• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 1: A VIDA MODERNA ENCONTRA A VIDA MODERNA

1.2 Folheando A Vida Moderna

1.2.2 Seções e colunas

Ao longo dos dezenove anos de atividades da revista ao qual tivemos acesso, verificamos um número impermanente de seções. Elas podiam aparecer e desaparecer de um número para outro sem aviso prévio. Apesar disso, a amplitude temática de um periódico de variedade fazia com que quase todos os assuntos coubessem em suas páginas. Os temas mais frequentes eram esportes, vida social e política, crítica de costumes e vida cultural. Não havia, por exemplo, uma seção para discussão de assuntos políticos, estes eram tratados, geralmente, nos textos de abertura, crônicas ou matérias. Já para esportes, cinema, literatura havia seções específicas.

Sobre a seção de esportes, é curioso notar que A Vida Moderna vai, aos poucos, distanciando-se da temática esportiva, que lhe deu origem quando ainda era Sportman. Na edição especial de Natal, em 1907, uma edição dupla 29-30, a seção “Sports” possuía quatro páginas com textos e fotografias do universo esportivo, além de material fotográfico disperso em toda a edição sobre o tema. No decorrer dos anos, a seção dedicada aos esportes teve diferentes nomes: Sports, Notas sportivas, Notas de Sport. O que se percebe ao longo do período de atividade do periódico é que a temática esportiva perde seu espaço cativo. As notas sobre esporte continuam aparecendo aqui e acolá por meio de notas e matérias fotográficas sobre futebol, canoagem, hipismo dentre outros, porém com bem menos frequência. Os abundantes “instantaneos” fotográficos no “Hippodromo da Mooca” e no Palestra Itália parecem mais interessados no caráter social do evento do que esportivo, como se via no princípio da trajetória da revista (Figuras 7 e 8).

Em contrapartida, a revista passa a dedicar cada vez mais espaço para as “chronicas”, os contos, poemas e artes. A literatura esteve presente na revista desde seu início, em 1907 e com o decorrer dos anos, esse espaço só cresceu. Não era incomum encontrar em um mesmo número mais de uma coluna dedicada aos textos literários em seções como “Sobre literatura”, “O momento litterario”, “Literatura regional” e “Azulejos”. De resto, os poemas eram abundantes e escapavam mesmo a uma seção fixa, permeando toda a edição. Nas edições 218 e 221 de 1914, verificamos uma seção - “Caixa Postal” - de correspondência com leitores, mais especificamente com aqueles que queriam ver seus poemas publicados no periódico. Em cada número a revista respondia se publicaria os textos ou não e o motivo da recusa, se fosse o caso. Por vezes essa seção tomava ares risíveis porque não era raro o editor responder com ironia e tom satírico as cartas que lhe eram enviadas (Figuras 3).

FIGURA 3 – SEÇÃO “CAIXA POSTAL”

Uma ilustração é ícone da seção: um homem carrega um maço de papel quase do seu próprio tamanho, mas é barrado por outro homem vestido de policial, com coturnos, fartos bigodes, dando-lhe uma austera aparência. Este levanta um porrete na face do possível escritor, que se detém aterrorizado, boca aberta e olhos arregalados, com seus “sonetos” nos braços. A imagem, cômica, demonstra que não seriam publicados quaisquer textos enviados. Eles passariam por rígida e estrita seleção. Os redatores apontam erros ortográficos, de versificação, temas considerados inapropriados, letras ilegíveis etc.

A Vida Moderna, n. 218, 23/04/1914.

Eram assíduas as colunas dedicadas à crítica de costumes. Dentre elas, “Filigranas” e “Elegancias” ganhavam destaque. Lellis Vieira assinava a primeira coluna, que discutia as artes e os costumes na cidade de São Paulo, disparando ácidos comentários a respeito do comportamento de homens e mulheres no espaço público em geral, nas ruas, festas, teatros, concertos etc. A segunda coluna era assinada por “Mme. X” e fazia crítica de moda e de comportamento, discutia aspectos do mundo artístico referente aquilo que era considerado alta cultura. “Mme. X”, de quem não se conhece a verdadeira identidade, também assinava uma coluna denominada “Do salão à cozinha”, cujo objetivo era fornecer conselhos práticos para o universo doméstico e feminino como, por exemplo, remover das roupas manchas de gordura, graxa, vinho e pintura; produzir artesanalmente perfumes, preparados contra a caspa, queimaduras e queda de cabelo, para a limpeza de mármores e outras superfícies, ou ainda receitas culinárias como “ostras refogadas”, “lingoa estufada com vinho”, quindins e bolos de chocolate.

Na Figura 4, exemplo da crítica de costumes presente na seção “Filigranas”. Vieira critica e julga vulgares as gírias usadas pelos jovens nos salões, os temas das conversas, o modo de tratamento e as danças importadas. Como contraponto, elogia a iniciativa de uma “dama de nossa alta sociedade” em criar um ambiente, “uma associação de baile” em que o modo tradicional era cultivado: “Dança-se, mas, quasi á antiga, com a elegancia do tempo, conservando-se porem o recato, a distancia dos pares e a finura do trato, da prosa e do chic”.

