• Nenhum resultado encontrado

Exatamente quando se pensava elucidar um segredo que atrapalhara os historiadores durante cem anos, encontrava-se no manuscrito um buraco tão grande que por ele podia passar um dedo. Fizemos o possível por ordenar um reduzido sumário com os fragmentos queimados que restam; muitas vezes, porém, foi necessário conjeturar, supor e mesmo usar da imaginação.127

A teatralização de um crime reputado como hediondo.

1872. Em Cuiabá, capital da Província de Mato Grosso era aproximadamente 10 horas da noite de uma terça-feira, 19 de março. Havia luar e os lampiões não tiveram de ser acesos. As rondas policiais percorriam as ruas da cidade e o toque de recolher anunciado pelas cornetas do Arsenal da Marinha e do Arsenal de Guerra parecia decretar o fim de mais um dia na vida dos cuiabanos. De certo modo, a população reconhecia, e bem, que essa era uma marcação de tempo disciplinar, que era proibido vagar pelas ruas a desoras, sob pena de prisão correcional, caso o suspeito não conseguisse justificar sua conduta. Mas, resistir era preciso e a corneta, certamente, anunciava também, para homens e mulheres transgressores, para soldados indisciplinados e escravos rebeldes e fujões, que a atenção tinha de ser redobrada.

Então não era fato que nesse mesmo momento estava em plena função um “brinquedo” no Beco Sujo, no Porto, à margem esquerda do rio Cuiabá? Mesmo assim, tudo indicava que o dia estava terminando bem.

Mas, nesse mesmo instante, enquanto a população se recolhia e transgressores das posturas municipais, com muita inventividade, podiam estar ludibriando as patrulhas que rondavam a região do Porto, um tiro ecoou em meio ao silêncio da noite e pôs de sobressalto os moradores das circunvizinhanças da igreja do Senhor dos Passos, na outra ponta da cidade.128 Uma tocaia. Um crime acabava de ser perpetrado.

127

WOOLF, Virgínia, Orlando, p. 66.

128

Essa igreja fica na esquina da rua Voluntários da Pátria (antiga travessa Alegria) com a rua 7 de Setembro (antiga rua do Oratório), que é uma continuação da rua Galdino Pimentel ou rua de Baixo, na qual residia o Ten. Cel. Lauriano Xavier da Silva.

Pego de surpresa, de emboscada, o Tenente Coronel da Guarda Nacional, Lauriano Xavier da Silva, era atingido por uma poderosa carga de chumbo, desferida da antiga ponte de madeira, conhecida por “ponte do Rosário”, sobre o córrego da Prainha, localizada bem em frente da sua residência, esquina da travessa do Rosário129 com a rua 7 de Setembro, no momento em que colocava os pés na soleira da porta. Sequer teve tempo de esboçar reação. Tombou de pronto e, aos gritos, pediu por socorro. O Dr. Caetano Xavier da Silva Pereira, advogado dos auditórios da cidade, vizinho de Lauriano, e residente na travessa do Rosário, foi um dos testemunhou o atentado, afirmando:

... que recolhendo-se para sua casa às nove e três quartos mais ou menos da noite de dezenove do corrente, tendo estado com os cidadãos Tenente Coronel José Leite Galvão, Tenente Joaquim Alves Ferreira, Capitão Thomaz Pereira Jorge, Cura João Leocádio da Rocha e João Maria de Souza, encontrou em sua dita casa os Doutores Chefe de Polícia

[Ernesto Júlio Bandeira de Mello] e Juiz de Direito [Antônio Gonçalves de Carvalho], como

de costume, e que na ocasião em que servia o chá ouviu-se um estampido de arcabuz, ao que parece, imediatamente eles doutores Chefe de Polícia, o Juiz de Direito e ele respondente correram à rua para ver o que era e que então quase próximo da casa do Ten. Cel. Lauriano, que fica vizinha à dele depoente, ouviram o grito da vítima que gritava ter sido atirado na coxa e pedido que mandasse chamar o Senhor Cerqueira [o Barão de

