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Secção Industrial e de Consumo

No documento A casa do Povo Portuense (1900-1914) (páginas 41-45)

1. O movimento socialista internacional e português entre o dealbar do século

2.3. Secção Industrial e de Consumo

Na sessão de 25 de outubro de 1900 da Comissão Administrativa Provisória da

Cooperativa Casa do Povo Portuense, a direção aprovou que se consultasse a Cooperativa

Tipográfica Imprensa Social, visto esta tipografia operária e socialista se encontrar em dificuldades financeiras, com o fim de saber se esta se pretendia fusionar com a sociedade e, caso o pretendesse, em que moldes se iria proceder. Apenas a 25 de março de 1901 é que chegaria a resposta definitiva da Imprensa Social:

[..] considerando-se impotentes para de per si sós desenvolverem, como era seu desejo a aludida oficina, que destinavam ao desenvolvimento da propaganda escrita dos princípios socialistas, resolveram liquidar, entregando à «Casa do Povo», sociedade cooperativa de responsabilidade limitada, todo o material que possuem na oficina,[...]66

A Casa do Povo Portuense encontrava-se desta forma na posse de uma oficina tipográfica, que continuaria a trabalhar nas condições anteriores. Porém, a falta de recursos para o desenvolvimento da secção industrial da cooperativa levou a que a direção seguisse a proposta apresentada por Soares de Aguiar de pedir auxílio ao Grupo de Propaganda Fraternidade Social. Este, visando o desenvolvimento da propaganda socialista, viria a conceder à cooperativa 400$000 réis, para serem aplicados no desenvolvimento da oficina tipográfica. O primeiro investimento realizado pela cooperativa foi a aquisição de uma máquina Marioni n.º 2, em segunda mão, por 700$000 réis. Semelhante aquisição implicava a posse de mais material de composição, realizando-se encomendas de matéria– prima à Casa Gans, de Madrid, e à Imprensa Nacional, de Lisboa. Desta forma, a tipografia ficou preparada para o seu impulso inicial.

A afluência de trabalho, essencialmente proveniente das diversas organizações

66 Arquivo da Cooperativa do Povo Portuense — Carta da Direcção da Cooperativa Tipografica Imprensa Social para a Commissão Administrativa da Cooperativa Casa do Povo Portuense, 25 de março de 1901.

socialistas e das associações de classe da cidade, exigiu um maior desenvolvimento da oficina e determinou a necessidade de aquisição de mais material. Em 1902, foi já necessária a aquisição de uma Minerva para dar conta do volume de trabalho, bem como de uma guilhotina. Aproveitando o facto de uma tipografia denominada Século XX se encontrar em liquidação, a direção aprovou a compra do seu material. O progresso desta secção foi tal que, na reunião de 20 de fevereiro de 1902, a direção aprovou que “a officina typographica começasse no dia 24 a funcionar diariamente, sendo nomeado gerente ou director o sócio Joaquim Raul Dias Macieira”67.

O aumento da actividade da tipografia da Casa do Povo Portuense foi tão rápido que na sessão de 28 de junho de 1905, por alvitre de Serafim dos Anjos, se salientava a conveniência de se procurar uma nova casa para alojar a secção industrial, dado o espaço onde esta se encontrava impossibilitar o seu desenvolvimento. No ano seguinte, a direção deliberou que todos os seus elementos iniciassem diligências para encontrar um local para instalar convenientemente a tipografia. Contudo, a situação manteve-se inalterada e, em 1907, o consócio Alfredo Teixeira, na sessão de 21 de março, apresentava a sua exposição pessoal sobre a secção tipográfica:

Na verdade os ramos gráphicos teem progredido tanto e muito principalmente o typographico, que uma officina do genero tem de acompanhar a revolução porque a arte passa. A secção typographica da Casa do Povo foi entregue a esta nossa querida organização tem progredido sensivelmente, mas indubitabelmente a sua acção na industria typographica tem sido muito restricta. Sua restricção não é, confessamol-a, por falta de vontade d'aquelles nossos companheiros que teem tido até agora o encargo de vellar pelo seu desenvolvimento. Não! A effectividade dos seus lucros claramente demonstrados nos differentes relatórios das gerências passadas, atesta, sem questão, o muito zello e dedicação do seu gerente technico e dos companheiros […]. O que muito tem concorrido para o pouco desenvolvimento da Imprensa Social, é a sua péssima localização fora da área commercial e longe do centro mais activo do nosso meio68.

