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SEGUNDO OPERATIVO CÊNICO DA LINGUAGEM DO GRUPO: TEXTO PERFORMATIVO COMO ESPAÇO DO DEVIR

O próximo operativo cênico da linguagem do Ói Nóis é relativo à autonomia da encenação em relação ao texto dramático, vista aqui como materialidade, como espaço das forças que tornam presentes as sensações, em que o caráter rizomático do texto performativo se manifesta através de uma polifonia de heterogêneos, onde não há mais hierarquização dos elementos da encenação, mas interações contínuas, num movimento de transformação permanente cuja natureza é devir e relação; com uma qualidade de energia que resiste a uma tradução direta em significados, abrindo o sentido e alterando a percepção do espectador. Primeiramente vamos colocar algumas noções teóricas, para em seguida associá-las a exemplos concretos do trabalho do grupo e a noções como as de diagrama e figura, descrevendo brevemente dois espetáculos significativos desta forma de procedimento.

Texto performativo como espaço do devir

A encenação nem sempre foi vista como lugar de representação, delegação de um logos vindo de fora, reprodução de um modelo exterior a ela ou como a tradução de um texto dramático pré-existente cujos significados são dados de antemão, “consequência lógica ou temporal dos signos textuais124”. Na origem, o teatro era gesto, dança, um ato de entrega total, um mergulho do corpo na experiência, revelando a dimensão espiritual do homem, sua dimensão sagrada através do corpo125. Artaud já propunha uma linguagem física para o teatro, uma “linguagem concreta destinada aos

124

Pavis, P Lê théâtre au croisement des cultures, p.32.

125

sentidos126”, expressão das forças cósmicas oculta sob a aparência das formas individuais, capaz de materializar o invisível, “signos de forças127”. A especificidade da linguagem teatral se manteve através de formas de teatro popular como a commedia dell’arte ou o teatro oriental, por exemplo, até hoje, onde as fronteiras entre diferentes manifestações cênicas128 (teatro-dança, performance, teatro gestual, circo, etc) são dissolvidas em favor de uma liberdade criadora que privilegia a noção de performance enquanto experiência do tempo presente, vivida em comum por atores e público, como característica principal da relação teatral.

Compreender melhor o que seria o texto performativo e suas relação com as manifestações cênicas mais recentes, pode abrir novas perspectivas na criação de uma cena que potencialize a percepção do espectador, abrindo o sentido, capaz de produzir novas formas de subjetivação.

Poderíamos partir de uma noção de texto performativo que equivaleria a uma visão mais ampla de dramaturgia, que vai além do texto verbal, que é texto/tecido de ações, ações significativas. A trama “é a maneira como se entrelaçam as ações”129, é cena autônoma, o que Dort chama de “escritura cênica”, onde a encenação não é mais considerada “como simples tradução do texto” mas conjunto dos sistemas de signos colocado em cena.130. Autonomia da cena que cria seu próprio ‘espaço’. O texto não é ‘traduzido’ em diferentes sistemas cênicos de representação, é necessário partir da interação entre o conjunto de sistemas dentre eles o texto, para compreender a encenação como uma relação estabelecida entre diversos enunciadores – o espaço, o ator, o ritmo da cena, a frase, etc. O texto espetacular é a resultante da atualização das virtualidades da cena e do texto – “espécie de partitura onde e articulam no espaço e no

126

Artaud,A O Teatro e seu duplo, p. 51.

127

Cf Borie,M Antonin Artaud – Lê Théâtre et le retour aux sources, p. 276.

128

Ou manifestações espetaculares, conforme Pradier,J-M citado por Pavis.

129

Barba,E/Savarese,N Anatomia Del Actor – Um Diccionario de Antropologia Teatral, p.51.