Diamantino].130

Constantino, seu escravo, que há essa hora achava-se sentado na rede do corredor da porta de entrada da casa, esperando que estava o seu senhor, acudiu prontamente. Levado para a sua alcova, Lauriano ainda conseguia balbuciar algumas palavras, mas já delirava e sentia dores atrozes. E, no estertor que anunciava a sua morte iminente, ainda foi capaz de legar à justiça um enigma que acabaria dando uma direção, um desfecho inesperado às investigações policiais e criminais que se seguiriam. Interpretando livremente as suas últimas palavras, a frase dita com convicção, ora aos gritos, ora balbuciando nos ouvidos do Chefe de Polícia – “Quem atentou contra a minha vida foi Joaquim Ourives, a mando do

Barão de Aguapeí!” – provocou, podemos imaginar, comoção geral entre os que

testemunharam-no proferir essas palavras em seu leito de morte. Como poderia uma figura

129

Cf. MENDONÇA, Rubens de, Ruas de Cuiabá – “Travessa dos Bandeirantes – Beco Alto até a rua

Engenheiro Ricardo Franco e dali até a Rua 7 de Setembro, Travessa do Rosário. Este beco inicia-se na Rua Pedro Celestino e vai até a esquina da Colina do Rosário. Chama-se Beco Alto, por ser muito íngreme...”, p. 36.

130

APEMT – Tribunal da Relação - Cartório do 6º Ofício – Juízo Geral da Polícia da Província de Mato Grosso – Secretaria da Polícia da Província de Mato Grosso em Cuiabá, 20 de março de 1872 - Inquérito Policial [1ª fase] para apurar o assassinato do Tenente Coronel Lauriano Xavier da Silva, perpetrado no dia 19 de março de 1872; daqui para frente, apenas “APEMT – Tribunal da Relação – Cartório do 6º Ofício.” [Doc1236].

tão importante, um dos maiores representantes do Partido Liberal na Província, como era o Barão de Aguapeí, ser o mandante de tão insano e temerário crime?

Em pouco tempo, Lauriano já se achava cercado por seu filho, esposa e autoridades, do Chefe de Polícia, Dr. Ernesto Júlio Bandeira de Mello, do Dr. Caetano Xavier da Silva Pereira, do Juiz de Direito, Dr. Antônio Gonçalves de Carvalho e dos iminentes médicos e peritos notificados da polícia, Dr. Dormevil José dos Santos Malhado, Dr. Carlos José da Silva Nobre e Dr. Augusto Novis. Mesmo assim, apesar dos esforços empreendidos por esses profissionais, Lauriano não resistiu mais do que 6 horas.

Às quatro da manhã do dia 20 de março expirava, encerrando, de maneira trágica, sua passagem por este mundo.

O término de uma vida, nessas condições, para desespero das autoridades, era o começo de uma batalha – de uma batalha, como se verá, sem precedentes na história da criminalidade da então província de Mato Grosso.

A história, mesmo quando não se confessa, vive de conjeturar, do “quem sabe”, do “talvez”, do “provavelmente”, e são essas buscas tateantes, ligando personagens e acontecimentos, investigando e fazendo com que o leitor participe da aventura, que dá sentido à história e prazer ao historiador. Caminho difícil é verdade, tortuoso, cheio de armadilhas, de contradições, de recuos e avanços na linha do tempo, mas, no final, sempre gratificante.

Para começar, o crime perpetrado era inafiançável. Mas o que isto importava? Não havia também o flagrante delito, muito embora o Chefe de Polícia e as patrulhas que acorreram prontamente ao seu apito, tivessem, no calor da hora, dado início a uma minuciosa busca nos arredores.

Tudo em vão. O criminoso tinha, pelo menos por ora, conseguido escapar das autoridades policiais. O Dr. Ernesto Júlio Bandeira de Mello, por seu lado, podemos imaginar por enquanto, devia ter demonstrado um certo ar de desconforto e desapontamento. Estando por perto, na hora do crime – basta lembrar que, no momento, tomava chá na casa do Dr. Caetano Xavier da Silva Pereira – esta era uma boa oportunidade para mostrar ao presidente da província toda a sua competência e sagacidade, justificando sua permanência no cargo. De fato, o crime tinha sido cometido nas suas

barbas, se lembrarmos que naquele momento estava tomando chá na casa do doutor Caetano, cuja residência era vizinha à do Tenente Coronel Lauriano Xavier da Silva.

