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4 TEATRO DOS SONHOS NA APRENDIZAGEM ESCOLAR

4.2 Vivências criativas:

4.2.4 Segundo encontro presencial (26 de agosto de 2020)

Este encontro teve a presença de cinco professoras e iniciamos avaliando o anterior. As professoras demonstravam estar mais dispostas e interessadas, pois a vivência anterior, através de jogos corporais, as estimulou ao processo, como avaliou Costa: eu gostei muito do outro encontro, porque houve muito movimento e acho que a gente precisa se soltar mais, já que não estamos acostumadas com esse tipo de movimentação e interação. Quando a gente faz com as crianças, a gente não participa, só manda. Participar é bem mais interessante e legal.

As avaliações das professoras me fizeram refletir sobre a importância da metodologia de vivências para a incorporação de um diálogo desenvolvido com outras formas que não apenas pela palavra como instrumento racionalizado para legitimar a realidade, mas também pela ação da corporalidade, da emoção, dos sentidos, da estética, do afeto e das potencialidades criativas e criadoras em uma perspectiva não diretiva em contraponto a uma teoria que não se fundamenta e que se estabiliza, a

priori, mas vai se construindo e se instituindo no processo da prática. Vivenciar é sentir com o corpo e com todas as sensações e emoções as possibilitadas de um aprendizado transformador, principalmente pela ação em coletivo, que transforma ao ensinar e vice-versa, através das inúmeras trocas simbólicas.

Pinho (2014) enfatiza que no desenvolvimento dos grupos de trabalho, a possibilidade de expressão das emoções, sejam ela verbais, corporais, vivenciadas ou esteticamente expressadas e despertadas, pode revelar-se como uma condição necessária para a facilitação da transformação pessoal e social, ou seja a potência para a mudança se fortalece para além do conhecimento racional sobre o que fazer ou como fazer para mudar, emergindo da dimensão ativa e do vivenciar sentidos e orientações para as diversas situações existenciais.

Sobre vivência, Pinho (2014) ainda esclarece:

De um modo imediato, atualmente é bastante comum encontrar a utilização dos termos "vivência" ou "vivencial" na proposição metodológica de intervenções em diversos âmbitos do campo "psi": clinica psicoterapêutica, organizações, escolas, comunidades e outros. Exercícios de dinâmicas de grupo, oficinas de capacitação, treinamentos, exercícios de relaxamento, meditações, jogos lúdicos, jogos criativos, expressões artísticas e tantas outras, constituem o conjunto de técnicas consideradas "vivenciais" (PINHO, 2014, p. 82).

A importância desses encontros foi sinalizada pela possiblidade de experimentar novas formas de realidade, pautadas na ação do afeto, da escuta e no desenvolvimento de uma além-educação que perpassa por um movimento que vai para além da razão puramente, e encontra na encontrando na intuição e no sentimento, o alicerce de um aprendizado orgânico e vivo.

Desta forma, ampliei as relações essenciais para o desenvolvimento das vivências que tiveram a arte como linguagem simbólica necessária para a consecução dos nossos objetivos elencados.

Neste encontro, Mendonça salientou que ficou com o corpo dolorido por conta dos exercícios. As demais perceberam, também, um desconforto corporal. De acordo com Pereira, esse processo é normal, por conta do sedentarismo, mas que, apesar da dor, acordou mais disposta no dia seguinte. Assim, o alongamento foi realizado de uma forma diferente. As professoras ficaram sentadas em suas cadeiras, e trabalhamos as diversas partes do corpo, tanto os membros superiores e posteriores para amenizar esse desconforto, além de proporcionar outras formas, lúdicas, de desenvolvimento corporal.

sentadas, pois acreditavam que só poderiam fazê-los em pé. Observei a elas que dependia muito do exercício e da função específica de cada um. A proposta era alongar, sentir e movimentar o corpo de alguma forma, apesar deste lhes parecer limitado. Corrêa destacou: agora não tinham mais desculpas para deixarem de se exercitar, pois até mesmo sentadas, elas realizavam movimentos e que estes eram muito bons para serem feitos ao acordar.

