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Capítulo I Segurança, Securitização e Terrorismo

1. Segurança e Securitização

1.3 Securitização e Terrorismo

O 11 de setembro foi sem dúvida um dos dias mais destrutivos e sangrentos da história do terrorismo. A destruição de vidas humanas, as causas, a ofensa e as consequências económicas registadas foram algo até à data nunca antes visto. Foi também o dia em que Bush declarou o início da “guerra contra o terror”, uma guerra que só terminaria com o fim e com a derrota de todos os grupos terroristas com alcance mundial. Uma guerra que persiste até aos dias de hoje (Rapopot, 2004). A insurgência terrorista constitui uma grande ameaça à segurança da comunidade internacional, tendo o 11 de setembro evidenciado a ameaça que o terrorismo

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coloca à segurança internacional após a Al Qaeda e as suas filiais num ataque por si planeado e executado terem revelado as suas ambições e capacidades em infligir estragos nos seus adversários (Saul, 2015).

Antes do 11 de setembro o terrorismo já representava uma ameaça à segurança internacional e, apesar de menos evidente, algumas medidas já haviam sido tomadas para o combater. Assim, o Conselho de Segurança da ONU já tinha condenado alguns atos terroristas específicos bem como criado sanções (Resolução 126710 e Resolução 133311 do Conselho de

Segurança da ONU) para punir determinados membros da Al Qaeda e os talibãs, um forte e assumido apoiante da Al Qaeda. No entanto, depois do 11 de setembro a abordagem da ONU sofreu uma profunda mudança tendo a adoção da resolução 1373 (United Nations, 2001) instituído que todos os Estados criminalizem o terrorismo na sua lei interna. Com a adoção desta resolução foram vários os Estados a tirar vantagem da autoridade que a resolução lhes conferia e a definir terrorismo de uma forma que serve os seus propósitos políticos (Saul, 2015).

Defendendo a teoria realista que a principal ameaça à segurança era colocada pelo risco de invasão ou por um Estado hostil ao qual capacidades militares fossem reconhecidas, a preparação para conflitos constituía a principal forma de os Estados garantirem a sua segurança. Já a nova conceção de segurança reconhece a possibilidade de o Estado poder ser a principal ameaça à segurança dos seus cidadãos. Reconhece o potencial dos Estados em gerar insegurança, consequência de ameaças estatais diretas aos seus cidadãos ou como consequência das ações por si adotadas em nome da segurança nacional. Apesar das diferenças, a conceção tradicional e a moderna de segurança desenvolvem o conceito de segurança em relação a ameaças (Caldwell e Robert, 2011).

Os ataques de 11 de setembro além de terem incentivado a investigação relativa às dimensões internas e externas da segurança, testemunharam um retorno ao realismo com a adoção de medidas que reforçam fronteiras bem como a reafirmação do Estado enquanto principal provedor de segurança (Brandão, 2011).

10 A Resolução 1267 do Conselho de Segurança da ONU exigia que o regime talibã entregasse Bin Laden às autoridades competentes para que este pudesse responder pelos seus crimes, indicando também que os talibãs deviam deixar de providenciar treino e refugio a terroristas (United Nations Security Council, 1999).

11 Na Resolução 1333 o Conselho de Segurança exige que o regime talibã cumpra as regras previamente estabelecidas na Resolução 1267. Mais uma vez apela a que os Talibãs deixem de dar refugio e treino a terroristas internacionais, exigindo ainda que o encerramento de todos os seus campos de treino (United Nations Security Council, 2000).

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Tradicionalmente o Estado era conceptualizado como o provedor de segurança, como a entidade que regula e que usa de forma legitima a força, que assegura a ordem e que providencia bens coletivos. O problema reside no facto de muitas vezes o uso da violência por parte do Estado ser alvo de abusos, como a violação de direitos humanos e agressão contra outros Estados, frequentemente avocados como necessários para lidar com as ameaças à segurança. O uso da força estatal fora das suas fronteiras territoriais é limitada pela lei internacional, por organizações internacionais e em último caso pelo poder de outros Estados.

Se a corrente realista tem como premissas “quanto mais segurança, menos insegurança” e “quanto mais segurança, melhor”, contrariamente Ole Wæver defende a dessecuritização, reconhecendo que o processo de securitização pode comprometer o respeito por princípios democráticos (Brandão, 2011; Wæver, 1995).

Desde o início da guerra contra o terrorismo vários países introduziram novas medidas legislativas concedendo à polícia e aos serviços de intelligence poderes sem precedentes. Responder ao terrorismo não estatal minando proteções legais e liberdades civis não é algo novo, já no passado a ameaça do terrorismo foi usada para justificar detenções, tortura e assassinatos. Nos dias de hoje, o terrorismo é-nos apresentado como a maior ameaça à nossa segurança mas não só, é também exposto como uma ameaça ao nosso estilo de vida e aos valores que defendemos, é sugerido como uma ameaça que precisa de uma resposta urgente e eficiente (Wolfendale, 2007).