Sabia que se o criminoso não fosse pego em flagrante delito, principalmente nesses casos de emboscadas, porque planejadas com antecedência, tinha grandes chances de se evadir e permanecer em liberdade. Então não eram inúmeros os casos desse tipo que podiam ser relatados através dos boletins de ocorrências policiais? Quantos crimes permaneciam sem solução? Por isso era preciso correr contra o tempo.

O ofício que enviou às 5 horas e três quartos da manhã do mesmo dia 20 participando ao presidente da província, Dr. Francisco José Cardoso Junior, o assassinato de Lauriano, explicava também as razões pelas quais estava próximo à cena do crime, as investigações feitas e as providências que havia tomado para prender Joaquim Ourives, que, como vimos mais acima, era apontado pela vítima como o mandatário do atentado.

Achando-me em casa do Doutor Caetano Xavier da Silva Pereira, em companhia do Juiz de Direito, Doutor Antônio Gonçalves de Carvalho, ao ouvir a grande detonação do tiro, incontinenti antes que alguém se apresentasse e poucos minutos depois compareci no lugar acompanhado dos ditos Doutores, e logo tratei de conhecer o autor de tão grave atentado; mas infelizmente logrou este escapar-se às diligências que eu e os indicados Doutores fizemos para descobri-lo, procurando ver se achávamos debaixo da ponte do Rosário e nas margens do córrego denominado da Prainha. Ao meu apito acudiram com a maior prontidão diversas patrulhas e soldados policiais, aos quais, de acordo com o Tenente Comandante da Polícia que logo se apresentou, ordenei que examinassem o dito córrego e as suas margens, tomassem as respectivas saídas e fizessem cerco nas imediações da ponte seguinte à outra. Foi batido o mato adjacente, e, com prévia permissão dos donos de algumas casas próximas ao lugar do delito, dei buscas nos quintais e pátios das mesmas.

Foram, porém, baldadas essas diligências prontamente executadas, com o auxílio de alguns paisanos.

Ontem mesmo expedi quatro escoltas de praças do Batalhão 21 de Infantaria para as estradas que desta cidade conduzem a diversos pontos, e de ordem minha foi preso no Porto um indivíduo conhecido por Joaquim Ourives, a quem a vítima indicou como mandatário do crime que atribui a motivos políticos, segundo suas suspeitas. Supõe-se que o tiro foi disparado por alguém de emboscada no mesmo córrego. Prossigo com todo o empenho as diligências a fim de se conhecer o delinqüente e de realizar-se a sua captura.131

131

APEMT - Tribunal da Relação – Cartório do 6º Ofício – Ofício do Chefe de Polícia, Dr. Ernesto Júlio Bandeira de Melo ao Presidente da Província, Dr. Francisco José Cardoso de Chefe de Polícia Ernesto Júlio Bandeira de Melo, datado de 20 de março de 1872.

Incontinenti, após o falecimento de Lauriano, o Dr. Ernesto Júlio Bandeira de Mello solicitou ao escrivão Antônio João de Souza a autuação do corpo de delito, mesmo porque, sem aquele exame pericial, não poderia dar andamento ao inquérito policial.132

Assim, notificados de acordo com os termos da legislação criminal vigente, e após lhes terem sido deferidos os juramentos de bem cumprirem suas missões, os doutores em medicina e peritos notificados, Dormevil José dos Santos Malhado, Carlos José de Souza Nobre e Augusto Novis passaram a proceder ao corpo de delito e exame cadavérico no Tenente Coronel Lauriano Xavier da Silva, nos termos transcritos abaixo:

