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SELEÇÃO DOS CASOS ESTUDADOS

A fim de aprofundar a análise aqui proposta foram definidos 12 casos que representam as diferentes situações de gestão do universo pesquisado a fim de coletar informações mais específicas e detalhadas sobre as racionalidades que regem a gestão dos estabelecimentos agroecológicos do Assentamento Contestado. Esses casos foram estabelecidos a partir dos dados coletados pelo questionário coletivo, aplicado em 55 estabelecimentos familiares dos 56 existentes no universo de pesquisa. A figura 3, a seguir, sistematiza como essa seleção foi realizada.

FIGURA 3 - DEFINIÇÃO DOS CASOS ESTUDADOS

FONTE: A autora (2018).

O primeiro critério utilizado para a seleção dos casos é a composição demográfica das famílias. A escolha desse critério se deveu aos estudos de Chayanov, um dos autores base para a análise dos dados deste trabalho devido as suas colaborações sobre a racionalidade específica camponesa dentro dos limites internos das unidades produtivas. Para Chayanov (1974) a composição da família ortoga uma grande influência no balanço trabalho/consumo, fenômeno que, segundo o autor, governa o comportamento econômico e produtivo do

camponês. Dependendo da quantidade de trabalhadores e consumidores, a família faz um balanço em que verifica o quanto e como deve trabalhar para atender as necessidades de consumo da mesma (ibid; WANDERLEY, 2009; PLOEG, 2015). Assim, diferentes composições demográficas indicam uma variedade de combinações entre trabalhadores disponíveis e consumidores a serem atendidos, além de apresentarem, continua Ploeg (2015), diferentes padrões de consumo, não só devido ao tamanho da família, mas também pelas diferenças de gênero e gerações. Entendendo que diferentes composições podem influenciar as racionalidades do agricultor familiar que orientam a gestão de seu estabelecimentos, já que incidem sobre a definição das necessidades e, consequentemente, na escolha das estratégias produtivas, no tamanho e composição do patrimônio familiar e na intensidade do trabalho a ser utilizado, este foi o primeiro critério a ser utilizado para a definição dos casos. Ressalta-se, para evitar qualquer mal entendido, de que não se trata da diferenciação demográfica defendida por Chayanov como uma alternativa à diferenciação social marxista, pois não se estuda neste trabalho o impacto que o ciclo de vida das famílias gera na razão trabalhador/consumidor ou no balanço trabalho/consumo das unidades de produção estudadas, o que para o autor influi no tamanho das unidades de exploração e na quantidade de meios de produção empregados. Compreende-se que na atualidade, assim como observam Abramovay (1998a), Shanin (1989), Bernstein (2009) e Ploeg (2015), as famílias tendem a ter um tamanho reduzido e a ter acesso à tecnologias de produção mais avançadas se comparados ao tempo dos estudos de Chayanov. Esses fatores podem diminuir e/ou alterar a influência que o ciclo demográfico gera sobre a razão trabalhador/consumidor e o balanço trabalho/consumo.

Dessarte, buscou-se focar em famílias que tivessem maior diversidade geracional e possuíssem trabalho produtivo no estabelecimento, uma vez que essas características colaboram para uma maior evidência das relações entre consumidores e trabalhadores, oferencendo, com isso, melhores condições para reconhecer as atividades de gestão da agricultura familiar. Também foram consideradas famílias que tinham por intenção a reprodução de seu modo de vida e de trabalho ao longo das gerações, uma vez que essa é, conforme Chayanov (1974), Ploeg (2008; 2015), Lamarche (1993) e Wanderley (2009), um dos traços mais específicos da racionalidade camponesa e que, por isso, é fundamental para compreender seus modos de gestão. Nesse sentido, não foram incluídas nessa seleção famílias compostas somente por adulto(s) ou idoso(s), já que, conforme relatado pelas mesmas, não há a intenção da nova geração continuar na terra e, no caso dos idosos, a principal fonte de renda, senão a única, é a aposentadoria, o que leva com que pouco ou nenhum trabalho seja realizado

na unidade de produção. Diante da definição desses critérios, dos 55 estabelecimentos familiares agroecológicos do Assentamento Contestado, foram mantidos somente 46.

Desses 46 estabelecimentos, procurou-se levantar informações sobre as diferentes fontes de renda da família, estipulando-se os seguintes critérios: o presença do trabalho de um ou mais membros fora do estabelecimento, o acesso à políticas públicas, a venda de produtos à mercados convencionais e a venda de produtos à mercados alternativos. Optou-se pelo foco nas diferentes fontes de renda das famílias, por considerar que elas compõem diferentes balanços trabalho/consumo, conforme atenta Chayanov (1974), ao apontar para o trabalho fora do estabelecimento como um complemento para a renda familiar na busca do atendimento das necessidades da família, e conforme notam Ploeg (2008), Schneider (2003) e Wanderley (2004), ao explicarem a pluriatividade dos agricultores familiares contemporâneos como uma forma de atender a esse balanço. Além disso, esses critérios permitem apreender o que Ploeg (2008) chama por diferentes graus de mercantilização exercidos pela agricultura familiar. Isso quer dizer que a relação que possuem com o ambiente externo, representada por esses critérios, podem denotar uma maior ou menor integração com o mercado, aproximando ou afastando os estabelecimentos familiares agroecológicos do modo camponês ou empresarial de fazer agricultura. A percepção desse grau no conjunto dos casos ajuda a desvendar as racionalidades ligadas a gestão dos estabelecimentos familiares agroecológicos estudados.

Nesse sentido, buscou-se por famílias que apresentassem todas as possíveis combinações desses critérios, como também por famílias que apresentassem somente um dos critérios e até nenhum deles. Neste trabalho, essas diferentes combinações foram chamados por padrão. Foram encontrados, ao final, 12 padrões diferentes, conforme indicados na figura 3. Para aqueles padrões que reuniam mais de uma família somente uma foi escolhida. Essa escolha se orientou pela análise daquela que reunia mais características consideradas interessantes a serem investigadas pela pesquisa, como: a diversificação da produção e de canais de comercialização, o tamanho da família, as ocupações passadas fora da agricultura, a atuação política com o MST, famílias com idosos, família comandada por mulher solteira, a relação mais equilibrada com a natureza e/ou aplicação de tecnologias diferenciadas na produção. São características conhecidas pela pesquisadora durante as atividades do campo coletivo no ano de 2016 e que podem influenciar na gestão dos estabelecimentos estudados, revelando, em alguns casos, aspectos sutis e pouco valorizados das racionalidades ali presentes.

Nesse sentido, a seleção de casos procurou se basear em critérios que espelhassem a realidade mais geral das formas de gestão presentes no universo estudado, por meio da escolha de casos que representassem as “[...] médias em que os indivíduos se dissolvem” (SOUZA et alli, 2012, p. 33).

3 AS RACIONALIDADES EM DISPUTA NO MEIO RURAL BRASILEIRO: