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2. IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS

2.4 Efeitos gerados pelos princípios constitucionais tributários aplicáveis

2.4.3 Seletividade

Atributo peculiar que é conferido ao IPI pela Constituição é a necessidade de este ser seletivo em função da essencialidade do produto56. Representando a

importância da função extrafiscal que o imposto exerce, a seletividade significa, em síntese, que o tributo deverá ter alíquotas diferentes em razão do grau de essencialidade ou indispensabilidade do produto sobre o qual incide (MACHADO, 2015, p. 337).

Bottallo constata que as normas tributárias extrafiscais constituem duas modalidades: aquelas voltadas à consecução de metas que poderiam ser denominadas de desenvolvimento econômico; e aquelas que objetivam efetivar a justiça social (entre as quais se pode incluir a seletividade) (apud TOLEDO, 2006, p. 142).

Conforme observa Toledo (2006, p. 139), imperioso notar que a norma constitucional que designa a seletividade ao IPI não concede mera faculdade ao legislador ordinário – como ocorre em relação ao ICMS –, mas expressa uma determinação constitucional, a qual deverá ser sempre respeitada57, sob pena de incorrer o ente tributante em

inconstitucionalidade.

Esturilio leciona (2008, p. 117-129), em obra dedicada à análise do instituto, que para se apurar a essencialidade de um produto – critério adotado pelo legislador constitucional para determinar a sua seletividade –, deve-se levar em consideração se este atende não apenas a necessidades individuais, mas também coletivas, verificando, no tempo e lugar ponderados, seu caráter de indispensabilidade e a impossibilidade de sua privação, individual ou coletiva, para se obter uma vida saudável e digna.

55 Art. 104 do Código Tributário Nacional: “Entram em vigor no primeiro dia do exercício seguinte àquele em que

ocorra a sua publicação os dispositivos de lei, referentes a impostos sobre o patrimônio ou a renda: [...] III - que extinguem ou reduzem isenções, salvo se a lei dispuser de maneira mais favorável ao contribuinte, e observado o disposto no artigo 178.”

56 Art. 153, § 3º, da Constituição Federal: “O imposto previsto no inciso IV: I - será seletivo, em função da

essencialidade do produto;”

57 Machado (2015, p. 338) afirma que o princípio da seletividade, a rigor, nem sempre é observado. Alega que

devido à partilha obrigatória da receita arrecadada com os Estados e Municípios, a União não teria mais tanto interesse na cobrança do IPI como já o teve em época que o imposto representava maior volume de recursos angariados.

Em função desse critério, cada produto é classificado pela legislação ordinária dentro da Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados (TIPI), aprovada pelo Decreto nº 7.660, de 23 de dezembro de 2011, recebendo uma alíquota que varia de 0 (zero) a 330%, cujo valor deve ser inversamente proporcional ao nível de essencialidade do produto tributado.

Alguns exemplos são úteis:

- carnes e miudezas, comestíveis (capítulo 2 da Seção I): alíquota zero - produtos farmacêuticos (capítulo 30 da Seção VI): alíquota zero - perfumes (capítulo 33 da Seção VI): alíquota de 42%

- cervejas de malte (capítulo 22 da Seção IV): alíquota de 40%

A fixação de alíquota de alto valor, contudo, nem sempre expressa que o produto seja supérfluo ou que o objetivo é desestimular o seu consumo. Conforme crítica de Melo (2009, p. 213), por vezes parece que o objetivo é meramente servir como fonte de arrecadação, como no caso das águas minerais com alíquota de 27% (capítulo 22 da Seção IV), valor que deveria ser considerado inconstitucional frente aos ditames do princípio.