FIGURA 4 – SEÇÃO “FILIGRANAS”

A Vida Moderna, n. 416, 14/10/1921

Novas tecnologias como a fotografia e o cinema ganhavam importância na revista, e a sétima arte obteve uma seção específica chamada “Cine-revista”. Essa seção era dedicada a notícias do mundo do cinema com especial destaque às grandes estrelas das produtoras cinematográficas americanas, trazendo informações sobre filmes, vida pessoal e profissional dos atores e atrizes. Além de seção específica sobre o tema, o cinema ganhava, por vezes, as capas da revista. Na Figura 5, vemos uma das tantas atrizes do cinema hollywoodiano que estampavam as capas d’A Vida Moderna e influenciavam o padrão de beleza e comportamento das jovens leitoras. A moda dos cabelos curtos é um nítido exemplo. De vinte e quatro números publicados no ano de 1921, treze possuíam capas dedicadas às “rainhas do cinema”. No ano seguinte, dez entre vinte e um números publicados abordavam o cinema em suas capas. Da mesma forma, nos anos que se seguem, grande parte das capas eram dedicadas às grandes estrelas do cinema produzido nos Estados Unidos, bem como, às vezes, retratavam cenas de películas famosas. A revista via com bons olhos a profusão de cinemas pela cidade, tratava-se de um sinal de grande progresso. Podemos perceber tal entusiasmo por meio da seguinte nota:

Cinematographos

Em S. Paulo, graças a Deus, também tivemos e temos a epidemia avassaladora dos cinematographos […].

Aqui, actualmente, por todos os lados assaltam-nos os annunciantes de cinematographos.

Sae-se do Sant’Anna, onde se exhibe um cinematographo Pathé, e dobra-se a Rua Quinze, bate-se de queixo no Kinema Cinematographo; desce-se a Rua S. João e gritam-nos o Cinematographo Recheburg, no Bijou Thertre.

Livra!

E em todos a população paulista dá o quinhão de seus tostões. Neste ultimo então a affluencia de famílias é verdadeiramente pasmosa […].

(A Vida Moderna, n. 29/30, 25/12/1907, grifos do original.)

A invenção dos irmãos Lumière é louvada como uma “epidemia avassaladora’. Signo da modernidade, a tecnologia cinematográfica grassava por São Paulo e A Vida Moderna, cujo objetivo editorial era representar a modernidade da cidade, dá vasão a discursos eufóricos, agradecendo a Deus pela multiplicidade das casas de exibição. O cinema, como prática social, possui função pedagógica, assim como a publicidade. Sevcenko (1992), Besse (1999), Louro (2000, 2008), Vigarello (2006), Campos (2009) destacam o papel do cinema em educar o comportamento, a visão de mundo e os valores dos sujeitos. Trata-se de uma área a ser explorada por pesquisas específicas que abordem pedagogias da beleza, da sexualidade, das relações de gênero e etnicorraciais no cinema.

FIGURA 5 - “AS RAINHAS DO CINEMA”

A Vida Moderna, n. 410, 13/07/1921.

As atrizes de Hollywood exerciam grande influência na estética e comportamento das jovens.

FIGURA 6 – PARTE DA SEÇÃO “CINE-REVISTA”

A Vida Moderna, n. 410, 13/07/1921

Como se pode depreender da figura 6, a expectativa por um casamento e uma aventura amorosa como a de Constance, bem como a inspiração na beleza de Elise Ferguson, “considerada como uma das mais formosas actrizes da scena fala” de Hollywood era uma das leituras possíveis dessa seção. Não a única, absolutamente.

Não se pretende com este trabalho investigar a recepção dos discursos publicitários. No máximo, apresentamos algumas de suas possibilidades de leitura. Retomamos a noção de apropriação proposta por Chartier (2002), segundo a qual os sujeitos articulam-se com as práticas culturais – nesse caso os discursos – a partir das representações do mundo social em que estão inseridos. Acreditamos que a publicidade, objeto dessa pesquisa, seja apenas um dos instrumentos pelos quais somos formados, educados como sujeitos. A visão acerca de nosso lugar no mundo, nossos valores, identidades, elementos que engendrarão as atitudes diante da vida, são resultados de uma educação ampla e profunda à qual somos submetidos, inexoravelmente, por meio da cultura. Variados são os instrumentos desse processo educativo: família, igreja, escola, meios de comunicação, publicidade, cinema, literatura, música, rede de amigos etc. É necessário destacar, porém, que a apropriação dessas práticas culturais não é padronizada. Os sujeitos possuem resistências, estratégias de acomodação e fuga, capacidade de negociação, trata-se do princípio dialógico das relações sociais e discursivas (BAKHTIN, 2011).

Documentos relacionados