Em seguida, realizamos um jogo para o aquecimento vocal e corporal através da música de roda de tradição popular, escravos de Jó: Escravos de Jó jogavam caxangá, tira, bota, deixa o zambelê ficar. Guerreiros com guerreiros fazem zigue, zigue, zá. Esta música tem várias versões nas diferentes regiões do país e é perpetuada, de forma oral, de geração em geração.

Aproveitei o momento para refletir a letra da música, pois as professoras acharam interessante trabalhar com as crianças. Perguntei se ainda era saudável cantar a palavra escravo e se não havia problemas em naturalizar uma posição de lembrança de subalternação imposta de um grupo sobre o outro. As professoras ressaltaram que nunca haviam refletido sobre essa questão e deram exemplos de outras músicas utilizadas, em sala de aula, com este mesmo teor, percebido, por todas, como preconceituoso e racista. Decidimos, então, trocar a cada cantada a palavra escravo por outra que elas escolhessem. Elas acharam interessante e divertido, pois, ao trocar a palavra original por outra, como amigos, parentes, flores o ritmo da música não foi modificado, mas tornava-a mais lúdica. O objetivo era trabalhar o aquecimento das pregas vocais, ritmo e concentração, além de movimentos em formato circular, de ciranda. As professoras gostaram muito e perceberam todos os objetivos desenvolvidos.

A próxima atividade realizada foi o jogo das três mudanças. A proposta era observar como cada um percebe o outro. Este jogo é denominado por Spolin (2001) como jogo da sobrevivência. Cada professora faz três mudanças para a sua companheira tentar descobrir quais foram. A professora deve olhar a outra que está a sua frente e perceber sua roupa, seu cabelo e etc., então, viram-se de costas e efetuam três mudanças (por exemplo: desarrumam o cabelo, soltam o laço do sapato, mudam o relógio de mão etc.). As professoras, então, voltam a se olhar de frente e identificam quais mudanças sua parceira efetuou. Ao final, trocam de parceiras.

O último momento deste jogo foi a observação de si mesma. O comando era caminhar e tentar se observar, primeiro com os olhos abertos, depois com estes

cerrados. Em seguida, as professoras deitaram no chão e o foco era continuar se observando, sem tocar e nem utilizar as mãos. Utilizei uma música suave para dar um fundo de relaxamento.

Vale ressaltar que esses jogos não tinham sido planejados anteriormente, pois desde o primeiro momento já senti a necessidade de construir vivências mais abertas e sem a necessidade de um tratamento lógico racional. De alguma forma, a força criativa brotaria nos encontros, de acordo com a necessidade de cada momento. Uma das sensações que tive, nesse encontro, foi sobre a fala das dores causadas nos seus corpos, e que isso era um aviso para desenvolver um pouco mais sobre suas percepções acerca de seus limites e como estes podem ser ultrapassados.

A minha experiência em trabalhos com jogos teatrais, em especial na perspectiva e metodologia de Viola Spolin (2001) e Augusto Boal (1975), favoreceram a escolha e utilização de cada jogo para cada momento adequado.

Na contação dos sonhos, todas explicitaram ter tido pesadelos. De acordo com Monteiro, os pesadelos são quando os sonhos não são bons ou são assustadores e nos causam medo. Monteiro foi a primeira a relatar dois de seus sonhos. Ela, diferentemente das demais, tem uma facilidade incrível de relatar e narrar.

Segundo Von Franz (2018), um pesadelo é como um eletrochoque da natureza para um perigo psíquico. O inconsciente grita ao ouvido, quando se está em uma situação muito perigosa e não se tem compreensão da mesma. Conscientemente, não sabemos o que se passa.