130

tempo todos os sistemas cênicos de representação”.131 Está diretamente ligado à noção de teatralidade em oposição ao texto dramático, ao multiplicar as potencialidades da cena – a teatralidade seria um “espessor de signos e de sensações (...), percepção ecumênica de artifícios sensuais, gestos, tons, distâncias, substâncias, luzes que submerge o texto na plenitude e sua linguagem exterior”(Pavis citando Barthes).132

A encenação de vanguarda supõe uma nova concepção de representação, a partir da autonomia dos elementos da cena oposta à concepção unitária o espetáculo. Heterofonia, como polifonia de heterogêneos, não há mais sentido comum, o espectador interpreta/constrói o sentido, a teatralidade é construção e interrogação do sentido. Para Dort, a teatralidade é mais que um “espessor” de signos, ela é o “deslocamento dos signos, sua conjunção impossível, sua confrontação”.133. Não há mais signos teatrais ‘sintéticos’, mas “interações contínuas entre significados produzidos por sistemas significantes.”134 Um sistema combinatório cuja natureza é devir e relação, mas também confrontação, cuja harmonia, conforme nos lembra Artaud, repousa sobre a “dissonância, a distinção entre os timbres, desencadeamento dialético da expressão.”135

Não há mais hierarquização dos elementos da cena. A cena como produção: não mais como reflexo da realidade, mas como produção material de signos, exigindo a participação do espectador na construção do sentido.

Pavis recorre a noção de metatexto para definir o texto performativo a partir da sua recepção, enfatizando a autonomia do espectador em relação à cena, que participa na criação ou interrogação do seu sentido (como veremos mais adiante quando nos referirmos à experiência da materialidade da encenação). Para ele o a leitura do texto

131

Pavis,P Diccionario del Teatro – Dramaturgia, Estética, Semiologia, p. 445.

132

Pavis, P op. cit., p. 468.

133

Dort,B op. cit., pp. 181-184.

134

Cf Pavis in Versus – Quaderni di Studi Semiotici, “Teatro e Comunicazione Gestuale”, p. 52.

135

Artaud citado por Anspach,S Teatro: Domínio da Intersemiose, in Face, Revista de Semiótica e Comunicação – PUC-SP, p. 92.

espetacular por parte do espectador pode ser feita a partir do que ele chama de um metatexto, um texto não escrito que reúne as opções de encenação que o encenador tomou, conscientemente ou não, ao longo do processo de ensaios, “opções de jogo, da cenografia, do ritmo, dos sistemas significantes136”, da reescritura cênica que a encenação se propõe, numa relação de independência com o texto dramático. Mas o metatexto só existe dentro de uma concepção produtivo-receptiva, “quando é reconhecido e, em parte, partilhado pelo público(...) quando se torna a projeção criativa do espectador.137”

Também segundo Pavis o texto espetacular tem uma complexidade e uma presença, uma qualidade de energia, não-representável138, invisível, que não poderiam ser reduzidas a um significado e a comunicação de um sentido. Há sempre uma parte não verbalizável, não semiotizável na cena. Já Lyotard falava de um “teatro energético” aonde os signos “não são tomados em sua dimensão representativa, não representam nem sequer o Nada, não representam, permitem ‘ações’, funcionam como transformadores que consomem energias naturais e sociais para produzir afetos de altíssima intensidade.139” Há que considerar o aspecto pulsional e temporal do texto performativo e não só a espacialidade e a medida visual dos signos como único aspecto da teatralidade140. Para Grotowski, existem “dois pólos que dão ao espetáculo o seu equilíbrio e a sua plenitude; a forma de um lado, e o fluxo de vida de outro.141” Uma

136

Pavis,P Lê théâtre au croisement dês cultures, p. 37.

137

Pavis,P op. cit., p. 37.

138

“(...) o termo pouco e científico e semiológico de energia é muito útil para enfocar o fenômeno não- representável de que é questão aqui: o ator ou dançarino emana, por sua presença, seu movimento, seu fraseado, uma energia que atinge de chofre o espectador. Sentimos claramente que é essa qualidade que faz toda a diferença e participa da experiência estética como um todo tanto quanto da elaboração do sentido. O não-representável, ou seja, essencialmente, mas não exclusivamente, o invisível, procuramos identifica-lo em relação a uma cultura visual hegemônica de evidência, na audição, no ritmo, nas percepções sinestésicas, logo além dos sinais visuais demasiadamente evidentes e unidades largamente visíveis.” Pavis, P A Análise dos Espetáculos, p. 20.

139

Lyotard,J “El diente, la palma de la mano” in Dispositivos Pulsionales, p. 92.

140

Pavis,P Vers une théorie de la pratique théâtrale – Voix et images de la scène, p. 200.

141

semiótica energética, onde a intensidade da produzida pela cena torna-se ela própria matéria significante, sendo ela o substrato oculto que pulsa sob os signos visíveis142.

