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3.2 CRISTAL

3.2.2 Seção A

A seção A abrange os compassos 14 ao 33, divididos em quatro frases de quatro compassos: primeira frase do compasso 14 ao 17, segunda frase do compasso 18 ao 21, terceira frase do compasso 22 ao 25 e a última frase da seção vai do compasso 26 ao 29, conduzindo para a repetição da seção A. Em seguida, a seção é repetida literalmente, com exceção da última frase, que torna-se então conclusiva no compasso 31 (casa 2), com a sensível si resolvendo na fundamental dó. A transcrição da peça nos serve como suporte para a análise, onde também foram grafadas as acentuações da pulsação elementar (figura 34).

Esta seção apresenta diversos aspectos contrastantes em relação à seção anterior. Em primeiro lugar, a peça finalmente assume feições típicas do choro, onde algumas características do gênero descritas por Almeida (1999) são identificadas, como por exemplo, o baixo melódico nos compassos 15, 32 e 33; e o baixo condutor harmônico na figuração rítmica da “síncope explícita” (ibid. p. 136) que conduzem as fundamentais e terças dos acordes nos compassos 18, 20, 21, 26 e cromatismos na linha melódica.

Apresenta dó maior como tonalidade principal, e a harmonia, em linhas gerais, pode ser descrita pelo predomínio de progressões [IIm7 V7] → I7M ou [IIm7(b5) V7] → Im7, e progressões cromáticas por acordes substitutos da dominante (subV) que preparam diferentes graus do campo harmônico de dó maior73. O aumento da movimentação harmônica na seção A, em comparação à sessão de introdução, vem acompanhado do aumento da densidade-número e densidade-compressão da textura, onde predominam três camadas texturais cuja disposição entre as mãos direita e esquerda foram descritas nos

padrões de organização textural 4 e 5 (figuras 29 e 30).

No compasso 14 (ainda na figura 34), verifica-se uma variação do motivo contramétrico A, que é apresentado melodicamente através de cromatismos que ornamentam notas do acorde de dó maior (mi e sol). Esse mesmo motivo é então “respondido” no compasso seguinte pelo baixo melódico, análogo ao violão de sete cordas, onde a ocorrência do motivo contramétrico A reside na relação de complementaridade entre as camadas do baixo e acompanhamento (ver resultante rítmica do compasso 15). Na interpretação musical de Cesar Camargo Mariano, é possível perceber auditivamente que as acentuações rítmicas aplicadas a estes fragmentos melódicos sugerem ou reforçam a

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própria linha-guia, a mesma verificada na seção de introdução (ver notação rítmica do compasso 14).74 A articulação não legato e as acentuações conforme a linha-guia caracterizam uma abordagem “rítmica” à interpretação melódica nesta sessão (como será visto, em oposição à primeira frase da seção B).

A linha guia “ (8) . x . . x . . x ” é predominante ao longo da seção A, e pode ser verificada nos compassos 14 ao 21, sofrendo pequenas variações nos compassos 16 e 20, onde a linha melódica principal enfatiza a primeira semicolcheia desses compassos. No primeiro tempo do compasso 22, a utilização do pedal direito do piano encobre as acentuações rítmicas; sendo assim, a linha-guia foi atribuída à nota da melodia. Nos compassos 23 e 24 observa-se a ocorrência do padrão binário “ (8) . x . x . x . x ” , totalmente contramétrico em relação ao compasso 2/4 .

Variações mais significativas da linha-guia e da textura estão relacionadas com a organização formal da seção. Os compassos 28 e 29 preparam a repetição dos 16 compassos da seção A numa organização textural que expõe a marcação das notas graves na mão esquerda e arpejos que culminam em acordes na mão direita. A resultante rítmica leva em consideração os acordes, que são acentuados como “lugares de chegada” dos arpejos, e também a marcação do grave. No nível mais alto desta hierarquia temos a linha guia, que das 8 pulsações elementares tem apenas duas acentuadas: “ (8) . x . . . . x ”.

Nos compassos 32 e 33, a finalização da seção A é acompanhada por variação na linha guia e uma variação no tratamento textural, com a densidade reduzida a uma linha melódica no baixo, análoga ao violão de sete cordas do choro. Cesar Camargo Mariano realiza acentuações que enfatizam as apojaturas das notas da tríade de dó maior (fa#, ré# e si), por sua vez localizadas em posição contramétrica em relação ao compasso 2/4. Este

padrão de acentuação é interrompido na primeira semicolcheia do segundo tempo do compasso 33, nota dó, que caracteriza o “ponto final” da seção.

Importante notar que, ao longo da seção A, os pontos onde se localizam as mudanças de acordes também são regidos pelos princípios rítmicos da linha-guia e da marcação. Esta última assume o padrão “(8) x . . . x . . . ”, que na notação da resultante rítmica corresponde à primeira semicolcheia de cada tempo (nota em tamanho natural e não acentuada). São as notas mais graves da textura, e realizam as fundamentais dos

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Em suas considerações sobre a execução pianísticas dos choros Canhoto e Manhosamente, de Radamés Gnattali, Santos sugere que “nos trechos onde houver uma única linha melódica, a acentuação deverá enfatizar as síncopes, sugerindo assim o padrão rítmico do acompanhamento” (SANTOS, 2002, p.15). Este procedimento é empregado por Cesar Camargo Mariano, por exemplo, nos compassos 14, 32 e 33 da figura 34.

acordes. Marcam as mudanças de acordes regularmente, seguindo a divisão do compasso

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/4 (preferencialmente na primeira semicolcheia de cada tempo). A linha guia, por sua vez,

não apresenta regularidade em relação à divisão binária, sendo que as mudanças de acordes ocorrem em posição de contratempo, “antecipadas” uma semicolcheia em relação à barra do compasso, como indicam os círculos pontilhados na figura 34.

Ainda em relação à maneira como são dispostas as três camadas texturais do compasso 14 ao 22, é possível observar um revezamento entre as duas camadas texturais superiores, enquanto as estruturas que constituem o baixo estão em constante atividade. Linha melódica e estruturas de acompanhamento se intercalam a cada compasso (compasso 14 ao 22), onde uma camada textural preenche o espaço aberto pela outra. Do compasso 22 ao 26, estas camadas se intercalam a cada quatro semicolcheias, numa textura polifônica promovida pelo baixo condutor harmônico, pela linha melódica principal, e por uma linha melódica secundária (acompanhamento em formato melódico).

Em suma, a linha-guia anteriormente reconhecida na seção de introdução se mantém relativamente estável: “ (8) . x . . x . . x ”. Este padrão “submerge” no acontecimento musical, como observa Oliveira Pinto, atravessando as mudanças na textura, podendo ser reconhecida nas acentuações melódicas e em estruturas de acompanhamento. Trata-se de um ostinato variado, sendo que algumas variações da linha- guia auxiliam na delimitação da forma interna da seção, apresentando variações que conduzem à repetição dos 16 compassos da seção (compassos 28 e 29) e à finalização da seção (compassos 31 e 32).