Aos trinta dias do mês de março do ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo, de mil oitocentos e setenta e dois, às quatro horas da madrugada, nesta cidade de Cuiabá, em as casas do Tenente Coronel Lauriano Xavier da Silva, à rua Sete de Setembro, esquina da Travessa do Rosário, presentes o Doutor Chefe de Polícia, Ernesto Júlio Bandeira de Mello, comigo escrivão de seu cargo abaixo nomeado, os peritos notificados Doutores Dormevil José dos Santos Malhado, morador na rua Vinte e Sete de Dezembro, Carlos José de Souza Nobre, morador na rua da Bela Vista, e Augusto Novis, morador na Onze de Julho, e as testemunhas Doutor Caetano Xavier da Silva Pereira e Luis Antônio de Faria, em presença a estes o Doutor Chefe de Polícia deferiu aos mesmos peritos o juramento aos Santos Evangelhos de bem e fielmente desempenharem a sua missão declarando com verdade o que descobrirem e encontrarem e o que em sua consciência incidirem; e encarregou-lhes que procedessem a exame no Tenente Coronel Lauriano Xavier da Silva e que respondessem aos quesitos seguintes: Primeiro se houve com efeito a morte; Segundo, qual a sua causa imediata; Terceiro, qual o meio empregado que a produziu; Quarto, se era mortal o mal causado; Quinto, se pela situação e profundidade dos ferimentos podem afirmar qual a direção do projétil; isto é, se foi disparado de cima para baixo ou vice-versa ou horizontalmente; Sexto, se o tiro foi dado a queima roupa ou a alguma distância, e neste último caso, se o podem determinar aproximadamente; Sétimo, qual o valor do dano causado. Em conseqüência declararam os peritos que, tendo às onze horas da noite antecedente acudido a prestar socorros médicos ao Tenente Coronel Lauriano Xavier da Silva, procederam a exame dos ferimentos e fizeram o tratamento conveniente em presença do Chefe de Polícia, Doutor Ernesto Júlio Bandeira de Mello, Promotor Público, Luiz Alves da Silva Carvalho, e assistiram o ofendido até o seu falecimento às quatro horas da madrugada de hoje, e passaram a descrever o resultado dos seus exames na forma seguinte: Examinando a pessoa do Tenente Coronel Lauriano Xavier da Silva, que se achara nu, deitado na supinação133 em uma cama, banhado de sangue, assim com as roupas do leito. Encontraram na região lateral direita do abdômen uma equimose que, examinada revelou a existência de um corpo estranho por detrás do tecido cutâneo. Feita uma incisão crucial nesse lugar, extraiu-se metade de uma bala esférica cujo diâmetro era mais ou menos de meia polegada. Encontraram mais duas aberturas circulares, de meia polegada de diâmetro mais ou menos, separadas por um espaço de uma linha talvez, na região renal direita. Essas aberturas, que eram as de

132

Reforma Judiciária – Decreto N. 4824 – de 22 de novembro de 1871 – Das atribuições do Chefe de

Polícia, delegados e subdelegados, competia, pelo Artigo 11: “1° Preparar os processos dos crimes do art.

12, § 7º do Código do Processo Criminal; procedendo ex-ofício quanto aos crimes policiais; 2º Proceder ao inquérito policial e a todas as diligências para o descobrimento dos fatos criminosos e suas circunstâncias, inclusive o corpo de delito”, p. 36.

133

Supinação: Movimento dos músculos supinadores do antebraço e da mão, de forma que a palma desta

entrada dos projéteis, comunicavam-se com a de região lateral direita do abdômen, já mencionado, por um canal, dirigido de detrás para adiante, de fora para dentro e um pouco de baixo para cima, passando pelos tecidos moles, e atravessando o rim, destruindo provavelmente alguma volta intestinais e vasos importantes em razão das alterações sintomáticas notadas. Presumem ter se perdido nos músculos lombares ou na cavidade abdominal a outra metade da referida bala. Encontraram mais quatro pequenas aberturas de entrada de outros tantos projéteis (perdigotos) na região sacra, tendo-se eles implantado no osso dessa região. Notaram paralisia da bexiga e dos intestinos, acusando o doente dores atrozes na região epigástrica134 – vômitos – elevação do ventre, algidez135 completa, suores copiosos e frios e pulso polimorfo. Pelas aberturas escorria abundantemente sangue venoso, proveniente do grande derramamento que se deu na cavidade abdominal. O ferido foi paulatinamente perdendo as forças, e, não obstante os meios terapêuticos empregados, às quatro horas da madrugada expirou, depois dos mais horríveis sofrimentos. E que, portanto, respondeu: Ao primeiro quesito, que houve a morte; ao segundo, lesão de órgãos importantes da vida; ao terceiro, que o meio empregado foi arma de fogo; ao quarto, que era mortal o mal causado; ao quinto, provavelmente quase no sentido horizontal; ao sexto quesito, que o tiro foi dado em distância pouco mais ou menos de vinte passos; ao sétimo, finalmente, que o dano causado é inapreciável (sic); e são estas as declarações que em sua consciência e declara (sic) de juramento prestado têm a fazer. Em seguida, tratando o Doutor Chefe de Polícia de coligir vestígios que pudessem servir de provas do delito, encontrou na porta da entrada da casa do dito Tenente Coronel Lauriano Xavier da Silva, seis leves escoriações de ofensas em diversos pontos de madeira, em cima e em baixo, parecendo ser feitos por chumbo; e no Córrego denominado da Prainha, junto ao cais próximo à casa de residência do Alferes José Cassiano e em frente à do dito Tenente Coronel encontrou mais uma depressão na terra, isto é, um rastro de uma pessoa discla, digo, pessoa descalça parecendo estar ela firme no lugar, e do outro lado do mesmo córrego na barranca junto ao muro do quintal da casa do mestre de alfaiate Eugênio, um amassado da erva chamada fedegoso, cujos ramos estavam quebrados recentemente; bem assim três rastros, um após o outro, de pessoa que parecia correr, sendo dois na margem esquerda do Córrego e um no leito do mesmo, todos em direção abaixo, e o último perto do beco do Tenente Rondon, e em direção aos lados do Rosário. E por nada mais haver, digo, e por último foi guardada pelo mesmo Chefe de Polícia a metade da bala esférica extraída, a que alude a descrição dos peritos, e bem assim dois fragmentos de morim fino velho que serviram de bucha e foram encontrados perto a porta da entrada da casa.