David Blunkett, Ministro da Administração Interna do Reino Unido entre 2001 e 2004, após os atentados de Madrid em março de 2004 afirmou “(…) as normas de prossecução e punição não são mais aplicadas”12 (Blunkett, 2004 apud Wolfendale, 2007: 75) evidenciando

assim a excecionalidade do novo terrorismo bem como a necessidade de introduzir novas medidas que permitam o seu combate que já as existentes não se adequam e não respondem de forma eficiente à ameaça.

Aqueles que defendem que o combate ao terrorismo implica o desrespeito por direitos e liberdades civis constatam que o terrorismo coloca uma ameaça única e excecional, no sentido em que esta é uma ameaça distinta das demais, constituindo esta a forma mais adequada de combater o terrorismo. No entanto, esta visão não é partilhada por todos. Os seus principais

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opositores realçam que a ameaça que o terrorismo coloca à segurança é pequena quando comparada com outras ameaças e que a forma como o terrorismo é apresentado ao público potencia a ansiedade e o medo. Desta forma, embora o terrorismo seja considerado uma ameaça à segurança internacional e seja reconhecida a necessidade de o combater, o medo e a ansiedade decorrentes de atos terroristas são apontados como produto da retórica contraterrorista e não como consequência imediata de atos praticados por terroristas (Wolfendale, 2007).

Ronald Crelinsten e Alex Schmid alertaram para o facto de que “o que é aceitável em termos de democracia depende da natureza da ameaça e da natureza da sociedade que se defende” (Crelinsten e Schmid, 1993 apud Martins, 2010:91) no sentido em que tal como defendido pela teoria da securitização, é a dimensão e a possibilidade de a ameaça causar dano que justifica a aplicação das medidas, no entanto as medidas precisam de legitimidade que apenas lhes pode ser concedida pela sociedade (Martins, 2010).

Para Crelinsten e Schmid (Martins, 2010) existem duas formas de responder ao terrorismo podendo as respostas basear-se na conciliação ou na força. A opção de resposta conciliadora inclui negociações diretas com os grupos terroristas o que como qualquer processo de negociação implica cedências mutuas para que um consenso seja alcançado. A resposta baseada na força tal como a sua denominação indica diz respeito à utilização da força para responder ao terrorismo o que pode incluir a guerra. Assim, no primeiro caso o terrorismo é tratado como um crime contra a humanidade, enquanto que no segundo caso o combate ao terrorismo adota estratégias semelhantes às dos terroristas como meio de combater a ameaça.

As respostas podem também dividir-se entre respostas de curto prazo e respostas de longo prazo. As respostas de curto prazo têm como alvo uma ameaça imediata tentando responder a uma ameaça ou ocorrência particular, enquanto que as de longo prazo são orientadas para o futuro, são adotadas com o intuito de responder à ameaça do presente mas sempre com a intenção de prevenir, dissuadir e inibir uma futura ameaça (Martins, 2010).

As respostas podem ainda ser dirigidas à capacidade de ação dos grupos terroristas tendo como objetivo enfraquecer a sua capacidade de ação bem como limitar o seu acesso a armas e outros materiais indispensáveis às suas operações, ou pode assumir-se como uma resposta política quando o seu principal objetivo é combater a dimensão propagandista do

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terrorismo e impedir o reconhecimento político dos grupos terroristas. Por fim, as respostas podem ser dotadas de carácter nacional ou internacional (Martins, 2010).

A existência de várias respostas não implica a escolha de uma só, sendo bastante frequente a sobreposição das mesmas. A adoção de um modelo de resposta em detrimento de outro depende essencialmente da conceção da ameaça, ou seja, do processo de formação do grupo terrorista, dos ataques por si realizados e da capacidade de destruição a si associada (Martins, 2010).

A securitização, ou seja, a declaração da ameaça como existencial e aplicação de medidas de natureza excecional para lutar contra a ameaça emergem assim como a principal resposta ao terrorismo. A aplicação de medidas excecionais é apresentada pelos Estados como indispensável ao combate eficiente do terrorismo, que se define como urgente. O 11 de setembro, tal como anteriormente referido, para além de ter impulsionado a forma como a segurança era conceptualizada e interpretada esteve na base de várias mudanças que nos anos seguintes o sistema internacional sofreu. O fim da Guerra Fria ditou o fim da existência de um inimigo comum, ideia que emergiu de novo com os ataques do 11 de setembro e o início da guerra contra o terrorismo. Tendo o terrorismo sido apresentado como uma ameaça à segurança global e tendo sido declarada uma guerra contra o terrorismo, os Estados tiverem de tomar uma oposição tal como ocorrera na Guerra Fria (Stone, 2009; Buzan, 1991).