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Semiotização: ângulos e olhares sobre a Proclamação da República no Brasil

a primeira possui textos escritos pelo Visconde de Ouro Preto; a segunda, constituída pelos anexos, além de reproduzir algumas

de 15 de Novembro , escrito pelo então tenente-coronel Jacques Ouri que Nesse texto, Jacques Ourique (apud OURO PRETO, 1891, p 12,

2.1 O processo de semiotização do mundo

2.1.1 Semiotização: ângulos e olhares sobre a Proclamação da República no Brasil

Ocorrida no Rio de Janeiro, então capital do Império Brasileiro, a Pro- clamação da República abalou as estruturas políticas do Brasil no fim do século XIX. Foi o momento em que o reinado de D. Pedro II deu lugar à República dos Estados Unidos do Brasil, regime político que perdura até hoje. Segundo Costa (2010), a Proclamação teria sido facilitada pelo des- prestígio da Monarquia por causa das constantes críticas recebidas.

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Naquela época, muitas figuras públicas republicanas aclamaram com entusiasmo o novo governo, considerando-o uma nova era de união e fraternidade. Uma nova era de progresso para a realização de grandes reformas sociais e políticas, ao contrário da Monarquia, para eles, re- presentativa do acúmulo de ruínas e atrasos, sendo o novo regime uma forma de correção. O Barão do Rio Apa escreveu que:

A data de 15 de Novembro é escripta com lettras de ouro na

historia patria, pois não é mais do que um complemento as

de 7 de Setembro e 13 de Maio. Nada mais nos resta para

nos dizermos um povo livre; por isso convido a guarda na-

cional de meu commando a acatar com respeito e amor a nova instituição e a bradar bem alto: Viva a união e frater- nidade, vivam os Estados-Unidos da Republica Brazileira, viva o exercito e a armada, viva a guarda nacional. (BARÃO DO RIO APA, 1889 apud OURO PRETO, 1891, p. 38, grifo do autor).

Para Alexandre Dias Ferreira Júnior (1890, p. ix), a implantação do governo republicano foi um sonho de sua mocidade, porque sempre aspirou ver sua Pátria “radiante no altar da civilisação moderna, celebrar suas nupcias de ouro com o progresso (...) o que era completamente impossivel no regimen deposto”. Ferreira Júnior (1890) considerou a atuação do Marechal Deodoro heroica; e o Visconde de Ouro Preto, se- gundo ele, tinha se tornado particularmente odioso.

Ruy Barbosa, então Ministro da Fazenda, considerou a República Brasileira símbolo do avanço, pois “A prosperidade nacional cresce. (...) Em breve será decretada liberdade de culto e o casamento civil. Paz absoluta” (RUY BARBOZA apud OURO PRETO, 1891, p. 6). Aristides Lobo escreveu ao Correio da Manhan de Lisboa, em 13 de Dezembro de 1889, celebrando o evento como um “Acontecimento único (...) O que se fez é um degráo, talvez nem tanto para o advento da grande éra. (...) Era um phenomeno digno de ver-se”. (ARISTIDES LOBO apud OURO PRETO, 1891, p. 181)

Entretanto, houve aqueles que, idealizando a Monarquia e recusando- se em reconhecer as deficiências do regime monárquico, consideraram

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o acontecimento um acidente infeliz. Para eles, tudo não passava de um golpe. Um dos personagens monarquistas mais representativos foi o Vis- conde de Ouro Preto. Em suas palavras “O imperio não foi a ruina, foi a conservação e o progresso. Durante meio seculo manteve integro, tranquillo e unido territorio colossal: converteu o paiz atrazado e pouco populoso em grande e forte nacionalidade...” (OURO PRETO, 1891, p. 23). Ele compreendia a Proclamação como um erro, um crime. Des- contente com a nova situação, inclusive por ter sido preso e exilado, considerou:

... não é infundada a convicção de que não perdurará e me- nos fará a felicidade da pátria a republica, que se levantou sobre os broqueis da soldadesca amotinada. Vem de uma origem criminosa, realisou se por meio de um attentado sem precedentes na historia e terá uma existência epheme- ra. (OURO PRETO, 1891, p. 104)

Segundo Afonso Celso, a nascente república era uma obra de ini- quidade que abalaria a manutenção da paz e a tranquilidade do Brasil, gerando risco aos interesses sociais e aos compromissos da Nação.

