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Descrição

O texto apresenta duas questões que convidam o leitor a uma discussão, ou, como os próprios autores dizem: a uma pequena reflexão. As questões são as seguintes:

Questão 1 – Suponha que você esteja tentando explicar ‘número negativo’ a alguém que nunca tenha tido contato com o conceito e você se depara com o comentário:

‘números negativos não podem existir porque não podemos ter menos que nada’

Como você responderia?

Questão 2 – ‘O conjunto dos números naturais 1, 2, 3, 4, ... etc. é infinito’. Dê uma explicação ao significado da palavra ‘infinito’ neste contexto. (BARONI; NASCIMENTO, 2005, p. 5, aspas no original)

A seguir, o Material apresenta um trecho do poeta português Fernando Pessoa que, usando dois de seus heteronômios, Álvaro de Campos e Alberto Caeiro, apresenta uma conversa entre esses personagens.

A partir da leitura do “Texto” como se referem os autores, o leitor é convidado a repensar nas respostas das questões propostas anteriormente. E, caso ocorram mudanças, os autores sugerem que o leitor as registre.

Em seguida, os autores colocam que, numa determinada ocasião, alguns alunos teceram os seguintes comentários sobre o “Texto”:

“Uma pequena discussão sobre Obras em Prosa de Fernando Pessoa .

Esse pequeno texto é uma conversa entre Álvaro de Campos e seu mestre Caeiro (dois dos heterônimos de Fernando Pessoa) a respeito de conceito. Esse diálogo fomenta algumas discussões na disciplina, tendo em vista que algumas das idéias giram em torno do conceito de número e de infinito. Os personagens do texto discutem também a idéia de generalização e particularização, idéia essa constantemente utilizada em Matemática.

A idéia de limite também está presente no texto de Fernando Pessoa: a existência de algo só era concebida por mestre Caeiro se este algo fosse limitado, tivesse contornos. Nesse ponto, pode ser introduzida uma discussão acerca dos domínios sobre os quais estão os participantes de um diálogo, percebendo no movimento das argumentações a mudança no campo de conhecimento a que se pertencia inicialmente.

O que se perseguiu durante o curso foi tentar olhar os conceitos matemáticos como se fosse a primeira vez que os víamos – desenraizados de nossas crenças. É da leitura desse texto que se obtém a primeira discussão sobre o que se pensa sobre infinito, e como abordar esse assunto em Matemática.”

Você concorda? Tem algo a acrescentar? (BARONI;

NASCIMENTO, 2005, p. 9-10, grifo e aspas no original)

A seção é encerrada com o trecho acima.

Discussão

Em relação às questões que são apresentadas para o leitor logo no início da seção, acredito, assim como MOREIRA (2004), que questões dessa natureza suscitam da prática pedagógica de um professor de Matemática e que, portanto, é pertinente que uma discussão ampla em torno delas aconteça e o fato do Material trazê-las diretamente é uma propriedade.

No que se refere ao “Texto” de Fernando Pessoa, quero colocar que, desde a primeira leitura que fiz, percebi a relevância da sua apresentação nesse momento do Material e, mais fortemente, quando assisti à discussão na sala de aula. Antes mesmo de tecer qualquer comentário sobre o texto, explicito a tamanha importância que considero dessa iniciativa dos autores, de inserirem numa aula de Matemática um texto tão atípico, já que o assunto em questão é a Matemática.

Esta atitude ilustra o fato de que formas diferentes de conduzir uma aula de Matemática possam ser passíveis de acontecer. Em geral, uma aula de Matemática considera textos especificamente de conteúdo matemático e esta atitude mostrou que mudanças podem ocorrer neste sentido. Não somente com o intuito de “fazer algo diferente”, mas, como os próprios alunos disseram, “de modo interessante”, uma aula de matemática pôde ser desenvolvida. Espero que essa tenha sido a intenção dos autores, a partir do momento em que observei por vias diretas essa mudança e os resultados positivos que a mesma trouxe.

Mais ainda: a presença do “Texto” no Material provocou uma larga discussão, possibilitando que diferentes questões ligadas à prática docente viessem à tona, mesmo sem a intenção de, por exemplo, apresentar soluções, ou apresentar algum tratamento desses conceitos na prática do professor na sala de aula.

Considerada a relevância deste “Texto” no Material, apresento alguns fragmentos, juntamente com algumas considerações, em concordância com a percepção/interpretação que tivemos, em especial a esse trecho do Material.

O “Texto” começa com a colocação:

Referindo-me, uma vez, ao conceito direto das coisas, que caracteriza a sensibilidade de Caiero, citei-lhe, com perversidade amiga, que Wordsworth designa um insensível pela expressão: “A primrose by river’s brim

A yellow primrose was to him, And it was nothing more.”