A finalidade da seletividade imposta pelo legislador constitucional é atenuar a desigualdade do imposto, definindo o seu impacto tributário de modo a, de um lado onerar de forma mais grave os bens considerados supérfluos ou de consumo restrito – que apenas atendem a padrões sociais mais altos –, de outro, abrandar a aquisição de mercadorias reputadas como essenciais à existência civilizada. (MELO, 2009, p. 211-212)

Extrai-se excerto de Torres a respeito da graduação de valores das alíquotas em função da essencialidade dos bens:

Não há indicações, no direito positivo, de critérios específicos para graduar a necessidade social dos produtos industrializados. Sendo o subprincípio da seletividade em função da essencialidade vinculado ao princípio da capacidade contributiva, que, por seu turno, se subordina à ideia de justiça distributiva, segue-se que a sua concretização na norma jurídica se faz mediante os critérios jurídicos e éticos do legislador, que lhe abrem a possibilidade de valorar os dados políticos e econômicos da conjuntura social. Em suma, não existe nenhuma ‘regra de ouro’, clara e unívoca, aplicável à justiça tributária em matéria de impostos sobre consumo. (apud MELO, 2009, p. 214)

Toledo (2006, p. 142-143), por sua vez, defende que deve ser relativizada a relação que essa parcela da doutrina propõe entre o princípio da seletividade e o princípio da capacidade contributiva. Uma alíquota de IPI deve primariamente atender à

essencialidade do produto e apenas indiretamente ser relacionada à capacidade econômica do consumidor. Por exemplo, o cigarro, considerado produto supérfluo (e sobre o qual é aplicada uma das alíquotas de maior valor58), não representa um produto luxuoso (eis que o seu consumo,

bem como o hábito de fumar, é encontrado em todas as classes sociais). Igual entendimento apresenta Esturilio:

A partir do que foi analisado até este ponto é possível afirmar que num determinado momento e local, aquilo que é essencial simplesmente o é, devendo ser indiferente para a legislação e administração a condição pessoal daquele que suportará o ônus financeiro do encargo tributário, pois a essencialidade é igual para todos, é objetiva, independe das capacidades contributivas de cada um individualmente, merecendo receber a classificação como ‘essencial’ a partir do ponto de vista da generalidade. (2008, p. 143)

Evidente, por todo o exposto a respeito dos critérios para se apurar a essencialidade, que produtos de um mesmo gênero ou classe, vale dizer, mesmo que estejam incluídos em uma mesma seção da TIPI, não necessariamente são tributados de maneira uniforme. No caso dos alimentos, por exemplo, ainda que todos sejam fundamentais para a vida humana, é óbvio que a alíquota zero, incidente sobre componentes de uma cesta básica (carnes, leite, arroz), não é aplicável a uma iguaria, como o caviar.

Por fim, cumpre ressaltar que, no entendimento de Esturilio, a seletividade não constitui um princípio constitucional tributário, mas uma regra que impõe uma técnica de tributação. A autora argumenta que, para que pudesse lhe ser conferido o título de princípio, a seletividade deveria possuir aplicação mais generalizada e não apenas limitada a duas subespécies de impostos, quais sejam o IPI e o ICMS. Não possui aplicação indistinta a todo o Sistema Jurídico (como os princípios constitucionais), nem a todo o Sistema Tributário Nacional (como alguns princípios setoriais, entre os quais menciona os princípios da segurança jurídica, da legalidade e da estrita legalidade, da igualdade e da irretroatividade da lei), nem ao menos a todos os tributos. Além disso, aduz que a seletividade é regra, pois pode ser excluída do ordenamento sem que acarrete na modificação de outros princípios tributários, como ocorre com os outros axiomas constitucionais. (2008, p. 101-109) Entretanto, a autora representa voz única dessa corrente no meio doutrinário.

A discussão será retomada no capítulo seguinte, quando irá se tratar da não-cumulatividade. De ainda maior relevância para os objetivos desta monografia, mas com

58 Sobre cigarros que contenham tabaco incide alíquota de 300%, conforme posição 2402.10.00 da TIPI (capítulo

os mesmos traços de especificidade em relação a apenas alguns tributos dentro de todo o sistema brasileiro, o questionamento colocado sobre se tratar de um princípio ou de uma regra é fundamental para se fixar os efeitos que a não cumulatividade ocasiona na sistemática de creditamento do IPI.

3. A NÃO-CUMULATIVIDADE NA AQUISIÇÃO DE INSUMOS

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