• Nenhum resultado encontrado

A arquitetura cênica de Na Selva das Cidades, projetada por Lina Bo Bardi, recria as plateias sanduíche do teatro de Joaquim Guedes, e dispõe o público frente a frente, como em uma batalha, reforçando a ideia de conflito e confronto que é apresentada no cenário pelo ringue de boxe.

A luta exposta aqui não é somente a dos personagens, mas é também da “modernidade”, que vem na figura do Minhocão, Paulo Maluf, do milagre econômico, do carro como meio de transporte, contra os destroços do antigo bairro e das antigas práticas de se fazer cidade; É o novo que precisa destruir o velho para existir. O cenário é inteiro destruído para renascer na apresentação seguinte, servindo como uma metáfora para o teatro que foi destruído e reconstruído e, talvez, uma esperança para o bairro. cena, o bairro entra no teatro, literalmente. A cenografia também traz para o palco o slogan da prefeitura municipal de São Paulo: “a cidade que se humaniza”, como uma crítica à noção de humanização em contrapartida com os acontecimentos de destruição.

Figura 1 - Palco-ringue em Na Selva das Cidades, com arquibancada ao fundo e plateia na frente. Fonte: AEL, Unicamp.

Figura 2 - Publicidade da cidade de São Paulo, Revista Veja, 1968. Fonte: Disponível em:

Analisando o desenvolvimento do Oficina neste 2º Teatro, podemos ver um projeto arquitetônico de Flávio Império, (construtivo, racional, anti-espetáculo, um espaço épico brechtiano), que é ocupado – em um momento de contradição - por um cenário anárquico em O Rei da Vela, com o trabalho tropicalista de Eichbauer.

Lina, genialmente, faz a síntese destas duas tendências em seu cenário para Na Selva das Cidades, abrindo caminho para a exploração teatral do urbano, da vida quotidiana.

Enquanto o Oficina expande seu espaço teatral para o “bairro”, Silvio Santos também estende seu império paralelamente. Após várias tentativas de conseguir a concessão de um canal de televisão, finalmente, em 1976, ele estreia a sua primeira emissora, a TVS Rio de Janeiro. Aqui é importante ressaltar que nenhuma emissora de televisão aberta no Brasil possui um “dono”. Todas elas são concessões públicas concedidas para serem administradas por empresas privadas. Desta maneira, o Estado mantém o controle da TV: porém, na prática, “possuir” uma emissora (conseguir sua concessão e “esquecer” que ela é pública) se torna uma atividade altamente considerada na política e nos negócios.

No início da década de 70, Silvio Santos passará a ambicionar seu próprio canal de televisão. O apresentador tentou comprar algumas emissoras que haviam sido fechadas29 (a TV Excelsior, no final de 1970, e a TV Rio, no

final de 1971) e, apesar de ter uma boa relação com o então presidente, general Garrastazu Médici, não consegue a concessão. Apesar das negativas, Silvio continua com seu objetivo e assume como uma cruzada pessoal ter sua própria emissora. Em uma entrevista à revista Veja, de 1971, quando perguntado pela jornalista Eda Maria Romio se televisão seria um bom negócio, ele responde:

Não, é um negócio arriscado. Mas não é isso que importa. Como disse, meu objetivo é ter uma emissora, e vou ter. Comecei minha carreira como locutor, como um soldado, e gostaria de terminar como um marechal. Só no dia em que eu tiver uma estação de TV, me sentirei realizado. Se perder algum dinheiro, não faz mal. Estarei gastando no meu hobby. (Silvio Santos em entrevista para Eda Maria Romio in STYCER, 2018, p.35)

29. Durante a ditadura militar algumas emissoras de televisão foram fechadas pelo governo. A justificativa oficial indicava que o principal motivo era que estavam falidas, no entanto, é possível presumir que os fechamentos tenham sido motivados por censura governamental. Da mesma maneira, pode-se supor que a concessão de redes era oferecida somente há pessoas em quem o governo militar confiava.

2.

5.

O

Sonh

o do Si

stema

Br

as

ilei

ro de T

el

evisão

Sua jornada continua, em meio a visitas aos gabinetes do Ministro das Comunicações e do Presidente, criando um verdadeiro lobby para conseguir seu canal.

O ministro Quandt de Oliveira (da

Comunicações) não tinha nenhuma

restrição em relação a Silvio, nem o próprio presidente Geisel. Figueiredo muito menos. Eles eram não digo influenciados, mas sentiam o que o povo estava sentido. Lembro que, várias vezes em que visitamos o Palácio do Planalto, funcionários se reuniram em volta do Silvio, formando uma pequena multidão, fazendo votos, pedindo

autógrafos. Isso acontecia até nas

antessalas da presidência. Fomos ao gabinete de Geisel duas vezes. No de Figueiredo, chefe do SNI, várias vezes. Ao Quadt de Oliveira, sempre. (Demerval Gonçalves, diretor administrativo de Silvio Santos, in STYCER, 2018, p.40)

