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2. INCIDÊNCIA DAS NORMAS QUE REGULAM AS RELAÇÕES DE CONSUMO ÀS OPERADORAS DE PLANOS DE SAÚDE

2.3. Segurado como consumidor

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seja, que não adquire o bem para revenda ou até para uso profissional, haja vista que, nesta hipótese, o bem torna-se novamente instrumento de produção, cujo valor agregar-se-á ao preço final do serviço prestado ou do produto fornecido pelo profissional que o adquiriu.150

Essa corrente considera consumidor somente aquele que adquire ou utiliza o produto ou o serviço para uso pessoal ou de sua família. Tais doutrinadoras excluem aqueles que destinam o bem ou o serviço adquirido para uso profissional e tendem a classificar os bens econômicos como de consumo ou de produção.151

Os finalistas também costumam excluir a pessoa jurídica da definição de consumidor, ainda que em violação à literalidade de lei. Isso porque a finalidade do CDC é tutelar os direitos e interesses da parte vulnerável da relação de consumo152, que, em regra, são os não empresários. COMPARATO já afirmava que os consumidores “não dispõem de controle sobre os bens de produção e, por conseguinte, devem se submeter ao poder dos titulares destes.”153

Por outro lado, a teoria maximalista defende interpretação mais objetiva e menos teleológica do consumidor. Isso porque nele inclui toda e qualquer pessoa que seja destinatária fática do bem ou serviço. Não importa, dessa forma, qual a destinação que será dada ao bem ou serviço, o só fato de ser este retirado da cadeia de produção já qualifica o seu adquirente ou usuário como consumidor.154

Importante ressaltar a visão mais abrangente desta corrente, que amplia o horizonte de aplicação do CDC ao expandir o rol daqueles considerados consumidores. Afirmam, por fim, que a Lei nº 8.078/90 tem como objetivo regulamentar o mercado de consumo em geral, não importando se há ou não a coincidência dos destinatários fático e final ou se há fim lucrativo na aquisição ou no uso do bem ou do serviço.155

NUNES filia-se à teoria maximalista. Afirma que os produtos colocados no mercado ao alcance de todos devem ser necessariamente considerados como de consumo. “No entanto, produtos e serviços que somente profissionais, fabricantes,

150 SCHMITT; MARQUES, 2008, pp. 133-134.

151 SCHAEFER, 2009, pp. 70-71.

152 GREGORI, 2010, p. 119.

153 COMPARATO, 1974, p. 27.

154 GREGORI, 2010, p. 119.

155 SCHAEFER, 2009, p. 71.

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produtores possam adquirir serão bens de produção e, consequentemente, tal relação não será abrangida pelo CDC.”156

Tem ganhado expressão, sobretudo no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, a intitulada teoria finalista mitigada, ou aprofundada. Figura como meio termo entre as correntes acima apontadas e parte do entendimento da teoria finalista, mas não de suas premissas.

O que importa para a caracterização de algum ente como consumidor, para os finalistas mitigados, é a vulnerabilidade que possui. Dessa feita, ainda que o objeto da relação seja utilizada pelo consumidor para fins lucrativos, se houver vulnerabilidade deste, caracterizar-se-á relação de consumo.

A aplicação da teoria finalista mitigada tem como paradigmas os julgamentos dos Recursos Especiais nº 476428/SC157 e nº 684613/SP158.

Seja qual for a vertente pela qual se tenha mais apreço, queda indubitável a classificação do segurado como consumidor típico. Ainda que se utilize a corrente finalista, mais restritiva, o usuário do plano é tido como consumidor, porquanto é

156 NUNES apud GREGORI, 2010, p. 120.

157 Direito do Consumidor. Recurso especial. Conceito de consumidor. Critério subjetivo ou finalista.

Mitigação. Pessoa Jurídica. Excepcionalidade. Vulnerabilidade. Constatação na hipótese dos autos.

Prática abusiva. Oferta inadequada. Característica, quantidade e composição do produto.

