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2.2. Qualidade da educação no cenário brasileiro:

2.2.2. Segunda dissertação analisada

Na intenção de trazer mais elementos para nossa discussão sobre as propostas para a promoção da qualidade da educação na lógica e conceitos da visão neoliberal de Estado e de sociedade, analisaremos uma dissertação de mestrado que abordou a tentativa do Estado de Minas Gerais em adotar o método de TQC na educação com vistas a promoção da qualidade da educação.

Vale dizer que foi a primeira tentativa registrada em um Estado brasileiro.

Na dissertação de mestrado intitulada: “Reforma educacional e interesses capitalistas: gestão da qualidade total em educação e teoria do capitalismo”, Iara Manta Pontes98 procura verificar a tentativa de transposição do mundo empresarial para o sistema público de ensino do Estado de Minas Gerais. Sua pesquisa busca identificar quais as mudanças organizacionais, em nome da busca da qualidade na educação, foram propostas e de que forma os interesses empresariais interferiram na orientação dessa política pública.

Para isso se propôs a analisar resoluções da secretaria sobre a implementação do TQC e entrevistar dirigentes e assessores que elaboraram e trabalharam na execução da proposta.

Para Iara Manta, as políticas da secretaria para a implantação da metodologia e da filosofia da qualidade total são elementos estruturantes da reforma do sistema de ensino.

Tais políticas iniciam-se em 1991, em forma do projeto ProQualidade, e passa a ser assumida pela administração central do sistema educacional e a ser extensiva a todas as unidades educacionais a ele pertencente. Diz se fundar nos princípios da descentralização

98 PONTES, Iara Manata. Reforma educacional e interesses capitalistas: gestão da qualidade total em educação

administrativa e financeira, participação na gestão de recursos humanos e sua capacitação, gestão pedagógica compartilhada e da autonomia das escolas.

Para efetivar as políticas de implementação da qualidade total no sistema educativo de MG foram discriminados subprojetos específicos, com ênfase na gestão de qualidade total.

O governo federal financiou inicialmente as ações do governo de Minas Gerais, depois o Banco Mundial financiou o projeto e impôs como condição que o modelo fosse estendido à Secretaria de Educação a fim de que ela pudesse melhor gerenciar suas informações e utilizá- las a favor de um processo de transformação dos objetivos e métodos de administração escolar. A Fundação Christiano Ottoni e consultores externos assessoraram a implementação do projeto.

Citando fontes do banco mundial a respeito do ProQualidade Pontes destaca que a escola tem seu desempenho focalizado como sendo uma unidade de produção, com metas e objetivos a serem perseguidos.

Vale dizer aqui que no relatório da UNESCO analisado por nós é enfaticamente criticada a focalização da escola como unidade de produção, de acordo com o relatório, as tentativas de intervir nessa direção normalmente fracassam.

No entanto, o projeto de Minas Gerais ora analisado foi considerado referência pelo Banco Mundial e o governo de Minas Gerais em 1993 ganhou até prêmio da UNICEF.

Na proposta de aplicação do TQC na educação em MG a comunidade educativa foi rotulada de cliente. Lideranças fracas, baixos salários e desmotivação do profissional da educação foram tidos como nocivos, embora não houvesse nenhuma proposta para aumentar significativamente o salário dos professores, muito menos a intenção de realizar concursos públicos para dar estabilidade para o quadro funcional educacional.

O foco do investimento foi no treinamento dos gestores. De acordo com a autora da pesquisa, tal treinamento alcançou pouco mais de 700 escolas. A preocupação maior era com a busca da eficiência, da eficácia e da produtividade da escola. A qualidade total também era pretendida para o sistema gerenciar melhor sua informação e colocá-las a serviço das transformações nos objetivos e métodos da administração escolar.

Pontes destaca que essas mudanças são de caráter neoliberal e focam no deslocamento do discurso da democratização para o da qualidade e das questões da qualidade para o campo empresarial, com princípios mercantis de eficiência e produtividade.

Depois de fazer um histórico da qualidade total no meio empresarial e distinguir o que vem a ser uma instituição empresarial e uma instituição pública, a autora trata da qualidade total como cultura e, nessa lógica, a função principal da escola como sendo a de formação do trabalhador para o sistema capitalista. De acordo com ela, as mudanças em Minas Gerais contaram com a aprovação dos empresários, mas não encontraram respaldo da comunidade educativa (um dos motivos, talvez o principal, pelo fracasso do programa).

Por fim conclui dizendo que a ideologia disseminada sobre a gestão de qualidade total na educação procura transferir métodos empresariais para a educação, de modo a facilitar a relação da escola com o mercado para formar as mentes dos trabalhadores paras as novas exigências do mercado.

Tais reformas em Minas Gerais, segundo ela, ocorridas entre 1991 e 1994, fazem parte do rol de reformas neoliberais do Estado.

Dentro das peculiaridades do Estado Brasileiro tal reforma segue as medidas propostas no início do governo Collor para a criação e implantação do programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade, depois desenvolvido pelo presidente FHC. Trata-se de uma reforma técnica, articulada com os interesses do empresariado e que tem como base a teoria do capital humano e da sociedade do conhecimento. É como se o capital humano fosse capaz de alavancar o desenvolvimento econômico.

Nessa proposta conceitos como produtividade, eficiência, eficácia, competitividade, capacidade gerencial, diretrizes estratégicas, processos no sentido da produção, cliente e qualidade passam a ser utilizados nos meios educacionais oriundos do meio empresarial. As relações de mercado são postas como as únicas para se pensar a realidade, as bases é a acumulação flexível e o conhecimento escolar visa prioritariamente a conformação do indivíduo.

No que se refere aos encaminhamentos das propostas para a efetivação do método da qualidade total em prol da qualidade merecem nossa atenção: a adoção da metodologia e da filosofia da qualidade total como elementos estruturantes do sistema educacional; a imposição do método por meio de projetos específicos com a intenção de se estender a todo o sistema; a fundamentação das ações nos princípios da descentralização administrativa e financeira, da participação na gestão de recursos humanos e sua capacitação, da gestão pedagógica compartilhada e da autonomia das escolas; o foco na escola como sendo uma unidade de produção, com metas e objetivos a serem perseguidos; o rótulo da comunidade escolar como

cliente e das lideranças fracas como um perigo; o foco do investimento em treinamento dos gestores; a preocupação maior com a busca da eficiência, da eficácia e da produtividade da escola e; o deslocamento do discurso da democratização para o da qualidade, no caso, para o da qualidade total.

Como vemos, não se trata de uma ação qualquer, mas de uma ação altamente pensada e articulada, que conta com apoios no setor empresarial, em instituições internacional e no meio político. Que, a pretexto de promover a qualidade da educação, procura impor ao sistema público de educação a forma de pensar e agir dos meios empresarias, tratando a qualidade da educação como um problema eminentemente técnico e gerencial.

Mas não é somente por meio da adoção do método de qualidade total que a visão empresarial de Estado e de sociedade visa a promoção da qualidade da educação e se insere e se firma no campo da educação. Uma outra forma de ação se dá por meio das parcerias entre empresa e sistema educacional ou empresa escola. É o que veremos.