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Segunda parte do objeto de estudo: o produto[r]

Conforme apontado anteriormente, no teatro brasileiro do no início do século XX, era comum caber ao primeiro ator a responsabilidade de administrar e organizar a produção teatral, que envolvia tanto a parte cênica quanto a econômica. Contudo, a expansão do setor cultural, nas últimas décadas, possibilitou o surgimento de novos parâmetros e de novas funções na área cultural. Além disso, outro fator relevante era a concentração do mercado teatral no eixo RJ-SP. Assim, ao longo dos anos, São Paulo destacou-se no ramo da indústria, dando um salto qualitativo e quantitativo no que se refere à produções em massa, além de aglomerar inúmeros imigrantes na cidade e de tornar-se referência no mercado nacional.

Mas com a descentralização do mercado teatral, começava a se consolidar em outras capitais e cidades do Brasil a implantação e criação de grupos de teatro. Em Minas Gerais,

estado sede do Grupo Ponto de Partida, existem grupos que, espalhados por suas cidades, criam, promovem e divulgam cultura. É por meio desses grupos e da resistência dos mesmos, que o interior passa a ser visto não apenas como consumidor da produção cultural dos grandes centros urbanos e das principais cidades, mas tornam-se pequenos centros criadores e promovedores de cultura.

O Ponto de Partida, em Barbacena, é exemplo desse grandioso trabalho voltado para a área da cultura, a ponto de se tornarem promovedores, idealizadores e realizadores de teatro, de música, de literatura, a fim de cultivarem cultura tanto na cidade, quanto na região. Para tanto, precisariam se capacitar ao longo de sua trajetória.

Nesse período de mutação, em que os grupos estavam conhecendo as novas metodologias, não se podia permanecer em um mercado teatral com amadorismo e desconhecimento sobre a área cultural, e, principalmente, sem saber como realizar uma produção teatral de forma profissional.

Assim, nas últimas décadas tornou-se visível a ampliação de profissionais ligados ao ramo da cultura, como o caso dos produtores39, agentes da área da cultura, responsáveis por desenvolver funções à frente de inúmeros desafios que enquadram a produção teatral.

Da década de 1980 para os tempos atuais, é perceptível a multiplicidade das possibilidades de formação e aperfeiçoamento de produtores nos estados brasileiros, por intermédio de cursos técnicos, universitários (como o curso de Produção Cultural na Universidade Federal da Bahia e Universidade Federal Fluminense) e, principalmente, a inserção no mercado de trabalho, que, para muitos, é considerada como uma grande escola formativa do campo profissional.

Se nas décadas passadas considerávamos o produtor um ofício ainda em processo de formação, hoje essa função está cada vez mais presente em inúmeros espaços culturais, ocupando desde grupos até instituições, com produções de turnês nacionais e internacionais,

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Outra importante definição no meio cultural é a de Gestor Cultural: “Profissional que administra grupos e instituições culturais, intermediando as relações dos artistas e dos demais da área com o Poder Público, as empresas patrocinadoras, os espaços culturais e o público consumidor de cultura; ou que desenvolve e administra atividades voltadas para a cultura em empresas privadas, órgãos públicos, organizações não-governamentais e espaços culturais” (AVELAR, 2008, p. 52). O termo gestor e produtor são bastante tênues com relação às atividades. No entanto, por entender que a maioria dos artistas optam por ter em seus grupos teatrais a presença de um produtor, o presente trabalho se norteará por esta vertente. Outras informações sobre Gestor Cultural: (C.f.: MARTINELL, Alfons. Nuevas competencias en la formación de gestores culturales ante el reto de la internacionalización. In: Revista Iberoamericana de Educación. Organización de Estados Iberoamericanos (OEI), out. 2002. SCHAGORODSKY, Héctor. Un perfil del gestor cultural profesional en América Latina y el Caribe: su relación con la formación en gestión cultural. In: Portal Iberoamericano de Gestión Cultural: boletín

além de contar com recursos tecnológicos que contribuem com o trabalho desses profissionais, o que certamente difere do contexto das décadas de 1970 a 1980.