O essencial problema para a expansão da tipografia era sem dúvida a sua localização, pois os lucros colhidos e os investimentos realizados foram sempre proveitosos. Apesar de a direção ter previsto uma mudança da oficina para a rua de Santa

67 Arquivo da Cooperativa do Povo Portuense — Livro de Actas da Direcção da Casa do Povo Portuense. Acta nº41, 20 de fevereiro de 1902.

68 Arquivo da Cooperativa do Povo Portuense — Livro de Actas da Direcção da Casa do Povo Portuense, Acta nº268, 21 de março de 1907.

Catarina no ano de 1907, esta foi impossibilitada pelo facto de a secção comercial de Vilar do Paraíso ter sofrido um incêndio, tendo sido necessário investir 3.500$000 réis na recuperação daquela secção.

Em 1909, seria realizado o último grande investimento material para a secção tipográfica, adquirindo-se um motor a gás com a força de 5 cavalos, “com o qual a oficina melhor se habilitou a competir com as oficinas similares, em perfeição, preço e rapidez”69,

conquanto o problema da localização da tipografia apenas seria resolvido em 1914, aquando da sua instalação no Edifício Social.

Desde muito cedo a direção da cooperativa sabia que “as instituições de consumo são as que mais vantagens podem offerecer, quando honestamente administradas, e as que immediatamente mais benefícios prestam, quer proporcionando bons e saudáveis géneros, quer dando aos consumidores peso e medida exactas”70. A sociedade chegou a ter sete

estabelecimentos de venda de géneros.

Na sessão de 30 de setembro de 1902, a direção tomou conhecimento de uma representação assinada por três sócios, residentes em Matosinhos, pedindo que a cooperativa estabelecesse naquela localidade a secção de mercearia por conta da Casa do Povo. A direcção, após um estudo aprofundado, decidiu responder favoravelmente ao pedido dos associados, pois:

...por lhe parecer viável o emprehendimento, que iria, alem disso, satisfazer uma necessidade reconhecida, se se attender, especialmente, a que a maioria da população local vive n'uma miséria extrema, miséria aggravada pela exploração desmedida dos tendeiros e taverneiros do logar.”71

A 9 de abril de 1903, Serafim dos Anjos e Soares de Aguiar comunicaram à direção que tinham alugado uma casa em Matosinhos situada na Avenida Serpa Pinto. A inauguração do estabelecimento foi realizada em 9 de julho e o gerente nomeado para o estabelecimento foi Custódio Gomes de Pinho e Pinto, auferindo um ordenado de 18$000 réis mensais.

Em março do ano seguinte, a assembleia geral, visando aproveitar o excedente de

69 Cooperativa do Povo Portuense — Quinquagésimo Aniversário, p. 38.

70 Casa do Povo Portuense — Relatório e Contas da Casa do Povo Portuense do ano 1902. Porto: Imprensa Social, 1903, p.9.

71 Casa do Povo Portuense — Relatório e Contas da Casa do Povo Portuense do ano 1903. Porto: Imprensa Social, 1904, p. 8.

capital que se registara no final do ano anterior, aprovou que se criasse no Porto um estabelecimento de consumo. A 31 de março a direcção resolveu que “uma commissão composta de Silva Júnior e Serafim dos Anjos se encarregasse de procurar casa conveniente”72. Mais tarde, a 14 de abril, Serafim dos Anjos informou que havia na rua do Bonjardim uma casa que servia para o fim desejado. A direção aprovou a escolha do local apontado por Serafim dos Anjos:

Preferiu-se o Bonjardim a outros pontos em obediência a que é o centro d'um feixe de bairros operários que comportam grandíssimo número de sócios da nossa collectividade.73

O estabelecimento foi inaugurado no dia 23 de outubro, tendo sido nomeado como primeiro gerente o sócio António Tavares da Silva.