A própria experiência concreta da materialidade da cena (presença e corporalidade do ator, o som de sua voz, música, cor ou ritmo, por ex.) vivida pelo espectador, é capaz de resistir a uma tradução imediata em significados. Ainda segundo Pavis “é preciso conceber a representação ao mesmo tempo como materialidade e como significação potencial, sem nunca reduzir uma coisa ao estado de signo abstrato e fixo” que ele compara à “lógica da sensação” em Deleuze, espaço do devir, experiência do sensível, movimento de fluxos, intensidades e afetos capazes de alterar a percepção do espectador143.

A lógica do texto performativo é contaminada pela lógica da performance: características próprias da performance tornam-se princípios conformadores de uma outra forma de narrativa – abertura, pluralidade, estrutura não-lineares são reflexo da supremacia de um pensamento exclusivamente racional, logocêntrico. Conforme Heuvel: “A performance quebra a ilusão do controle racional e de poder sobre o significado (...) processual por natureza, recusa-se a estar ancorada em um sistema estável de referências. O caráter performativo existe num estado indeterminado e plural.”144

A especificidade do ato teatral está também em cultivar sua natureza de performance que quer ser antes “presença que representação, experiência partilhada que experiência transmitida, mais processo que resultado, mais manifestação que significação, mais impulsão de energia que informação145”, assim se referem Christian Biet e Christophe Triau ao teatro pós- dramático, termo criado pelo pesquisador alemão

142

Pavis,P Dancing with Faust – A Semiotician’s reflections on Barba intercultural mise-em scène, in Drama Review, vol. 33, n° 3.

143

Pavis,P A análise dos espetáculos, pp. 14-15.

144

Heuvel,M Performing Drama/Dramatizing Performance pp. 5 e 6.

145

Hans-Thies Lehmann, para definir a evolução de uma cena que recusa a estrutura dramática aristotélica e a descrição narrativa como mimesis (com um sentido fechado, de reprodução exterior da realidade). Eles citam como características principais deste tipo de teatro a simultaneidade, a não-hierarquização entre elementos e fragmentos da encenação, a descontinuidade, a justaposição, a heterogeneidade, a tensão entre seus elementos constituintes, a irrupção do real, a ausência de personagens dramáticas e de conflito no sentido tradicional do termo. A hierarquia que funda a lógica da representação é desconstruída, não há mais uma ordem unificada e totalizadora que possa conduzir a recepção do espectador em um único sentido146. A cena é construída sobre um princípio de montagem, onde a organização semântica, causal e linear, é substituída pela contigüidade e sua colocação em tensão. Uma ordem assimétrica e imprevisível que caracteriza a vida orgânica147, uma coerência incoerente, ou uma sintaxe onírica (segundo os autores ao referirem-se ao Théâtre du Radeau).

Uma outra noção de dramaticidade, não dialógica e causal, onde a transição é substituída pela justaposição, numa relação de tensão onde os elementos da cena mantém sua autonomia. A lógica da criação da encenação se dá através da montagem onde elementos heterogêneos são justapostos, de maneira imprevista, muita vezes invertendo o sentido original de cada elemento, “afirmando dois sentidos ao mesmo tempo”148, uma lógica labiríntica de contrastes, de paradoxos, que permite novas possibilidades de leitura por parte do espectador.

A metamorfose, o movimento de transformação permanente fazem a unidade orgânica e viva desta cena, que “se apresenta como uma fábrica de afetos, de sensações, um lugar de reagenciamento de percepções e sentidos.” Espaço da imeditiaticidade e do

146

Biet,C/Ttriau,C op. cit., p. 887.

147

Orgânica aqui no sentido de fluxo de energia e não de organismo ou organização dos órgãos, de estruturas rígidas e fixas. Deleuze se refere na Lógica da Sensação a uma “vitalidade não orgânica” como fluxo vital, movimento de transformação permanente , do movimento infinito (p. 67).

148

devir, lugar de forças antes das formas, formas que ainda não ganharam permanência, rompendo com os significados pré-fixados, suscitando “a imagem e o sentido no seu surgimento, antes que eles se estabeleçam em uma forma que os reduziria ou os fixaria imediatamente.149”

A ausência de um significado dado a priori, de identidades fixas que submetem as diferenças e são próprias do senso comum e que se estabelece a partir das relações entre os seres situados no mundo e não como reprodução de um modelo e de uma verdade exteriores a ele, pode revelar a potencialidade libertadora de uma cena capaz de despertar a imaginação e a sensibilidade do espectador que, ao agir criativamente na elaboração de sua própria leitura da cena, possa escapar aos códigos do mundo fechado e estriado do Estado, construindo, quem sabe, novas formas de existência, ao romper com hábitos perceptivos já cristalizados.

