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2.1 – O Segredo como texto escrito

Aquilo a que se chama Segredo de Fátima é constituído por um conjunto de dois documentos, escritos pela Irmã Lúcia, respectivamente em 31 de Agosto de 1941 e 3 de Janeiro de 1944. O primeiro foi integralmente publicado pela primeira vez na obra de António Maria Martins, Memórias e cartas da Irmã Lúcia. O segundo, que em 1957 fora entregue pelo então Bispo de Leiria, José Alves Correia da Silva, foi publicado em brochura da Congregação para a Doutrina da Fé, em Junho de 2000.

A questão colocada prende-se então com a ligação existente entre estes dois documentos e aquilo que as crianças videntes de Fátima chamavam, a partir de Julho de 1917, “o segredo da Senhora”86

, ou seja, a verificação da autenticidade original daquilo a que actualmente se designa por segredo de Fátima.

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2.1.1 – Um único Segredo em três partes

Os dois documentos referidos são complementares. O primeiro contém as duas primeiras partes do segredo e o segundo a terceira parte. Ao decompor o segredo, no primeiro documento, em «três coisas»87, a vidente não afirma ainda que se trata de um só segredo, embora diga já lhe ter sido confiado todo o conteúdo de modo seguido88. Ao dar ao segundo documento o título A terceira parte do segredo revelado a 13 de Julho de 1917 na Cova da Iria - Fátima, a Irmã Lúcia reconhece assim que se trata de uma única peça oral e mental, visual e auditiva, a qual consta de três partes distintas mas complementares.

O conteúdo pode ser descrito sumariamente como uma declaração oral, correspondente à segunda parte, entre duas visões sem palavras. De facto, na primeira parte não há qualquer palavra revelada, apenas se descreve uma visão, e na terceira, para além da descrição de uma visão, só aparece a palavra “penitência”, repetida enfaticamente três vezes89.

2.1.2 – Antecedentes da redacção do Segredo

As duas primeiras partes do segredo foram escritas uma segunda vez, antes de 25 de Novembro ou 8 de Dezembro de 1941, datas em que a Irmã Lúcia remeteu ao bispo de Leiria os cadernos da Quarta Memória, onde junta, no final da segunda parte do segredo, uma nova frase: «Em Portugal, se conservará sempre o dogma da fé, etc»90, pelo que esta segunda parte tem duas redacções um pouco diferentes.

Estes escritos, complementares entre si, têm pelo menos um antecedente parcial, no rascunho de uma carta que Lúcia preparou para enviar ao Papa Pio XII a 24 de Outubro de 1940. Neste escrito, em discurso directo, a vidente dava conta da conclusão do que, daí a um ano, escreveria como segunda parte do segredo.

Do rascunho, destaca-se o seguinte:

«Em 1917, em Fátima, na parte das manifestações que temos designado com o nome de Segredo, dignou-se a Santíssima Virgem revelar o fim da guerra

87 Cf. Memórias I 121. 88 Cf. Memórias I 120, 121, 122, 176, 177. 89

Cf. L.GUERRA, Segredo de Fátima, autenticidade in L.GUERRA (Org.), O “Segredo” de Fátima (Fátima: Reitoria do Santuário de Fátima 2004) 28.

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que então afligia a Europa, e anunciou outra futura que começaria no reinado de Pio XI. Para impedir, disse: Virei pedir a consagração da Rússia a meu

Imaculado Coração e a comunhão reparadora nos primeiros sábados. Se atenderem os meus pedidos, a Rússia se conveterá e terão paz. Se não, espalhará seus erros pelo Mundo, promovendo guerras e perseguições à Igreja. Os bons serão martirizados. O Santo Padre terá muito que sofrer. Várias nações serão aniquiladas. Por fim o meu Imaculado Coração triunfará. O Santo Padre consagrar-me-á a Rússia que se converterá, e será

concedido ao mundo algum tempo de paz»91.

Na carta que acabou por enviar ao Papa, com correcções sugeridas pelo Bispo de Leiria, em 2 de Dezembro do mesmo ano, Lúcia diz sensivelmente o mesmo acerca do segredo, mas agora só em discurso indirecto92. No rascunho e na carta, dá conta de que, pelo menos no seguimento de uma revelação em 1926 e uma aparição em 1929, ocorridas em Pontevedra e Tuy, na Galiza, por várias vezes envidou esforços através do confessor e fez mesmo chegar a Pio XI alguns pedidos, acerca da devoção ao Imaculado Coração de Maria e da consagração da Rússia, mencionadas no segredo. De facto, existem cartas da Irmã Lúcia, pelo menos a partir de 1927, em que ela recomenda a devoção dos cinco primeiros sábados, em louvor do Imaculado Coração de Maria. E já em Maio de 1930, escreve ao seu confessor:

«Se não me engano, o bom Deus promete terminar a perseguição na Rússia, se o Santo Padre se dignar fazer, e mandar que o façam igualmente os bispos do mundo católico, um solene e público acto de reparação e consagração da Rússia aos Santíssimos Corações de Jesus e Maria…»93

.

O assunto diz respeito ao segredo, mas não há referência ao mesmo, e muito menos transcrição. A mesma reserva manifesta-se noutras cartas escritas pela vidente, como por exemplo uma de 21 de Janeiro de 1935 e uma de 18 de Maio de 1936.

Assim, toma-se como muito provável que a primeira redacção do segredo propriamente dito date realmente dos anos 1941 (primeira e segunda partes) e 1944 (terceira parte). O facto da Irmã Lúcia, na carta que enviou a Pio XII em 1940, ter desistido de empregar o discurso directo, manifesta a sua mudança de parecer, no sentido de uma melhor preservação do conteúdo do segredo, até mesmo diante do Papa.

91

Cf. A.M.MARTINS, O Segredo de Fátima e o Futuro de Portugal nos Escritos da Irmã Lúcia (Porto: Simão Guimarães 1974) 178.

92

Cf. A.M.MARTINS, O Segredo de Fátima e o Futuro de Portugal 181.

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32 Uma vez que não são conhecidos quaisquer documentos com o segredo escrito, nem antes de 1941 nem depois de 1944, estas são as datas em que o segredo começou a existir e foi fixado sob forma escrita94.