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4. NOVAS INSTITUIÇÕES NA PROVÍNCIA PAULISTA E O

4.1 A proliferação das aulas e colégios particulares

4.1.1 Seminário Episcopal

Fundado em 09 de novembro 1856, pelo bispo da diocese paulista, D. Antônio Joaquim de Mello o seminário foi primeiramente entregue à direção da missão francesa dos Capuchinos de Savoia recém chegados ao Brasil pelo intermédio do próprio bispo e com a autorização do Papa Pio IX para um projeto de recatolização da Província de São Paulo que há anos estava entregue à clérigos seculares.

A opção de D. Antônio de ignorar o clero paulista na constituição dos quadros de professores do Seminário Episcopal causou-lhe críticas e resistência das elites liberais da província que além de apoiar o clero secular não concordavam com a postura ultramontana do bispo. Desde então, a relação entre o Seminário Episcopal, gerenciada pelos padres de Savoia e a imprensa liberal paulista foi conflituosa.

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Segundo Martins (2006) a ordem dos Capuchinhos de Savoia fazia parte da congregação dos franciscanos, no entanto, sua postura assemelhava-se mais com a ordem jesuítica. De acordo com a autora a relação dos Capuchinhos pode ser compreendida como uma retomada das determinações do Concílio de Trento. Trata-se de uma ordem criada no século XVI com propósitos semelhantes aos da Cia de Jesus. Movimento franciscano reformado, ultramontano destacado pelo rigor e pelo cumprimento de regras, os Capuchinhos de Savoia chegaram a São Paulo por volta de 1854 quando já lecionavam matérias preparatórias para angariar fundos para a construção do prédio. Segundo Wernet (1987 p. 115) em 1857 os padres franceses lecionaram aulas de preparatórios para 29 alunos dos quais 10 frequentavam aulas de Geografia.

Antônio Joaquim de Melo queria que o seminário fosse utilizado exclusivamente para a formação dos clérigos, mas os capuchinhos afirmavam ser inviável a exclusividade pelo fato de o seminário não possuir verbas próprias, muito embora fosse por diversas vezes subsidiado com dinheiro dos cofres da Província de São Paulo e por doações feitas por fieis que cediam aos apelos do Bispo da diocese paulista.

O Seminário Episcopal foi inaugurado com todas as honras, noticiado na imprensa e recebeu no dia da inauguração em grande festa um evento solene com a participação do chefe de polícia, o presidente da província e o diretor da Faculdade de Direito (POLIANTEIA, 1906 p.129). Em 1856 as obras do seminário ainda não estavam concluídas e a instituição, além de receber verbas do governo provincial, oferecia aulas de ensino secundário, preparatórias aos cursos superiores. Dessa maneira as aulas preparatórias oferecidas no Seminário Episcopal parecem surgir em um momento oportuno de insuficiência do Curso Anexo em oferecer mais aulas das matérias exigidas nos exames e a ausência de um liceu provincial. Também ia ao encontro dos anseios da elite política paulista que relutava em criar um liceu público, custeado pela província. A Assembleia Legislativa de São Paulo liberou a quantia de 4.000$000 em 1851 para auxiliar a construção do Seminário Episcopal sob a condição de o estabelecimento ser supervisionado pela Inspetoria de Instrução Pública, o que não aconteceu. O bispo paulista aceitou a oferta, porém impediu qualquer intervenção exterior no funcionamento do seminário.

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O Seminário Episcopal funcionou desde a sua fundação como seminário para a formação eclesiástica e como curso de preparatórios para estudantes que visavam ingressar nos cursos superiores do país. Essas modalidades de ensino eram chamadas de estudos maiores, para as aulas do seminário e estudos menores para as aulas preparatórias. Embora as obras ainda não estivessem concluídas o seminário começou a receber alunos desde outubro de 1857. Em 1859 foram matriculados 29 alunos que recebiam aulas de diversas matérias pelos professores frei Eugenio de Rumelly, frei Firmino de Centelhas e o padre Joaquim José Gomes de Sant'Anna. (EGAS, 1926 p.254)

Em 1861 o seminário matriculou 116 alunos (EGAS, 1926 p. 290) e em 1864 chegou a 120 alunos matriculados. Para o bispo D. Antônio de Melo o principal objetivo do Seminário era a formação eclesiástica, no entanto com o passar dos anos a escola preparatória ia se tornando um negócio cada vez mais rentável. Entre os anos de 1882 e 1883 o seminário possuía 282 alunos matriculados (EGAS, 1926 p. 575) e entre 1885 e 1886 chegou a 300 estudantes (EGAS, 1926 p.640). Martins (2006) acrescenta que foi progressivo o número de aprovações no curso jurídico da Academia de São Paulo.