Todas essas “opiniões” acerca da Monarquia ou da República nos mostram como os sujeitos atribuem diferentes sentidos aos aconteci- mentos nos quais estão inseridos. Esse comportamento relaciona-se com o processo de semiotização do mundo (CHARAUDEAU, 2005), o pro- cesso de atribuição de sentido. Os excertos apresentados revelam a pos- sibilidade de um mesmo acontecimento – a Proclamação da República do Brasil, em 15 de novembro de 1889 – ser semiotizado de diferentes modos. Para os republicanos, o evento marcou o progresso e uma nova era; para os monarquistas, especialmente para o Visconde de Ouro Pre- to, o evento nasceu como símbolo dos vícios e da imoralidade cotidiana nos espaços da política.

Esse fenômeno de construção psico-sócio-linguageira do sentido, que passa do “mundo a significar” para o “mundo significado”, cuja interven- ção é realizada por um sujeito, relaciona-se também com o ambiente so- cial no qual o sujeito está inserido e com os saberes de conhecimento e de

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crença compartilhados. Assim, ao transferirmos o esquema do processo de semiotização do mundo (CHARAUDEAU, 2005) para o Manifesto do Visconde de Ouro Preto, temos:

FIGURA 8 – O processo de semiotização realizado pelo Visconde de Ouro Preto Fonte: Adaptado de CHARAUDEAU, 2005.

A partir do título do livro do Visconde, Advento da Dictadura Mili-

tar no Brazil7, e do processo de semiotização do mundo, consideramos

o seguinte: com relação ao Processo de Transformação, a Identificação é marcada por “dictadura” (nomeação para o evento Proclamação) e “Bra- zil” (nomeação para o local); a Qualificação está incluída em “militar” (qualificação para “dictadura” que, por sua vez, qualifica o evento Pro- clamação); a Ação está expressa em “Advento” (uma ação de chegar, instituir-se), e a Causação, inserindo-se em uma sucessão de fatos ex- plicados, é identificada implicitamente pelo movimento de instauração republicana.

Ao adotar esse título para sua obra, o Visconde trata da defesa de seu ponto de vista, trazendo à tona argumentos tidos como relevantes para seus concidadãos, a quem o ex-ministro pretende influenciar, engajan- do-se na proposta apresentada para seus concidadãos. No que diz respei- to ao processo de Transação, o princípio da Alteridade se apresenta pelo universo comum de referência aos parceiros (Visconde e concidadãos), universo marcado pelo fim do regime monárquico e pela Proclamação

7 O título do livro também será explorado no Capítulo 4, seção 4.4, Despertando Sentidos, no qual

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da República no Brasil; e as motivações comuns seriam aquelas relacio- nadas à defesa do regime monárquico.

O princípio de Pertinência se revela quando o Visconde, reconhe- cido como monarquista, defende a Monarquia em sua escrita e a dedica a seus concidadãos, criando a possibilidade de compartilhamento des- se saber, ainda que seus concidadãos o adotem ou não. O princípio de Influência pode ser percebido à medida que o Visconde busca orientar o pensamento de seu concidadão em direção a uma perspectiva antir- republicana. O princípio de Regulação mostra-se na maneira como o Visconde regula seu discurso, por vezes, por meio de um tom mais ou menos fervoroso, a fim de legar a seu concidadão o que ele considera uma “verdade absoluta”, que possa ser credível, sobre a versão dos fatos apresentada.

O processo de semiotização é distinto entre os sujeitos, pois tem relação com a identidade social deles e com o seu posicionamento ideo- lógico. Essa identidade social torna-se explícita pelo ato de linguagem e inscreve-se em dada situação de comunicação. Dessa forma, identifica- mos, no caso em análise, aqueles sujeitos com traços identitários repu- blicanos ou monarquistas.

Com base nessas observações, verificamos que o processo de se- miotização do mundo adquire pertinência na obra do Visconde, pois é a partir do que ele percebe ao seu redor que atribui sentido aos aconte- cimentos políticos e sociais que o cercaram, tornando o “mundo a sig- nificar” (Evento político – Proclamação da República em 15/11/1889) em um “mundo significado” (Advento da Dictadura Militar no Brazil).

Desse modo, ao fazer a defesa da Monarquia, o discurso de Afonso Celso configura-se como um ato de linguagem, à medida que não é um Manifesto como uma simples reminiscência de um acontecimento, mas um ideal de memória e persuasão situado em dois momentos distintos. Junto ao processo de semiotização está o ato de linguagem, tópico de nossa próxima discussão.

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