O sonho de morte de Monteiro: na madrugada de 22 de agosto de 2020, tive um sonho ruim. Estava dormindo na minha casa, acordei com um cheiro muito forte de gasolina dentro de casa. Levantei e, quando passava pelo corredor de casa, vi a moto do meu filho com os dois fios cortados e derramando muita gasolina no chão. Então, saí para fora da casa e vi os meus sobrinhos e a esposa do meu filho sentados na calçada e chorando, falavam baixo para eu não ouvir o que eles falavam sobre o meu filho Cleisson. Cheguei perto deles para ouvir melhor, mas eles não viam. Então, fiquei desesperada, pois eu ouvi o que eles falavam e eles não estavam me vendo. Estavam dizendo que não era para contar para mim o que realmente tinha acontecido com o Cleisson e que não era para me contar o que aconteceu de verdade com ele. Se aproximou de mim um rapaz que eu não conhecia e me falou tudo como aconteceu de verdade. Tinha acontecido uma briga com os meus sobrinhos e o meu filho foi ajudar eles para não brigarem. Dois rapazes ficaram com raiva de Cleisson e deram

dois tiros nele e o mataram. Sendo que ele nem estava na briga, só queria acalmá-los. Fiquei desesperada, pois não sabia onde meu filho estava e os meus sobrinhos não queriam me contar. Então, aquele rapaz falou que os dois homens que tinham atirado no Cleisson já estavam mortos também. Quando souberam o que tinha acontecido com ele, os amigos dele ficaram revoltados, porque ele não estava brigando, só queria acalmá-los. E, então, mataram os que tinham atirado no Cleisson. Estava desesperada porque meu filho não ia voltar mais para casa, também eu não ia ver mais ele. Chorava bastante e perguntava para Deus porque tinha acontecido aquela situação com ele. Falava para Deus que não tinha tempo para me despedir dele, e agora nunca mais ia ver ele. Senti uma dor tão profunda como nunca tinha sentido, um desespero na alma. Acordei em desespero chamando por Deus.

Após o sonho de morte, Monteiro relatou seu sonho de cura: na tarde do dia 23 de agosto de 2020 sonhei que estava me olhando no espelho e, quando olhava diretamente para meu rosto, percebi que o meu olho direito estava furado. Foi então que percebi que enxergava com o olho direito e o esquerdo não. Me apavorei e continuei olhando para o espelho e vi em direção do meu olho direito duas mãos com luvas brancas vindo na minha direção com uma agulha e linha. Ouvi uma voz que falava para eu ficar parada. Continuei em frente ao espelho, parada e olhando o que acontecia. Aquelas mãos tiravam o globo do meu olho e começou a limpar com uma tesoura e gazes e, em seguida, colocaram o meu olho de volta e em cima do buraco foi dado três pontos e o meu olho ficou perfeito como o outro olho esquerdo. Comecei a enxergar perfeitamente com o outro olho. Estava agora enxergando bem. Então, acordei.

Mendonça também sonhou com a morte: sonhei que estava muito doente. Fui ao hospital e lá fui diagnosticada com Covid-19 e que meus órgãos estavam muito comprometidos e acabei falecendo.

As demais professoras não conseguiram relatar seus sonhos. Desse modo, tivemos, como início, estes três, com o tema principal a morte. Para tanto, solicitei que trouxessem uma imagem que representasse o que significava a morte, pois este seria o assunto na próxima vivência.

Retornei à reflexão sobre as imagens que não necessariamente são desenhos, mas algo que comunica alguma coisa, ou qualquer outra coisa que ainda não está concretizada, podendo ser realizada por gestos, músicas, sons, falas e etc.

Apresentei o livro: A Busca do Sentido, de Von Franz (2018) para que as professoras iniciassem um contato com os autores em estudo. Mas ressaltei que não trabalharíamos com conceitos pré-estabelecidos, textos e leitura de livros, nessa primeira fase do processo.

Ao final do encontro, entreguei às professoras o caderno de sonhos ou diário dos sonhos, como algumas professoras o denominaram, pois percebi que havia dificuldade das mesmas em construí-lo. Apesar de ter explicado, anteriormente, que se tratava de um caderno simples, para o registro dos sonhos e de todo o processo, as professoras não haviam feito. Portanto, com o objetivo de estimulá-las a utilizar este instrumento de registro de memória, eu construí um, para cada uma delas, e as presenteei.

O caderno de sonhos era simples, mas deu uma conotação de organização e foi percebido pelas professoras como algo que as ajudaria no processo de registro.

Fotografia 10 – Cadernos de sonhos