O jornal Correio Paulistano também atesta para o caráter preparatório do ensino exercido no estabelecimento. Na edição de 07 de junho de 1867 o redator tece críticas ao seminário. Aqui o autor da matéria diz que o seminário começou seu funcionamento com 170 alunos, dos quais 143 eram estudantes seculares para o curso de preparatórios. O autor reclama da falência do seminário que não formava novos clérigos. O Alamanak de São Paulo para o ano de 1873 também nos dá mostras de como o Seminário Episcopal adaptou sua estrutura curricular e dedicou a maior parte do seu corpo docente para os alunos das aulas preparatórias.

O almanaque apresenta a lista de todos os professores que lecionavam no estabelecimento cujo Curso Superior – Teológico – estava naquele ano, organizado da seguinte forma: Teologia moral – Frei Firmino de Centelhas; Teologia Dogmática – Frei Eugenio de Rumilly e Liturgia, Cantochão e História Eclesiástica – Padre Carlos Maria Terrier; totalizando três disciplinas.

Para o curso inferior – preparatórios – o seminário contava com 16 matérias estruturadas da seguinte forma: Filosofia – Frei Teodoro Moïe; Retórica e Humanidades – Frei Generoso Rumilly; Matemática e Física – Frei Germano de Anecy; História

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Moderna – Padre Carlos Maria Terrier; História Média – Padre Henrique Scheffer; História Antiga – Frei Justo Moïer; Cosmografia e Aritmética – Padre Henrique Scheffer; Geografia e 1º ano de Latim – Justo Moïer; Geografia e 2º ano de Latim – Padre Avelino Marcondes e Silva; Geografia e 3º ano de Latim – Padre Avelino Marcondes e Silva; História Sagrada e aula elementar – Padre Antônio Joaquim Ribeiro; Aula suplementar – Padre Julio Ribeiro de Campos; Alemão – Padre Henrique Scheffer; Música vocal e instrumental – Padre José Ignacio Rodrigues; Padre Mestre Vigilante – Padre Celso Cesar da Cunha; Doutrina Cristã – Padre Carlos Maria Terrier (ALMANAK, 1873 p.72).

O anúncio ainda advertia que o Curso Inferior era apenas uma seção do seminário da diocese e ali recebia alunos de todas as idades desde que soubessem ler e escrever. O Curso Inferior era dividido em categorias – Aulas Principais e Aulas Especiais, podendo o aluno optar em cursar somente as aulas especiais que correspondiam a aulas avulsas para os exames parcelados:

Os alunos que não se destinam a alguma carreira literária, podem, a pedido dos pais, ser dispensados das aulas principais, e freqüentar somente os cursos especiais, que lhe convierem, como francês, geografia, aritmética, etc (ALMANAK, 1873 p.73).

Panizzolo (2006 p.123) também verifica que no jornal A Província de São Paulo as denúncias feitas por João Kopke contra o Seminário Episcopal delatavam o caráter mercenário da instituição que perdera o foco da formação clerical, transformando-se em um canal de acesso às Academias do Império.

Pouco se sabe sobre os conteúdos ministrados nas aulas inferiores do seminário. A maior parte dos livros utilizados na primeira fase do estabelecimento, período em que o seminário foi administrado pelos Capuchinhos de Savoia compreendido entre 1856 e 1879 foram saqueados ou extraviados como nos relata Monsenhor João Soares do Amaral:

A biblioteca [1881] se achava em estado lastimoso, pois alem do abandono em que estava, foi verificado um desfalque de mais de 1200 volumes como consta do exame feito pelo então bibliotecário, Pe Olavo e pode ser verificado pelos documentos pelo mesmo citado em sei oficio a sua S. R. e registrado no livro de tombo (...)

Ordenados, classificados e catalogados os livros existentes na biblioteca e do Seminário Episcopal desta diocese, resta-me levar ao conhecimento a V. R.