Equiparação (art. 29). Decadência. Inexistência. Relação jurídica sob a premissa de tratos sucessivos. Renovação do compromisso. Vício oculto. - A relação jurídica qualificada por ser "de consumo" não se caracteriza pela presença de pessoa física ou jurídica em seus pólos, mas pela presença de uma parte vulnerável de um lado (consumidor), e de um fornecedor, de outro. - Mesmo nas relações entre pessoas jurídicas, se da análise da hipótese concreta decorrer inegável vulnerabilidade entre a pessoa-jurídica consumidora e a fornecedora, deve-se aplicar o CDC na busca do equilíbrio entre as partes. Ao consagrar o critério finalista para interpretação do conceito de consumidor, a jurisprudência deste STJ também reconhece a necessidade de, em situações específicas, abrandar o rigor do critério subjetivo do conceito de consumidor, para admitir a aplicabilidade do CDC nas relações entre fornecedores e consumidores-empresários em que fique evidenciada a relação de consumo. - São equiparáveis a consumidor todas as pessoas, determináveis ou não, expostas às práticas comerciais abusivas. [...] Recurso especial não conhecido. (REsp 476428/SC, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/04/2005, DJ 09/05/2005, p. 390)

158 DIREITO DO CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. CONCEITO DE CONSUMIDOR. PESSOA JURÍDICA. EXCEPCIONALIDADE. NÃO CONSTATAÇÃO NA HIPÓTESE DOS AUTOS. FORO DE ELEIÇÃO. EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA. REJEIÇÃO. - A jurisprudência do STJ tem evoluído no sentido de somente admitir a aplicação do CDC à pessoa jurídica empresária excepcionalmente, quando evidenciada a sua vulnerabilidade no caso concreto; ou por equiparação, nas situações previstas pelos arts. 17 e 29 do CDC. - Mesmo nas hipóteses de aplicação imediata do CDC, a jurisprudência do STJ entende que deve prevalecer o foro de eleição quando verificado o expressivo porte financeiro ou econômico da pessoa tida por consumidora ou do contrato celebrado entre as partes. - É lícita a cláusula de eleição de foro, seja pela ausência de vulnerabilidade, seja porque o contrato cumpre sua função social e não ofende à boa-fé objetiva das partes, nem tampouco dele resulte inviabilidade ou especial dificuldade de acesso à Justiça. Recurso especial não conhecido.

(REsp 684613/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/06/2005, DJ 01/07/2005, p. 530)

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pessoa física que utiliza, ainda que outro por isso pague, como é o caso dos dependentes e/ou familiares, o serviço de plano de saúde lato sensu.

2.3.1. Vulnerabilidade do segurado

Embora muitas vezes confundidos, os termos vulnerabilidade e hipossuficiência possuem significados díspares e implicam resultados diferentes. A maior semelhança reside no fato de que ambos estão ligados às características dos consumidores.

Primeiramente, a vulnerabilidade figura no ordenamento como característica de todos os consumidores, como se percebe da leitura do art. 4º, I, do CDC159. Ela consiste na espinha dorsal da proteção ao consumidor, que alicerça todo o movimento de proteção a este, haja vista ser a parte mais fraca da relação de consumo.160

É justamente essa fraqueza, essa desvantagem intrínseca ao consumidor que possibilita ao fornecedor a prática de atos abusivos que exploram a ignorância, a idade reduzida ou avançada, a fraca saúde a desigual condição social, a falta de conhecimento técnico do consumidor. É o “fornecedor (fabricante, produtor, construtor ou comerciante) que, inegavelmente, assume a posição de força na relação de consumo e que, por isso mesmo, dita as regras. E o direito não pode ficar alheio a tal fenômeno.”161

É em virtude desse claro desequilíbrio na relação de consumo que detêm os consumidores garantias concedidas pelo CDC, que funcionam de contrapeso frente à superioridade econômica, social, política do fornecedor. A aplicação do princípio da isonomia é determinante para que sejam tratados desigualmente pelo ordenamento jurídico os entes inicialmente em patamares diferentes, para que possam ser ao máximo igualados.

159 Lei nº 8.078/90: Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995) I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;

160 MARTINS, P. L., 2005, p. 13.

161 GRINOVER; VASCONCELLOS E BENJAMIN, , p. 6.

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A vulnerabilidade é subdividida de diversas maneiras pelos autores. Cabe tecer algumas considerações sobre a classificação de MARQUES. Ela identifica três principais modalidades do instituto, a saber:

A primeira decorre da publicidade. Segundo ela, “modernas técnicas de marketing, aliadas a uma maciça publicidade e mecanismos de convencimento e de manipulação psíquica utilizados pelos agentes econômicos criam necessidades antes inexistentes, bem como representações de ideais de vida que induzem o consumidor a aceitá-las.”162 Isso acaba por enfraquecer a livre manifestação da vontade da parte mais frágil.