O Ponto de Partida, apesar de possuírem uma equipe de produção, desde o início de sua trajetória, o grupo considerava todos os seus componentes como produtores, a ponto de perceberem que, para ganharem visibilidade e reconhecimento, necessitariam ser diferentes, ou seja, precisariam ser “ótimos” para se destacarem no mercado teatral. Ainda mais que, a principal ideologia, desde sempre, foi permanecer em Barbacena, então, para isso, o diferencial era fazer com que o Brasil conhecesse o Ponto de Partida, mesmo estando no interior, sem ter a necessidade de saírem para alçar novos espaços.

Dessa forma, um dos pontos cruciais do grupo foi entender, durante o processo de formação, ao longo dos primeiros anos do Ponto de Partida, que o diferencial seria encontrado na identificação com a produção teatral. Para isso, o grupo precisou compreender a lógica mercantilista presente no mercado e que, a função do produtor teatral, está associada às responsabilidades de gerenciar o trabalho de um grupo, de um artista, de um coletivo, desde a concepção de um projeto até a realização de um produto teatral. Além disso, o produtor visa garantir a temporada em espaços teatrais, a circulação do espetáculo entre cidades, estados e países. Para que tais ações se tornem realmente estruturadas, é necessário que o produtor seja um profissional que se envolva em cada área da criação.

O Ponto de Partida, através de Regina Bertola e Ivanée Bertola – dois grandes nomes responsáveis por alavancar o grupo e o colocá-lo no mercado teatral – compreende que o diferencial do grupo está nos métodos de produção, que, com certeza, tornam-se o ponto enriquecedor, especialmente, por se identificarem como agentes da cultura e produtores teatrais responsáveis por promoverem produtos artísticos para um determinado mercado.

A produtora Carla Lobo afirma a importância do produtor não apenas em se envolver, mas em “participar e acompanhar os procedimentos de cada [trabalho]. Com certeza, cada pessoa vai ter mais afinidade e interesse em uma determinada área que outra, mas o conhecimento básico de todas é fundamental” (LOBO, 2009, p. 21), e, no caso específico do teatro, trata-se de compreender a parte técnica como o palco, o cenário, o figurino e a iluminação, mas sobretudo de envolver-se com os responsáveis de cada área. Além disso, há também a necessidade de entender da parte burocrática, como escrever um projeto, o que rege as leis de incentivo, os modos de captação, a logística, a jurídica, a comunicação, dentre outras características que compõem a atividade teatral. A pertinência dessa relação de proximidade do produtor com os meandros da arte e da burocracia deve-se ao fato de que as artes cênicas trabalham com esses dois pilares imbricados: a criação artística e a econômica.

Em alguns autores pesquisados, como Cristiane Garcia Olivieri (2004), Maria Helena Cunha (2007), Rômulo Avelar (2008) e Carla Lobo (2009), é possível encontrar a utilização do termo produtor cultural (ou simplesmente produtor), uma vez que ele pode atuar em todas as áreas artísticas, teatro, música, dança, artes plásticas, circo, dentre outros setores. Segundo os autores, o produtor é um profissional

[...] que cria e administra diretamente eventos e projetos culturais, intermediando as relações dos artistas e demais profissionais da área com o Poder Público, as empresas patrocinadoras, os espaços culturais e o público consumidor de cultura (AVELAR, 2008, p. 52).

Outra definição, que circunda a função é a de

empresário que investe diretamente ou se encarrega da obtenção de recursos financeiros e de outras formas de patrocínio, controla as despesas necessárias e arregimenta os meios técnicos e materiais indispensáveis à realização de obras cinematográficas, teatrais, operísticas, coreográficas ou de espetáculos de musicais [...] (CUNHA apud AVELAR, 2008, p. 52).

Para Carla Lobo, a definição de produtor parte de uma metáfora a respeito de uma estrutura mecânica:

A engrenagem funciona com suas várias peças como os projetos/eventos culturais com suas várias áreas. O produtor é a conexão de todas as peças, ele põe a engrenagem para funcionar. E só tendo conhecimento de cada área é que o produtor é capaz de desempenhar as suas múltiplas funções (LOBO, 2009, p. 21).

