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CAPÍTULO 1: A VIDA MODERNA ENCONTRA A VIDA MODERNA

1.3 Vinte anos depois

Na passagem de 1922 para 1923, quando entrava no ano de seu vigésimo aniversário, o periódico traz a público, na edição 445, um texto de abertura no qual avalia sua trajetória, agradece a seus leitores e anunciantes e também se mostra convicto do bom trabalho realizado até então e confiante para enfrentar os desafios dos anos vindouros. Apesar de longo, apresentá-lo na íntegra permite que também avaliemos, ao menos em parte, sua trajetória, se levarmos em conta seus primeiros editoriais, quando ainda a revista almejava deixar de ser a pequena Sportman para adentrar, sem possibilidades de retorno, n’A Vida Moderna:

Vinte Annos!

A “Vida Moderna” entra com o presente numero, em seu vigesimo anniversario. Já é alguma cousa, senão bastante para a historia de uma revista, sustentar-se vinte annos em S. Paulo, atravessando as epocas mais arduas, os momentos mais tensos. E “ A Vida Moderna” passou a si propria um diploma de tenacidade a mais real, conquistando as victorias mais amplas na medida perfeita do perfeito esforço.

Quinzenario de feição una, de personalidade propria, de côr local e de caracter nosso, “A Vida Moderna” viu escorrer a ampulheta do tempo, com a sobriedade vigorosa dos proseguimentos evolutivos que a trouxeram até hoje, ás nossas familias, ao aconchego de nossas mentalidades.

Porque a sua estructura moderna de revista que acompanha o pensamento da epoca e retrata a physionomia do momento, com a fidelidade apurada de um culto, nunca desviou a sua linha da moral, do dever, da seriedade.

Não manteve aqui no interior das suas paginas, pugnas internas, caprichos malevolos, nem lembrou campanhas despertando exaltações. A sua missão como foi, tem sido, e sempre será, é espalhar, na medida das suas forças, a belleza, apurando a technica e burilando a graça, no desejo constante de seleccionar a propria selecção.

E o prestigio que adquiriu na atmosphera culta da cidade de S. Paulo onde passou a ser a interprete das verdadeiras opiniões, onde se conservou espelho polido dos acontecimentos quinzenaes, ora magnifica de collaboração, ora colorida de reportagens, é a mais grata recompensa que poderia receber da legião extensa dos seus numerosos leitores.

[…]

“A Vida Moderna” é a revista mais integrada com o meio de São Paulo, mais pesada de tradições, mais antiga, mais respeitada. A sua mocidade de vinte annos que é uma velhice gloriosa em matéria de imprensa, obriga-a a deixar hoje nos apagados periodos dessa chronica, a eloquencia mais sincera dos seus mais expressivos agradecimentos a todos quantos a souberam estimar, a todos esses que, como leitores assiduos e collaboradores apreciados emprestaram um pouco de luz á sua luz.

“A Vida Moderna”, em face das outras revistas paulistas já sente os seus cabellos grisalhos e é com a mão tremula da emoção mais sã que desata a cornucopia das suas homenagens na aureola nova de um 1923 mais brilhante e mais fecundo, para desejar bôas festas e feliz entrada de anno aos seus amigos, anunciantes e admiradores.

Esse texto, assinado por João Garôa, tem a capacidade de nos fazer enxergar os percalços pelos quais passavam os periódicos no início do século XX no Brasil. Como escreve o cronista, fazer vinte anos em São Paulo não era para qualquer revista; era privilégio de poucas empresas editoras possuir estrutura financeira para empregar processos técnicos de ponta na produção de um periódico, atrair leitores e anunciantes, garantir sua circulação pelo país e conquistar assinantes fiéis. Mas o sucesso da revista, diz o texto, não dizia respeito apenas aos seus aspectos materiais, com capas coloridas, ilustrações e fotografias abundantes em seu interior, mas também ao seu conteúdo, sua mentalidade e maneira de fazer jornalismo. De modo sério, profissional, consciente do seu dever, a revista pretendia ser um “espelho polido” de seu tempo, sem nódoas, sem imoralidades que a desabonassem perante seu público. A revista não se dava a intrigas, a matérias que despertassem paixões arrasadoras; apenas mantinha sua civilizada missão intelectual de cultivar e disseminar a “belleza”. É a sensação que se tem ao ler a revista: a cidade aparece ordenada, rica; o estado de São Paulo progride assim como o país, alcançando os estágios de evolução das grandes nações do velho continente; nas páginas d’A Vida Moderna desfilavam apenas o belo, o organizado, o mesmo, o “moderno” na medida em que não implicasse rupturas radicais com a mentalidade estabelecida. Mesmo quando se percebe um tom crítico, ele é direcionado àquilo que rompe o estabelecido; por vezes, a crítica vem performada em torno do riso, nas charges e piadas, que são frequentes na revista, mas o efeito do riso é também utilizado para reiterar valores e costumes. Era o que cabia em suas páginas, estabilidade, beleza e progresso, mesmo quando este figurasse mais como expectativa. Nesse sentido, modernidade e progresso eram hiperbolizados na revista (DARNTON, 1990).

O texto termina utilizando a idade da revista, sua experiência, seus “cabellos grisalhos” como argumento de autoridade, fazendo menção à tradição que à conforma e da qual é consciente portadora. E dessa forma entrava-se em um ano novo, 1923. De nossa parte, encerramos esse capítulo acreditando ter demonstrado como A Vida Moderna situava-se em meio ao contexto de grandes transformações do início do século XX. No capítulo seguinte, pretendemos contextualizar as condições de ser mulher nesse mesmo período histórico e no interior da revista A Vida Moderna. As mulheres apareciam na revista? De que modo, sob quais perspectivas, expectativas e valores? O periódico é rico em indícios para nos ajudar a responder esses questionamentos, desvendando as representações femininas presentes em suas páginas.

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