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Secularização, pós-secularização, pluralismo religioso

3 CUSTÓDIA E SECULARIZAÇÃO

3.1 SOBRE O CONCEITO DE SECULARIZAÇÃO

3.1.2 Secularização, pós-secularização, pluralismo religioso

Na esteira desta discussão, é possível afirmar que com a secularização das instituições políticas e jurídicas a religião se constituiu como assunto privado. A partir dessa configura- ção, os monopólios religiosos são destituídos e perdem o poder de instituir uma legitimidade única e oficial à realidade social. Operando com este conceito, portanto, muitos teóricos pers- pectivaram uma sociedade em que a religião estaria passando por um descrédito muito inten- so. Consequentemente, a autoridade religiosa sofreria uma considerável redução de sua influ- encia tanto em nível institucional como na consciência humana. Dito de outra maneira, as instituições religiosas16 não teriam mais o poder de construir um sentido único e absoluto para explicar e ordenar o mundo. Citando Martin (1978), Alves afirma que

(...) a secularização seria um processo universal que estaria associado à emergência das sociedades industriais, caracterizando-se por uma progressi- va diferenciação institucional e especialização funcional, onde a religião perderia sua posição axial/instituição produtora de um sentido universalizan- te responsável pela integração social (MARTIN apud ALVES, 2007, p. 32).

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E, para ser mais específico, é importante ressaltar o poderio institucional que a Igreja Católica Romana adqui- riu no mundo ocidental durante a Idade Média e início da Moderna.

Esta perspectiva também foi reforçada pela crença moderna de que a religião cederia lugar ao desenvolvimento técnico-científico (BRANDÃO, 2016, p 57), baseado num conhe- cimento estruturado e prático. A racionalização proveniente das sociedades industriais no mundo ocidental se constituiu, dessa forma, como um dos pré-requisitos para o processo de secularização (BERGER, 1985, p. 144). Neste sentido, a busca pelo progresso e o conheci- mento de uma verdade absoluta, característico da modernidade, afastou qualquer explicação baseada em princípios religiosos e em especulações filosóficas.

No entanto, outras perspectivas têm sido construídas. Isto porque, contrariamente ao que se “profetizou”, o mundo pós-moderno tem sido marcado por intensas manifestações reli- giosas. A emergência de grupos neopentecostais e grupos fundamentalistas islâmicos, só a guisa de exemplo, evidencia esse panorama. Castells (1999) é um dos autores que vem identi- ficando o grande impacto que os ditos fundamentalismos religiosos têm provocado na socie- dade globalizada, principalmente, ao relacionar esse fenômeno social com as construções das identidades na sociedade em rede. Esses movimentos, segundo a sua análise, podem ser apon- tados como uma busca pela reafirmação da autoridade institucional religiosa que reivindicou para si o poder de construir sentidos ao mundo. Brandão já dizia que

O progresso técnico-científico não foi capaz de responder satisfatoriamente a todas as demandas sociais, foi incapaz de responder às indagações essenciais da humanidade, mas, sobretudo, não conseguiu fazer jus às expectativas e à confiança que lhe foram dadas: de um mundo novo e melhor. Com isso, houve a necessidade em retornar aos antigos referenciais que tinham sido abandonados pela Modernidade, como é o caso da religião (BRANDÃO, 2016, p.66).

Esse retorno, porém, não seria exclusivamente uma volta a uma religiosidade institu- cionalizada, mas também a um atendimento às demandas individuais por respostas para ques- tões sobrenaturais e espirituais. Essa condição religiosa seria vista como inatas ao próprio ser humano. Isso prefiguraria uma existência de um homo religiosus . O próprio Castells (1999) defende que a religião se constitui como que algo natural a todo ser humano enquanto que os movimentos fundamentalistas religiosos se constituem como fonte para a construção das iden- tidades religiosa e coletiva no mundo globalizado. Dessa forma, a escolha individual estaria sobreposta ou no mesmo nível à institucionalização, no sentido vertical de cima para baixo, de uma confissão. Brandão (2016) lança mão de uma importante citação de Boff (2000, p. 31)

que fundamenta esse argumento: A pós-modernidade liberou as subjetividades do enquadra-

mento forçado em instituições totalitárias, com suas éticas rígidas, como são, geralmente, as religiões.

Com este panorama, muitos têm afirmado que o processo de secularização estaria fa- dado ao seu fim. No mundo pós-moderno, outro adjetivo teria que ser evocado para definir a sociedade ocidental, que seria a pós-secularização. No entanto, esta conclusão não encerra a discussão sobre o tema. Pierucci (2013), por exemplo, discute a questão da secularização a partir do processo de construção de um Estado e um direito dessacralizado, conforme já foi discutido anteriormente. Este autor critica a tese de que a pós-modernidade tenha aberto a possibilidade da falência do conceito secularização, já que, para alguns, a religião conseguiu resistir à tentativa da modernidade em marginalizá-la e descredenciá-la de sua presença e in- fluência na construção da realidade social. Dessa forma, realiza um diagnóstico, no qual o conceito não tem sido interpretado na sua essência que é a da secularização da normatividade jurídico-política em Weber, considerando ser um erro estabelecer adjetivos como desseculari-

zação ou pós-secularização. Em sua argumentação, afirma que a racionalização das esferas

políticas e jurídicas permitiu o estabelecimento da liberdade religiosa. A dessacralização des- ses ambientes relegou a escolha individual ou ao contexto familiar a filiação religiosa (BER- GER, 1985). Consequentemente, o pluralismo religioso seria um resultado desse processo de desregulação jurídico-estatal permitindo a liberdade de indivíduos e grupos sociais a escolhe- rem e exercerem a sua confissão.

A religião, neste contexto, se limita a construir “mundos parciais”, em detrimento de um sentido único estabelecido outrora por um monopólio assumido por uma única instituição religiosa. (BERGER, 1985, p. 146). Como resultado dessa construção, há o estabelecimento daquilo que vários autores da sociologia da religião denominam como mercado religioso. Ne- le, as organizações religiosas competem entre si por consumidores de serviços e produtos es- pirituais oferecidas por elas. Quanto a este ambiente, ao final do próximo capítulo, será dedi- cada uma discussão acerca do Paradigma do Mercado Religioso desenvolvido por teóricos nas ciências sociais.

Cabe aqui, entretanto, evidenciar que a secularização na esfera política e jurídica, permitindo uma sociedade cada vez mais plural no cenário religioso, pode ser igualmente identificada na prática custodialista.