Descrição significativa dos procedimentos utilizados nos espetáculos do grupo O Ói Nóis sempre foi conhecido por dar mais ênfase ao texto performativo do que ao texto dramático previamente escrito (quando ele existe)150. O texto dramático é somente um dos componentes da encenação ao lado de outros elementos; e é da multiplicidade e heterogeneidade dos elementos presentes na cena, que pode surgir uma lógica não-narrativa e não-linear, que rompa a unidade, a “coerência” proposta pelo texto original, a procura de uma coerência incoerente, uma ordem assimétrica e

149

Biet,C/Triau,C ibid, 898.

150

Por vezes o grupo recorre a um texto previamente escrito para ser encenado, mas quase sempre o trabalho de improvisação dos atores associado a outros elementos da cena como a luz, o espaço, os figurinos, a música contribuem para uma releitura do texto; em alguns casos desconstruindo a estrutura do texto original, subvertendo as convenções propostas através da tensão entre elementos contrastantes e da materialidade da cena, num processo de reelaboração narrativa (é o caso de A morte e a Donzela, por ex.)

ou ampliando a lógica latente do texto original (casos de textos com estrutura mais aberta e fragmentária como Hamlet-Machina e A Missão, de Heiner Müller). Por vezes, não há nem mesmo um texto dramático, apenas um roteiro, como em Ostal. Ou ainda, o grupo escreve sua própria versão do mito ou da idéia básica da encenação durante o processo de elaboração do espetáculo (como em Antígona, que ainda preservava alguns fragmentos dos textos originais; Ananke – a luta pela vida, literalmente um texto coletivo; ou mesmo Kassandra, baseado no romance de Christa Wolf.

imprevisível, que se desconstitui e constitui continuamente, em que as conexões se criam no próprio devir da performance.

O metatexto, o texto que é percebido pelo espectador é o resultado das atualizações dadas pelo texto e pela virtualidade que ele contém, e também pelas atualizações dadas pela cena com a virtualidade que ela contém; mais todas as tensões que se dão no momento da performance, como movimento do devir. O real, segundo Zourabichvili, comentando Deleuze, não seria um já-dado, mas constituído de uma parte atual e de uma parte virtual – o real só se daria em vias de atualização, conectado sempre ao virtual.151

Estas tensões que se dão no momento da performance, como experiência da materialidade concreta da cena, não podem ser traduzidas imediatamente em signos, há sempre uma parte não representável (p.79), invisível na cena, com uma qualidade de energia que poderia ser associada às forças, às intensidades que tornam presentes as sensações.

Para Deleuze, em seu texto sobre a obra de Francis Bacon, a Lógica da Sensação, não se trata de reproduzir ou inventar formas, mas de captar as forças, de tornar visíveis as forças não-visíveis. Ele recorre à noção de Figura, como forma sensível relacionada à sensação, agindo imediatamente sobre o sistema nervoso152, num paralelo com a noção de corpo sem órgãos de Artaud, retomada por Deleuze e Guattari:

151

“Eis porque não convém abordar o virtual apenas a partir do processo de atualização: o leitor seria tentado a interpreta-lo como um estado primitivo do real de onde deriva o dado. (...) Se não há experiência do virtual como tal, uma vez que ele não é dado e não tem existência psicológica, em contrapartida uma filosofia crítica que se recuse a ‘decalcar’ a forma do transcendental sobre a do empírico e, com isso, a atribuir ao dado a forma de um já-dado como estrutura universal da experiência

possível, fará justiça ao dado ao constituir o real de uma parte atual e de uma parte virtual. É nesse sentido que não existe real – isto é, encontro e não apenas objeto previamente reconhecido como possível – senão em vias de atualização; e que se o virtual para si mesmo não é dado, em contrapartida o dado puro, sobre o plano de imanência da experiência real, está conectado sobre ele, implicando-o intimamente.” Zourabichvili, F O Vocabulário de Deleuze, p. 118.