E traduzi (omitindo a tradução exata de “primrose”, pois não sei nomes de flores nem de plantas): "Uma flor à margem do rio para ele era uma flor amarela e não era mais nada”.

O meu mestre Caeiro riu. “Esse simples via bem: uma flor amarela não é realmente senão uma flor amarela”.

Mas, de repente, pensou.

“Há uma diferença”, acrescentou. “Depende se considera a flor amarela como uma das várias flores amarela, ou como aquela flor amarela só”.

Um dos elementos que o Texto me leva a considerar é a importância/necessidade da reflexão do que lemos/vemos, contrárias à atitude da crença a partir do que um primeiro olhar possa trazer para as coisas, quer sejam elas os objetos matemáticos a serem considerados no Material. E, como conseqüência dessa reflexão para o poeta, vem a frase: “Depende se considera a flor amarela como

uma das várias flores amarelas, ou como aquela flor amarela só” (PESSOA apud BARONI e NASCIMENTO, 2005, p. 6), que traz imbricada nessas palavras a idéia de generalização/particularização. Essas foram também algumas das idéias presentes à discussão realizada nessa aula.

A frase “Toda coisa que vemos, devemos vê-la sempre pela primeira vez, porque

realmente é a primeira vez que a vemos.” (PESSOA apud BARONI e NASCIMENTO, 2005, p.6) traz para mim uma mensagem no sentido de adotar uma postura perante o modo de pensar/conduzir a forma pela qual devemos olhar para os conceitos/relações tratadas no texto, em especial o “número”. Considero esse movimento como um desestruturar das concepções do aluno sobre “número”, proporcionando, ao mesmo tempo, um repensar sobre esse ente matemático. Mas esse pensar, imbuído de conceitos matemáticos adjacentes ao número, de forma expressiva, considerando que, provavelmente, esse tema tenha sido tratado de forma fragmentada, porém natural, na formação do professor, aluno da dsiciplina. Em convergência com os dados obtidos nas Entrevistas, exponho essa minha interpretação, e destaco um fragmento da fala do Professor P1, colocando de forma positiva a sua opinião sobre esse movimento de desestruturação, ao qual ele se refere como um reconstruir partindo de um

desconstruir.

“A outra questão que foi muito difícil pra todos, foi o reconstruir partindo de um

desconstruir... Esse processo é um processo muito bom, eu acho muito interessante pra ser feito.” (P1)

Mais adiante o Texto traz a frase “Vou definir isto da maneira em que se definem as coisas indefiníveis – pela cobardia do exemplo.” (PESSOA apud BARONI; NASCIMENTO, 2005, p.6). Inicialmente, interpretei a palavra cobardia usada de forma pejorativa. Entretanto, ela me levou a refletir sobre a forma que costumeiramente agimos no senso comum ou até na sala de aula em determinadas situações. Também pude observar esse comentário por parte de alguns alunos por meio das suas falas no momento da discussão do Texto durante a aula.

Trazendo à tona o “conceito de infinito”, o “Texto” chama a atenção para a repugnância dos gregos em relação ao infinito. Embora não acrescente nada a essa contenda, novamente favorece que essa seja uma das idéias a serem repensadas/destacadas na discussão do Material e, de um modo extremamente frutífero, essa discussão proporcionou o aparecimento de outras idéias. Refiro-me aqui ao que presenciei em sala de aula, como, por exemplo, a palavra contextualização, que foi um tema amplamente discutido. Questões como as dificuldades que os professores da Educação Básica enfrentam para estabelecer conceitos e regras da Matemática que, segundo eles, não permitem contextualização com situações do dia-a-dia.

Para encerrar a discussão do Texto, juntamente ao término dessa aula, a Professora fez algumas considerações, de forma que os alunos tivessem claro que o número, ali, ocupava papel principal na disciplina e que o objetivo maior daquela aula seria exatamente mostrar isso. Mais ainda, que deveríamos ver o número como se fosse a primeira vez que o víssemos. Acredito que o “Texto” apresentado no Material certamente desempenhou esse papel. Ela acrescentou, ainda, que, embora a disciplina não apresentasse algo inédito, colocou que:

“Nesta disciplina, vamos... parar e pensar nesse objeto matemático. Quando

fazemos isso revelam-se coisas que não havíamos pensado antes. Vamos ver o número como se fosse a primeira vez que o vemos. O que veremos nessa

disciplina não é novo, mas a forma com que veremos é diferente. O texto vai trazer questões sobre as quais pensar é interessante...” (Professora)

Certamente o entrevistado P4 percorreu esse caminho, pois, ao final de sua entrevista, manifestou-se dizendo:

“às vezes, é mais importante ao invés de você trilhar novos caminhos, você olhar

com outros olhos os caminhos que você tem”. (P4)

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