As definições apontadas pelos autores contribuem para entender que a função do produtor está presente em todas as áreas, mas também evidenciam a importância de conexão entre todos os envolvidos. Trata-se de uma rede, que associa as diferentes funções em prol de um único foco, seja a realização de um evento ou de um projeto cultural, envolvendo apenas a parte criativa, mas também as atribuições administrativas que permeiam a produção de um espetáculo teatral, por exemplo. A metáfora utilizada por Carla Lobo certamente apresenta uma visualização importante dessa maquinaria que envolve toda a produção teatral, cuja engrenagem depende do funcionamento adequado de suas inúmeras peças e funções.

Entretanto, é possível que a presença do produtor possa interferir negativamente para o processo: quando ele, durante a produção teatral, não participa de todo o processo artístico e não compreende o dinamismo do grupo, pode acarretar sérios problemas para toda a equipe.

Por isso, a preocupação maior é não desvincular a importância da arte e sobrepô-la ao capital econômico, mas entender que arte e economia são duas ferramentas metodológicas que andam em parceria para a realização de uma obra artística, uma vez que existe a preocupação com o lucrativo, com a organização, mas também com todos os processos de uma criação artística.

Assim como o Ponto de Partida, também as vanguardas de sua época, e, sobretudo, importantes empreendedores, entendem que uma produção teatral é movida por outras conjugações. Além de se assumirem como produtores e administradores da produção de um espetáculo que realizam, devem saber como “vender o peixe no mercado”, como diz a expressão popular.

Nas páginas do Jornal Cidade de Barbacena no ano de 1991, quando ainda viviam seus primeiros 10 anos de grupo, os membros do Ponto de Partida já discutiam sobre os métodos de produção e as dificuldades de fazer teatro. Em reportagem, o texto intitulado O

preço do sonho inicia-se da seguinte maneira: “Antes que os refletores se acendam para o

início do espetáculo, a maior parte da plateia talvez não imagine o que envolve uma produção teatral e os ‘zilhões’ de obstáculos que têm que ser superados para que a cortina se abra e a ‘mágica’ aconteça” (Jornal Cidade de Barbacena, 1991, p. 1). A colocação parte das dificuldades acerca de se produzir um espetáculo, dos grandes investimentos financeiros, dos altos preços para a criação e manutenção de um espetáculo, com cenário, iluminação, figurino e maquiagem, e os custos de hotéis e transportes durante a circulação.

A questão maior que dá destaque ao Ponto de Partida parte de dois aspectos, necessariamente. O primeiro deles descreve o próprio produtor do grupo, Ivanée Bertola: “se nos grandes centros, com milhões de empresas grandes, o apoio já é difícil, imagine no interior” (Jornal Cidade de Barbacena, 1991, p. 1). A lógica apresentada pelo integrante não é errada, mas o próprio pensamento sugere que, nas grandes capitais, a disputa também se torne maior entre a própria classe artística, o que, certamente, diferencia-se dos pequenos centros, de tal maneira que a cidade acaba “abraçando” a causa e contribuindo para que este sonho vire realidade. O segundo diferencial do grupo recai sobre o fato de ser uma companhia de repertório e que possui sempre “produtos artísticos” para apresentarem ao mercado, podendo assim, sempre empreender recursos e investimentos em suas obras de criação.

É por apresentar características e funções como as do produtor, que se pode caracterizar o Ponto de Partida como um grupo que se torna capaz de mediar o campo das artes do teatro com as ciências exatas, sendo responsável por viabilizar os recursos, estratégias, procedimentos que liguem o pensamento do artista a estruturas possíveis de

transformá-la em um produto cultural, e, assim, levar o espetáculo ao mercado, por meio da difusão e da circulação. Em vista disso, o atual perfil desse profissional está em “compreender o processo de criação nas artes, a ‘fronteira entre o fazer artístico e a produção’, já que deve ser considerada com uma das características” (CUNHA, 2007, p. 94).

Assim, o Ponto de Partida desenvolve uma cumplicidade e uma capacidade de envolver gente de todas as áreas em sua “indústria de sonhos”: são atores, iluminadores, músicos, diretores, produtores e público, que se imbricam nesse grande processo de empreendedorismo que é o Ponto de Partida, que, sem dúvida, pode ser considerado como um grupo de produtores que visam à criação de produtos.