Em 1905, a pedido dos sócios da zona oriental da cidade, a direção estudou a abertura de um estabelecimento. Inicialmente, a direção pensou em estabelecer um local de venda de roupas brancas ou uma panificadora. Porém, devido a burocracias e à vontade dos associados daquela zona, optou-se pela abertura de um estabelecimento de venda de géneros. Mais uma vez, o local escolhido situava-se perto de um conjunto de bairros operários, onde a Casa do Povo Portuense contava com muitos associados. Assim, esse novo local de vendas inaugurou-se a 26 de agosto de 1905, na rua do Montebelo, com frente para a rua Barros de Lima.

Nesse mesmo ano, a direcção decidiu “a criação de um estabelecimento de venda de calçado, género que é consumido pela maioria das classes trabalhadoras”74. Após a aprovação da assembleia geral, a direção encetou os trabalhos necessários para a realização desse projeto, nomeando uma comissão composta por Eugénio Alvarellos, Serafim dos Anjos e Ferreira de Sousa. A comissão apresentou os seus trabalhos a 12 de outubro e a direção aprovou o arrendamento de uma loja na rua do Bonjardim. Porém o estabelecimento apenas abriu ao público a 1 de janeiro de 1906, tendo como gerente o sócio António Júlio Mitra.

Em 1907, a gerência da Sociedade Cooperativa de Vilar do Paraíso, face às

72 Arquivo da Cooperativa do Povo Portuense — Livro de Actas da Direcção da Casa do Povo Portuense. Acta nº124 da Direcção da Casa do Povo Portuense, 27 de abril de 1905

73 Arquivo da Cooperativa do Povo Portuense — Livro de Actas da Direcção da Casa do Povo Portuense. Acta nº 126 da Direcção da Casa do Povo Portuense, 14 de abril de 1905

74 Arquivo da Cooperativa do Povo Portuense — Livro de Actas da Direcção da Casa do Povo Portuense, Acta nº191, 7 de setembro 1905.

dificuldades que enfrentava, endereçou, a 28 de Fevereiro, uma proposta para se integrar na Casa do Povo Portuense. A direção aceitou a proposta, pois, além de ver um possível sucesso monetário na instalação de um estabelecimento de consumo naquela zona, seria ainda uma possibilidade de alargar a sua zona de influência e ação, podendo atrair novos associados para a cooperativa. Aquando da instalação do estabelecimento, a direção foi confrontada com a notícia de que havia deflagrado um incêndio, que destruiu parcialmente o estabelecimento, sendo necessário investir na sua reparação.

Nesse mesmo ano, a 7 de novembro, o consócio Alberto Correia Peres apresentou- se na condição de representante da Cooperativa Massarelense, propondo que a Casa do Povo Portuense adquirisse o seu estabelecimento e todos os bens, visando a manutenção da Cooperativa Massarelense, que se encontrava em dificuldades financeiras. A direção efectuou o procedimento usual nestes casos. Nomeou uma comissão para estudar a rentabilidade desse estabelecimento. Essa comissão pronunciou-se favoravelmente, visando “não deixar desaparecer aquelle monumento da cooperação operária, […], demais quando o aluguer da casa era relativamente barato e havia em Massarelos muitos sócios da «Casa do Povo»”75. Este seria o sexto estabelecimento comercial da sociedade.

Visando o alargamento das secções comerciais a mais ramos, a direção de 1911 aprovou a criação de um armazém para comércio de azeites e vinhos, bem como para a sua distribuição pelos diversos estabelecimentos da sociedade. Porém, a vida deste estabelecimento não teria grande sucesso, gerando sempre saldos negativos ao longo da sua existência.

No documento A casa do Povo Portuense (1900-1914) (páginas 41-45)

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