152

“”Há duas maneiras de ultrapassar a figuração (ilustrativa ou narrativa): em face à forma abstrata, ou à Figura. Para esta via da Figura, Cézanne dá um nome simples: a sensação. A figura é a forma sensível relacionada à sensação; ela age imediatamente sobre o sistema nervoso, que é a própria carne.” Deleuze,G Francis Bacon - A Lógica da Sensação, p. 19 (cópia impressa da tradução de Silvio Ferraz)

“ (...) A sensação é vibração. Sabemos que o ovo apresenta justamente este estado do corpo ‘antes’ da representação orgânica: eixos e vetores, gradientes, zonas, movimentos cinemáticos e acessórios. (...) Toda uma vida não orgânica, pois o organismo não é a vida, e a aprisiona. O corpo é inteiramente vivo, e portanto não orgânico. Assim a sensação, quando atinge o corpo através do organismo, toma um movimento excessivo e espasmódico, rompe os limites da atividade orgânica. Em plena carne ela é diretamente levada pela onda nervosa ou emoção vital. Podemos acreditar que Bacon reencontra Artaud em muitos pontos: a Figura é precisamente o corpo sem órgãos(...); o corpo sem órgãos é carne e nervo; uma onda o percorre lhe traçando níveis; a sensação é como o reencontro da onda com Forças que agem sobre o corpo, ‘atletismo afetivo’, grito-sopro; quando assim se remete ao corpo, a sensação deixa de ser representativa e se torna real; e a crueldade será ainda menos ligada à representação de qualquer coisa de horrível, ela será somente a ação das forças sobre o corpo, ou a sensação (o contrário do sensacional).”153

No corpo sem órgãos não há articulação, mas circulação fluente de intensidades num movimento de devir, de passagem ao infinito, em que as formas em movimento ainda não ganharam permanência, onde as conexões provisórias se refazem continuamente, desestruturando o organismo numa espécie de desordem criadora, um movimento de desterritorialização permanente. Ainda no mesmo texto, Deleuze refere- se à noção de diagrama como trabalho preparatório para destruir a figuração, para após evoluir em Figura, e que seria na obra de Francis Bacon, o conjunto operatório “das linhas e das zonas, dos traços e das manchas assignificantes e não representativas.154” O diagrama seria capaz de provocar uma desordem que romperia as estratificações, os

153

Deleuze, G op.cit., p. 24 (cópia impressa da tradução de Silvio Ferraz).

154

clichês e os significados fixos, “um caos, uma catástrofe, mas também o germe de ordem ou de ritmo.155”

Poderíamos traçar um paralelo em relação às estruturas narrativas dentro da encenação, que remeteriam a um elemento unificador. Um diagrama colocado em meio á narrativa poderia desestruturá-la, rompendo sua linearidade e desencadeando novas conexões e novos sentidos a partir da relação entre elementos múltiplos e contrastantes. No caso de Ostal (1987), a narrativa aberta e fragmentária, pela subtração do texto dramático tradicional e a experiência concreta da materialidade da cena dada pela interação entre os diversos sistemas significantes, ligada à noção de teatralidade, poderiam operar como um diagrama. O espetáculo recorria a estímulos sensoriais diversos, dentro de um ambiente principal que propiciava o envolvimento entre atores e público (vinte pessoas por performance); e as personagens, que não seguiam uma lógica realista, com um perfil psicológico, eram antes personas: a paciente, a mulher de preto, o médico, buscando uma dilatação da presença e do gesto que deformavam a aparente desenho realista da ação. A seguir uma breve descrição da encenação.

O espetáculo quase não recorre ao texto verbal, com exceção de algumas cenas em que se entreouvem sussurros, conversas, nomes de pessoas queridas, discussões em língua estrangeira, etc. A maior parte da encenação é calcada em ações físicas, impressões, sensações, imagens que parecem provindas do inconsciente e das lembranças da personagem principal que conduz a ação, no caso, a esquizofrênica. Ostal significa casa no dialeto francês significa casa e, em algumas regiões da Espanha pode ser traduzida como hospital ou hospedaria.156 A encenação é baseada no roteiro do grupo italiano Confrontação, que foi publicado na revista The Drama Review, dirigida por Richard Schechner. A partir do roteiro original, as cenas eram recriadas a partir da

155

Deleuze, G ibid, p. 52.

156

vivência dos atores. O cenário principal, ou melhor, o ambiente, no sentido de espaço que propiciava a integração entre atores e público; ao contrário de algumas outras

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