E por nada mais haver, deu-se por concluído o exame ordenado e de tudo se lavrou o presente auto que vai por mim escrito e rubricado pelo Doutor Chefe de Polícia, e assinado pelo mesmo, peritos e testemunhas, comigo Antônio João de Souza, escrivão que escrevi e de tudo dou fé, e também assinei. Ernesto Júlio Bandeira de Mello, Dr. Carlos José de Souza Nobre, Doutor Dormevil José dos Santos Malhado, Doutor Augusto Novis, o Promotor, Luís Alves de Souza Carvalho, Caetano Xavier da Silva Pereira e Luiz Antônio de Faria.136

134

Epigástrio: A parte superior do abdome, entre os dois hipocôndrios. 135

.Algidez: Qualidade ou estado de álgido; grande frialdade; estado patológico caracterizado pelo resfriamento das extremidades, sensação de frio intenso, e tendência ao colapso.

136

APEMT - Tribunal da Relação – Cartório do 6º Ofício – Auto de Corpo de Delito procedido no Tenente Coronel Lauriano Xavier da Silva, datado de 20 de março de 1872.

Peça importantíssima para a montagem do inquérito policial, justificando aqui a sua longa transcrição, o corpo de delito tinha por objetivo central demonstrar ou comprovar judicialmente a existência de um crime ou fato que se considerasse criminoso. Contudo, meramente técnico na perspectiva do discurso médico.

Um dos mais populares guias das competências e atribuições dos delegados e subdelegados de polícia, que vinha sendo reeditado desde 1858 – Roteiro dos Delegados e Subdelegados de Polícia,137 –, não deixava margens a dúvidas sobre este ponto.

Em um de seus parágrafos a respeito de como proceder ao auto de corpo de delito, que o nosso Chefe de Polícia deveria conhecer muito bem, o autor se indaga e, ao mesmo tempo, responde, tudo de acordo com uma lógica totalmente previsível:

Sem se saber e provar que há crime como processar o criminoso? Sem se conhecer bem quais as circunstâncias do delito, como qualificar depois exatamente a natureza e gravidade dele? O corpo de delito é que atesta a culpa, as testemunhas o delinqüente...138

Estava dada, portanto, a chave para a compreensão dos próximos passos do inquérito policial de Lauriano – após constatar a culpa, que um crime fora cometido, cabia ao Chefe de Polícia e demais autoridades policiais coletar todas as informações possíveis que pudessem, junto com as investigações policiais, revelar a identidade do delinqüente e, portanto, a “verdadeira” natureza do crime.

Como o corpo de delito não prova senão a existência de um fato que se presume crime, mas que pode ser casual, (...) é de mister que se procure desde logo qualificá-lo

No documento Ilegalismos e jogos de poder : (1840-1880) (páginas 67-123)

Documentos relacionados