177 o estado contrestado em que a encontramos. 140 obras trancadas (...) (Arquivo da Cúria, documento 01.03.01 p.24)

Embora não saibamos quais foram os livros utilizados nas aulas do Seminário e nem tenhamos os conteúdos do currículo que compuseram seus cursos o perfil dos professores que lecionaram nesse estabelecimento pode revelar características peculiares de seus cursos. Preliminarmente, lembremos que o seminário era composto por professores padres cuja principal finalidade era moralizar a sociedade. Os alunos eram confinados no seminário e seu acesso era restrito, dessa forma, não era permitido qualquer acompanhamento do processo pedagógico seja pelo inspetor de instrução pública da cidade ou mesmo pelos pais dos alunos. Há relatos que mostram rigor na conduta disciplinar dos alunos do seminário, inculcando valores morais e o juramento à fé católica como nos mostra o relato extraído das memórias de Lúcio de Mendonça sobre certo amigo chamado Januário, estudante e companheiro de república estudantil em São Paulo na secunda metade do século XIX:

Foi o mais peludo e honesto dos meus companheiros de S. Paulo. Da educação da família, austeríssima, passara, sem escala por nenhum colégio profano, ao curso de humanidades do seminário episcopal; dali, puro como uma donzela, corando à mais inocente liberdade, repassado de fé, saturado de religião, caía-nos em casa no meio de três diabos de voltaireanos desabusados de tudo, o Carmo, o Abreu e mais quem fala.

Januário era, antes e acima de tudo, um cumpridor de deveres. Estava intimamente convencido de que não viera ao mundo para outra coisa; a vida não era nenhuma pândega, era um altar de sacrifícios, um ―vale de lágrimas‖, onde se tinha de ganhar o céu a poder de estopadas e de goles amargos (MENDONÇA, 2003 p.17)

Confinados no vasto estabelecimento localizado no bairro da Luz os alunos eram obrigados se confessar, participar das missas e todas outras solenidades da igreja. O rigor e a disciplina também foram marcas da educação do seminário como nos aponta Spencer Vampré (1977) ao descrever a pequena biografia de José Rubino de Oliveira, católico convicto, posteriormente lente da Faculdade de Direito, antes, estudante do Seminário Episcopal.

E assim, logo ao inaugurar-se o Seminário Episcopal de S. Paulo, para aqui veio, desejoso de abraçar a carreira eclesiástica.

Assim se conservou cerca de quatro anos, estudando humanidades, e depois teologia.

178 Uma vez argüia-o, em lição, Frei Eugênio de Rumilly. A certa proposição, avançada pelo seminarista, acudiu vivamente o professor:

- ―Cuidado. Esta proposição é condenada pelo Syllabus!‖... - ―Talvez‖ disse Rubino, com leve tom de mofa.

- ―De joelhos, já!‖... sentenciou, imperativamente, Frei Eugênio. (VAMPRÈ, 1977 v. 2 p. 254)

As primeiras aulas de Geografia no seminário foram ministradas por padres estrangeiros. Wernet (1987) diz que em 1857 todas as aulas do seminário eram ministradas pelos três padres franceses de Savoia. Para o autor o primeiro professor de Geografia do Seminário Episcopal teria sido Frei Eugênio de Rumilly.

Martins (2006) traça uma breve biografia dos primeiros professores, reitores e vice-reitores do seminário. A autora retira as informações da Polianteia de cinqüenta anos da fundação do Seminário, publicada em 1906. Para Martins, Frei Eugênio de Rumilly que também foi o primeiro reitor do seminário era um francês patriota, o que valoriza a cultura francesa transmitida na educação (p. 194). Já o Frei Germano de Anecy foi um homem culto, amante da ciência, estudioso apaixonado pela natureza. Dedicava-se à astronomia, mineralogia e botânica. Foi o organizador do observatório astronômico do Seminário Episcopal. Segundo a Martins (2006), Frei Germano deixou vários artigos sobre astronomia publicados no jornal A Província de S. Paulo. Por último, Frei Firmino de Centelhas, era natural da Espanha, tido com o um homem de extraordinária erudição. Conhecia e falava francês, espanhol, inglês, latim, italiano e português; além de estudioso de história. Dominava autores como Cantú, Rorbaker, Feller e outros historiadores e biógrafos, de sorte que não era fácil encontrar quem pudesse enfrentar com ele ciências históricas e cronológicas (p. 196).

É bem provável que as primeiras aulas de Geografia do seminário tenham abrangido mais a Geografia Universal, Geografia Histórica ou bíblica e os conteúdos de Astronomia e cosmografia aplicados à Geografia, do que Geografia particular do Brasil. Somente no anúncio de 1873, encontramos a presença de um professor brasileiro, Avelino Marcondes e Silva, lecionando Geografia, ao lado de dois professores estrangeiros, o francês Justo Moïer e Henrique Sheffer, natural da Prússia. Nessa época todos os professores que lecionaram no seminário eram padres.

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