A segunda, por sua vez, é a vulnerabilidade técnico-profissional, provavelmente a mais mencionada pela doutrina e pela jurisprudência. Advém do fato de que são os fornecedores que possuem o conhecimento técnico e profissional da atividade desenvolvida, da cadeia do produto e da prestação do serviço. Em regra, o consumidor não compartilha de tais informações.163

A terceira vulnerabilidade possui natureza jurídica e compreende, do lado dos fornecedores, desde as técnicas de contratação em massa, os contratos de adesão, os demais instrumentos jurídicos firmados e até a existência de setores jurídicos ou de profissionais contratados para atuar na seara judicial ou administrativa. Cabe ressaltar que muitos contratos firmados entre fornecedor e consumidor, principalmente os de adesão, são redigidos de forma a dificultar a sua compreensão e de limitar a livre manifestação de vontade dos vulneráveis.164

Não bastassem tais fatos, os fornecedores mais comumente são acionados em juízo, motivo pelo qual estão mais acostumados a litigarem judicialmente e preparados para isso. São, nos dizeres de MOREIRA, litigantes habituais, ao passo que o consumidores o são apenas eventualmente.165

Os segurados, quando estabelecem relações com operadoras de planos de saúde, enquadram-se mais do que perfeitamente nos três capitais tipos de vulnerabilidade. A um, porque as empresas são conhecidas por fazerem publicidade exacerbada e, diversas vezes, enganosa. Algumas operadoras chegam a anunciar somente o valor de sua apólice mais baixa (que cobre a faixa etária de menor risco,

162 SCHMITT; MARQUES, 2008, p. 87.

163 SCHMITT; MARQUES, 2008, p. 87.

164 SCHMITT; MARQUES, 2008, p. 87.

165 BARBOSA MOREIRA, 1993, p. 192.

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sem doenças ou lesões pré-existentes e a menor diversidade de procedimentos) com o intuito de angariar novos clientes.

A dois, porquanto são elas que fornecem o plano de saúde, e, para isso, devem criá-lo, razão bastante para que devam conhecer todas as técnicas e os aspectos profissionais da atividade, mesmo porque, em muitos casos, indicam a lista de profissionais conveniados.

A três, porque as operadoras normalmente são dotadas de corpo jurídico vasto e afeito a responder demandas judiciais, e os contratos com as operadoras tendem a ser capciosos, a conter detalhes que prejudicam o consumidor, mesmo após as limitações impostas pela Lei nº 8.078/90 e pela Lei de Planos de Saúde, que trouxeram inúmeras garantias aos vulneráveis.

2.3.2. Hipossuficiência do consumidor

A hipossuficiência, por outro lado, prevista no art. 6º, VIII do CDC166, diz respeito à dificuldade de o consumidor produzir prova dos fatos constitutivos de seu direito, haja vista que quem detém os conhecimentos técnicos do produto ou serviço é o próprio fornecedor.167 A finalidade de sua observação no caso concreto é determinar se haverá ou não a inversão do ônus probatório dos fatos narrados pelo consumidor.

NUNES assevera que a vulnerabilidade possui as facetas de fragilidade econômica e técnica, mas que a hipossuficiência volta-se ao desconhecimento predominantemente técnico e informativo acerca das propriedades, do funcionamento, da distribuição do produto ou serviço, dos fatores que poderiam ter originado acidente e dano, do vício etc.168

Com a intenção de concluir a diferenciação de vulnerabilidade e de hipossuficiência, mister transcrever o magistério de LISBOA:

Não se confunde a vulnerabilidade, entrementes, com a hipossuficiência, de vez que aquela se restringe à relação jurídica de consumo em si, enquanto

166 Lei nº 8.078/90: Art. 6º São direitos básicos do consumidor: [...] VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;

167 GREGORI, 2010, p. 108.

168 NUNES, 2004, p. 731.

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esta compreende, ainda, a análise socioeconômica das partes inseridas no mercado de consumo. Tanto é assim que a vulnerabilidade do consumidor sempre incide nas relações de consumo, mas a hipossuficiência não, pois a inversão do ônus da prova poderá suceder no caso de o juiz considerar o destinatário final de produtos e serviços hipossuficiente. Portanto, nem sempre o consumidor é hipossuficiente; sempre será, porém, vulnerável.169

Encerrado o capítulo dedicado à aplicação nas normas que regulam as relações de consumo nos casos que envolvem as operadoras de planos de saúde, bem como à conceituação dos atores de tais casos e dos demais elementos das relações tratadas, preparado está o campo para a abordagem específica da responsabilidade civil das empresas que operam planos de assistência privada à saúde no caso de demora na prestação de serviços.

3. A RESPONSABILIZAÇAO DAS OPERADORAS DE PLANOS DE SAÚDE PELA