DaMatta (1993). Assim, pude notar que as histórias sobre saudade que se referem a pessoas são contadas a partir da natureza de sua ausência, seja por morte, seja por distância, isto é, saudades irreparáveis e saudades saciáveis, respectivamente (GEBARA, 2010).

As saudades voltadas para pessoas que podem ser revistas foram compreendidas como “saudades com esperança” e as saudades de pessoas que já morreram foram compreendidas como “saudades mais doedoras”, de acordo com Dona Artemis. As “saudades com esperança” são aquelas, geralmente, voltadas para os entes queridos ou amigos de infância que estão ausentes por terem migrado em busca de condições melhores de vida, sobretudo para a São Paulo, Minas Gerais e Mato Grosso para o trabalho no corte de cana. Assim, a migração aparece, segundo Maria de Nazareth Wanderley (2009), não como uma falta de vínculo ao território familiar, mas como uma possibilidade de reconstituição do patrimônio familiar camponês, ainda que em um local distante.

Já as “saudades doedoras”, mesmo envolvendo uma dor intensa pela impossibilidade de rever a pessoa amada, conferem ainda uma forma de “produzir saudade positivamente, como no caso de comunidades rurais do Sertão” (OLIVEIRA, 2014, p. 110). As saudades em relação às pessoas que já faleceram parecem ter uma expressão de intensidade que seguem uma lógica de comunidades relacionais (DAMATTA, 1997), tendo a família como referência afetiva e de trabalho, assim como pessoas que são consideradas próximas, como amigos, vizinhos ou companheiros de trabalho e de movimentos sociais.

De acordo com o Quadro 4 (Apêndice D), no caso das histórias analisadas, pode-se chamar atenção para figuras recorrentes como alvo da saudade no Sertão, como a mãe, o pai, irmãos, amigos e vizinhos, o que parece ser alimentado pelo funcionamento relacional das comunidades. Nesse sentido, as reflexões de José Carlos Brandão (1986) oferecem subsídios para compreender como as pessoas-alvo da saudade são construídas também a partir de uma ética camponesa relacionada ao catolicismo rústico a partir dos preceitos sociais de respeito aos mais velhos e respeito à família.

Os familiares, amigos e vizinhos são pessoas cuja dimensão social é indicadora de importância pela dimensão relacional que, podendo ser pensados, a partir das contribuições de Mísia Reensink (2012), como componentes da categoria “entes queridos”. Desse modo, ao se conjecturar a importância social dos “entes queridos”, é possível compreender como a categoria saudade é articulada para dar conta de demandas que são sentimentais e são também voltadas para a manutenção das relações sociais das comunidades rurais do Sertão. De acordo com Dona Aline, o alvo da saudade:

Geralmente, são as pessoas que estiveram próximas, pelo menos comigo funciona assim. No momento que estiver ausente, vai proporcionar esse sentimento de saudade. Seja uma amiga, seja uma pessoa que foi e continua sendo importante na minha vida. É muito mais forte quando é uma pessoa que está mais próxima da tua vida.

Vale chamar atenção para duas pessoas que tiveram destaque nas histórias contadas por Dona Artemis, Dona Hilda e Dona Aline: Netinha, como gostavam de chamar Vanete Almeida, e Manoel Santos.

Vanete foi uma líder feminista proeminente na região, trabalhou pelos direitos das mulheres trabalhadoras rurais desde a década de 1980, atuou no Movimento de Trabalhadoras Rurais do Sertão Central (MMTR), foi coordenadora internacional da Rede de Mulheres Rurais da América Latina e do Caribe (Rede Lac), integrou o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), foi indicada junto com outras 51 mulheres do Brasil ao Prêmio Nobel da Paz em 2005, foi presidenta do Centro de Educação Comunitária Rural (CECOR), sediado em Serra Talhada, e faleceu em 11 de setembro de 2012 em decorrência de complicações de câncer de mama.

A importância social de Vanete no Sertão é inegável e sua aproximação com as lutas do campo e pelos direitos das mulheres trabalhadoras rurais a tornou uma forte referência não só como militante, mas também, de acordo Dona Artemis, um modelo a ser seguido.

Vanete Almeida, por exemplo, é uma pessoa que toda vez que a gente fala se emociona. Era uma pessoa que a gente amava muito. Ela nos cativou e nos deixou cheia de amor por ela. Nas reuniões das mulheres, na abertura, não tem jeito das lágrimas não caírem por causa de Netinha. Quando é abertura de tudo, eu choro. É o que dá e a gente se alivia e toca o barco.

Já Manoel Santos, foi presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAg), o primeiro secretário rural da Central Única dos Trabalhadores (CUT), foi dirigente-fundador do Partido dos Trabalhadores (PT) em Pernambuco e deputado estadual também pelo PT. Assim, Manoel Santos também foi uma pessoa de grande importância e que é, por vezes, lembrado nas narrativas de saudade como alguém que contribuiu para o crescimento social, econômico e político da região, conforme ilustra Dona Artemis:

Toda abertura da FETAPE se faz homenagem para ele. Inclusive dia 19 de abril, que é o aniversário de morte dele. Eles colocam o vídeo e aquilo ali não tem jeito pra umas lágrimas não caírem. Quando vem as bandeiras, as fotos, o cântico e aqueles gritos “Manoel Santos presente”, a emoção cresce. Até o hino da FETAPE me faz chorar porque faz recordar tanta gente que já se foi e lutou por aquela entidade.

Desse modo, a saudade de familiares, amigos, vizinhos, ou como chama Mísia Reensink (2012) dos ‘entes queridos’, Vanete Almeida e Manoel Santos parece seguir os preceitos de uma ética social de comunidades relacionais, como o caso das comunidades rurais de Santa Cruz da Baixa Verde, e que vem a fortalecer as relações sociais na região a partir do reconhecimento de importância dos mesmos via saudade e lembrança.