O lobby eventualmente funcionou e, em outubro de 1975, através de um decreto assinado pelo presidente general Ernesto Geisel, Silvio Santos assume a concessão do canal II no Rio de Janeiro, a TVS. O empresário se adequa ao único modo possível de fazer política durante a ditadura militar: estabelecer relacionamentos e fazer lobbies para conseguir concessão pública. Em pouquíssimo tempo o empresário viabiliza toda a estrutura e o pessoal necessário, estreando seu canal em 14 de maio de 1976. Silvio Santos trabalha na mesma sintonia que o governo militar, tendo como principal agenda o desejo de unificar o Brasil pela televisão e incorporar a massa de consumidores a este sentimento de unificação, principalmente através do sonho de consumo e da felicidade através da posse. Isso fica claro na entrevista, concedida à revista Realidade, de 1975, na qual o próprio apresentador admitiu que um único canal não satisfazia seus desejos de se tornar um “marechal” da televisão.

Diferentemente dos empresários pioneiros, Silvio Santos tinha consciência de que um canal local, como a TVS no Rio, não seria

suficiente para manter o negócio

sustentável: “Eu falo de “emissora”, mas é claro que estou pensando em “rede” para me comunicar com o Brasil inteiro. Esta é a minha grande preocupação e minha grande esperança”, diz à revista. “Não quero o canal de TV para ganhar dinheiro; dinheiro eu ganho com o Baú, com o gado”, destaca a edição, em letras grandes, abaixo do título “Silvio Santos conta tudo”. A frase completa, no corpo da reportagem, é tão demagógica quanto: “Veja, não se trata de dinheiro: dinheiro eu ganho com o Baú, com a financeira, com o gado. Com a minha televisão eu quero é realizar coisas novas, eu quero é lutar, ganhar a simpatia e a confiança do público do Brasil”. (STYCER, 2018, p.41-42)

Seguindo sua empreitada, entre os anos de 1980 e 1981, o empresário buscou, então, adquirir a concessão de mais emissoras para poder formar uma grande rede televisiva. Após diversas negociações e estratégias de mercado, em 25 de março de 1981, o presidente João Figueiredo assina um decreto concedendo à Silvio o direito à mais quatro canais. Nasce assim o Sistema Brasileira de Televisão, o SBT.

Em 1981, Silvio Santos finalmente

alcançaria a concessão da rede que tanto sonhava. Mas foi preciso mais do que a pesquisa de opinião pública para chegar à reta final. Assim como no caso da concessão da TVS, Silvio e sua equipe tiveram que batalhar muito para alcançar o objetivo. Mais uma vez, membros de sua equipe, como Luciano Callegari e Arlindo Silva, estiveram presentes nessa importante fase profissional. Algumas viagens para Brasília foram necessárias, assim como algumas reuniões com peças-chave do governo. Dessa vez, o ministro das Comunicações era Haroldo Corrêa de Mattos, o homem que teria a palavra final na decisão das concessões. Mostrando mais uma vez a seriedade e a viabilidade do seu

projeto para um sistema de televisão, o Empresário e sua equipe obtiveram mais uma importante vitória. Agora estava nascendo Sistema Brasileiro de Televisão. (BATISTA, MEDEIROS, 2017, p.128-137). Daí em diante a emissora apenas cresceria até ter cobertura nacional e ser uma das principais redes do país. Atualmente o SBT é a segunda maior rede do Brasil, atrás apenas da Rede Globo.

É interessante observar como a jornada de Silvio Santos para conseguir sua rede de televisão está ligada à sua participação na política. Data da década de 50 seu primeiro contato com candidatos, que financiaram suas caravanas de circo em troca de animações em comícios. Para conseguir seus canais, Silvio teve que enveredar-se por um caminho de lobismos e articulações entre ministros e presidentes, durante a ditadura militar, quando demonstrou ter ótimas relações com os governantes em questão. Na década de 80, Silvio atinge outro patamar em sua relação com a política, quando tenta candidatar-se a prefeito de São Paulo e, em seguida, a Presidente do Brasil. As inclusões do apresentador de forma efetiva na vida política se dão de forma, aparentemente, apressada e sem o devido planejamento, levando a inferir que Silvio acreditava que sua fama e sua influência com o público seriam suficientes para que ganhasse eleições.

Embora nunca tenha assumido nenhum cargo público, nem tenha conseguido, de fato, concorrer a nenhuma eleição, Silvio Santos sempre manteve um relacionamento amigável com todos os presidentes em exercício e nunca se colocou, publicamente, como oposição a nenhum governante, independente de quem estivesse no cargo – dos militares,

passando pelos presidentes de direita, de esquerda, até, eventualmente, apoiar Jair Bolsonaro nos dias de hoje. Ele passa seu posicionamento, em suas palavras, “apolítico”, na sua comunicação com seu público, a política seria algo distante e complicada, que só atrapalha o entretenimento. Ao mesmo tempo, o empresário Silvio Santos sabe percorrer com maestria estes terrenos, sempre que tem interesse em algo que o governo possa oferecer para suas empresas.