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IV A construção de uma análise comparativa

IV.5. Seleção das notícias a serem avaliadas

Quanto à seleção dos textos que iriam integrar a amostra sobre cada caso escolhido, a primeira opção metodológica foi a inclusão apenas das notícias publicadas em edições que tinham como principal manchete de capa o escândalo político em questão. Por esse critério, privilegiamos o noticiário realizado diante dos momentos em que houve uma decisão editorial dos veículos de apresentar o escândalo como o aspecto mais relevante do dia. O acompanhamento dos casos certamente ocorreu de forma esparsa ao longo do tempo e nos dias em que a chamada de capa tratava de outro assunto, e, logo, sem a mesma intensidade que pudemos identificar nos períodos de maior destaque.

Outro recorte fundamental foi a inserção apenas de reportagens, não levando em consideração os textos opinativos publicados nos períodos. Ainda que artigos, colunas e editoriais componham o pacote que cada jornal entrega diariamente aos leitores, restringir a análise apenas às reportagens contribuiu para manter o alvo sobre os critérios de formatação da cobertura e dos critérios propriamente jornalísticos.

Ao todo, foram identificadas na Folha de S. Paulo 179 edições relevantes (que geraram 2.857 notícias) e 162 em O Globo (2.288), como vemos na Tabela 4. As coberturas dos casos Compra de Votos para a Reeleição e Mensalão foram mais intensas na Folha de S. Paulo – uma média de 14,3 e 16,5 notícias por dia respectivamente. Já O Globo teve maior participação na cobertura do caso Dossiêgate, com 13,7 notícias por dia da amostra.

Tabela 4

Total de capas analisadas, total de notícias analisadas e média de notícias por dia na Folha de S. Paulo e em O Globo

Nº de capas Total de notícias Média de notícias/ dia

Folha de S. Paulo O Globo Folha de S. Paulo O Globo Folha de S. Paulo O Globo Compra de Votos para a Reeleição (1997) 13 07 186 66 14,3 9,4 Mensalão (2005-2006) 148 134 2.439 1.935 16,5 14,4 Dossiêgate (2006) 18 21 232 287 12,9 13,7

A partir da análise quantitativa dos casos, pudemos, também, perceber uma identidade no que diz respeito à distribuição diária das notícias. Para Thompson (2002), ainda que a incerteza quanto aos desenvolvimentos seja marca desse tipo de fenômeno, a partir de uma análise retrospectiva de uma série de casos, é possível identificar um padrão sequencial de desenvolvimento dos escândalos:

Se tomarmos os escândalos midiáticos como um tipo distinto de acontecimento que se constitui em parte por formas midiáticas de comunicação podemos ver também que, como acontecimentos, eles possuem determinada estrutura seqüencial. Os escândalos midiáticos normalmente se desenrolam por um período de tempo que é marcado pelos ritmos das organizações da mídia, com seus padrões distintos de publicação e difusão (THOMPSON, 2002: 102).

Para o autor, quatro fases podem ser distinguidas: a) uma fase pré-escândalo; b) a fase do escândalo propriamente dita; c) o clímax e d) as consequências. (THOMPSON, 2002: 103). Esta abstração, assim como todo tipo ideal, tem origem na observação que o autor faz de diversos casos concretos. Ainda assim, não são regras estanques e cirurgicamente determináveis – mas que encontram correspondência em vários exemplos empíricos.

Na fase de pré-escândalo, de gestação da transgressão original, o autor insere os momentos que antecedem a revelação de ação ou acontecimento que desemboca no escândalo propriamente dito. Esse momento pode envolver a publicação pela mídia de

alguns elementos que, posteriormente, serão tidos como importantes para o escândalo (como rumores e boatos) ou mesmo estar ausente da cobertura, sendo o período em que as investigações e interesses políticos confluem para que uma denúncia venha à tona. Como nosso objeto está restrito à análise dos textos jornalísticos efetivamente publicados, não incluiremos o pré-escândalo em nossa análise.

Adotaremos como critério para a construção da amostra, baseado no autor, a identificação de três momentos baseados no que Thompson chama de “estrutura sequencial

dos escândalos midiáticos”. Primeiramente, trataremos da divulgação. É o princípio do

processo de confrontação entre os protagonistas (acusadores e acusados), tendo a mídia como palco principal. A divulgação pode partir de elementos reduzidos, como uma única notícia, uma gravação, um vídeo ou uma entrevista. Tende a se propagar na medida em que o assunto é recheado por alegações e contra-alegações. Numa escala quantitativa, a fase de divulgação tem ampla cobertura pela mídia, ainda que não seja, em geral, o momento no qual atinge seu pico.

Em seguida, identificaremos os pontos de domínio da crise, estágio em que o escândalo chega a seu ponto crítico. Novas divulgações e os desenlaces em torno do caso criam um ambiente crucial que pode gerar renúncias, demissões, instauração de processos. O momento de crise pode coincidir com episódios que se transformam em eventos midiáticos por natureza (audiências de CPIs, julgamentos, processos de impeachment).

Por fim, identificaremos as consequências no sentido de resolução dos conflitos – quando a intensidade da cobertura tende a retornar ao patamar anterior. Uma representação gráfica desse padrão, com especial atenção para a cobertura da imprensa, poderia ser expressa por uma curva, na qual o número de matérias – como um indicador de intensidade e destaque – tende a ser crescente até o auge da crise e decrescente conforme avança para as consequências. Na fase de divulgação, contudo, o patamar quantitativo é alto em relação ao que vai se manter no período das consequências. Por fim, a quantidade de notícias de acompanhamento das consequências mostra que esta tende a ser mais esporádica, se estendendo de forma mais alongada na linha do tempo. Na Figura 3, exercitamos uma representação gráfica desse padrão:

Nota-se que as coberturas se caracterizam inicialmente por um amplo crescimento na quantidade de matérias, seguido por uma tendência de queda que mantém o número de notícias/dia numa média menor ao longo de um período mais esparso de acompanhamento. Em resumo: ao contrário do que ocorre com as coberturas que fazem um acompanhamento regular de determinados temas (como meio ambiente, saúde, economia), durante a ocorrência de escândalos políticos midiáticos, o noticiário tende a se concentrar em picos bastante acentuados, seguidos por um gradual arrefecimento do tema na pauta. Um olhar sobre a disposição diária das notícias pelos três casos que selecionamos dá algumas pistas sobre a identificação das fases de desenvolvimento, como mostra a Figura 4.

Divulgação Crise

Consequências Figura 3 - A estrutura sequencial dos escândalos midiáticos

Tempo Número

de notícias