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2. AS ASPIRAÇÕES DE FRANCISCO XAVIER EM RELAÇÃO AO JAPÃO

2.6 SENGOKU JIDAI E O CONTATO PORTUGUÊS

As cartas de Xavier, anteriores a sua partida para o país nipônico, permitem constatar que ele desconhecia o conturbado cenáriosociopolítico instaurado no território japonês entre

os séculos XV e XVI. O jesuíta relata, em cartas escritas entre janeiro e junho de 1549, que tinha por objetivo conhecer o Imperador do Japão e manifestar ao soberano nipônico o desejo de pregar o cristianismo no arquipélago japonês. O missionário não tinha conhecimento que o soberano japonês daquele período não possuía de fato poder político representativo. O missionário não relata nas cartas que o território japonês passava por uma guerra civil, dando indícios de total desconhecimento do verdadeiro cenário sociopolítico do Japão.

Visamos apresentar o contexto conturbado do Japão antes da chegada dos portugueses em 1543. Com isto, buscamos maior compreensão sobre o impacto que o contato com os lusitanos traria para os japoneses.

Sengoku Jidai (Época de Países em Guerra) é um período no Japão que se inicia em

1467 e vai até 1568. Nesta época, a conjuntura política do país nipônico era completamente instável e marcada por conflitos internos (FRÉDÉRIC, 2008).

Para entendermos este momento conturbado da história japonesa é necessário conhecer o que significava a figura dos Xoguns, que “[...] eram uma espécie de ditadores militares que governavam no lugar do imperador, do qual vinha a autoridade que tinham, pois era o chefe espiritual da nação japonesa. Os poderes dos shogun variaram, no entanto, de acordo com as épocas” (FRÉDÉRIC, 2008, p. 1070-1071).

O primeiro Xogum foi o guerreiro japonês Minamoto no Yoritomo. A regência de Yoritomo teria se iniciado no ano de 1192, com o sistema de governo denominado de Bakufu, que era “[...] baseado no poderio militar, sendo a figura do Imperador mantida como uma autoridade simbólica e religiosa [...]” (HICHMEH, 2014, p. 23).

No Bakufu, Yoritomo, o primeiro Xogum

[...] recompensava os seus vassalos leais com propriedades e cargos como os de jito (intendente) e shugo (protector ou governador). Administravam as províncias a seu cargo de acordo com os costumes locais e as leis das casas militares, e não segundo os códigos impostos centralmente que faziam parte do sistema ritsuryo19. Também cobravam impostos para o bakufu e podiam reter uma parte do produto da terra para si mesmos. Com este sistema, Yoritomo exerceu um controlo relativamente directo sobre a maior parte do Japão e diminuiu também o rendimento das famílias nobres da corte e do governo central (HENSHALL, 2018, p. 54).

Com o passar dos séculos, o poder do Xogum foi declinando no Japão. “Poderosas famílias japonesas shugo, como os Hosokawa, que ocupavam frequentemente a posição de

19

Ritsuryo Seido. Código geral de leis criado no final do século XVII e no início do século XVIII, estabelecendo a supremacia política e moral do imperador e dos grandes nobres, assim como das leis escritas (FRÉDÉRIC, 2008, p. 972).

delegados do xogunato, exerceram nele grande influência. Uma família shugo, os Yamana, controlava nada menos do que 11 das 66 províncias de então” (HENSHALL, 2018, p. 61-62).

Depois da morte de Yoshimitsu, em 1408, que era o terceiro Xogum da família dos Ashikaga20, o poder do Xogum declinaria grandemente. Sem um poder central que atuasse de forma efetiva, estas famílias nipônicas que possuíam o domínio sobre o território no Japão passaram a combater “[...] cada vez mais entre si, à medida que frágeis alianças eram feitas e desfeitas” (HENSHALL, 2018, p. 62).

Entre 1467 e 1477 ocorreu, no Japão, a denominada Guerra de Ônin. Conflito que teve, por consequência, a destruição da cidade japonesa de Quioto. Tal ocorrência foi ocasionada por uma disputa pelo cargo de Xogum. A guerra começou envolvendo duas famílias japonesas, os Hosokawa e os Yamana e teve continuidade mesmo após a morte dos inimigos que buscavam pelo título de Xogum, pois seus aliados e descendentes deram prosseguimento ao confronto. A Guerra de Ônin deu início ao Sengoku Jidai e, depois deste evento, o país nipônico ficou tomado por várias guerras civis e distúrbios (FRÉDÉRIC, 2008).

Como salienta José Yamashiro (1993), a Guerra de Ônin se

[...] constitui um importante ponto de mudança política no curso da história japonesa. Marca o fim efetivo (embora não formal) da hegemonia dos Ashikaga e o início da fase descentralizada do feudalismo nipônico, que volta à forma centralizada no shogunato Tokugawa (começo do século XVII), após o estágio de reorganização correspondente ao domínio de Nobunaga Oda e Hideyoshi Toyotomi, os dois grandes generais que põem fim ao período de guerras entre feudos (p. 137-138).

Depois do desaparecimento do poder representado pelo Xogum, o Japão se converteria num conjunto de territórios independentes que não se submetiam a um poder central. Estas localidades autônomas eram comandadas pelos senhores de terras, os denominados daimiôs (YAMASHIRO, 1993).

De acordo com José Yamashiro (1986), durante o período de conflitos no Japão ocorreu um fenômeno incomum na estratificação social japonesa relacionado ao desrespeito em face de uma hierarquia estabelecida, era comum vassalos se voltarem

[...] contra seus chefes os senhores. Governadores militares são mortos e substituídos por chefes samurais locais que sublevam e ocupam o lugar do

20 Os Ashikaga foi uma importante família guerreira japonesa que foi criada por Yoshiyasu (1126-1157). Quinze Xoguns que comandaram a nação nipônico entre 1336 e 1573 vieram desta família (FRÉDÉRIC, 2008).

shugo-daimyô21. Registram-se casos em que um chefe militar é morto e seu lugar preenchido por um outro, e assim por diante. Verifica-se o chamado

gekokujô (subversão ou inversão hierárquica) [...] (YAMASHIRO, 1986, p.

109-110, grifo do autor).

Os componentes do segmento social guerreiro do Japão, denominados de Samurais, possuíam um conjunto de leis (Bushidô) que devia orientar seu comportamento. Uma das normas morais dos guerreiros japoneses seria prestar obediência plena aos seus superiores (FRÉDÉRIC, 2008).

Contudo, a moral honrada do guerreiro japonês, que tinha na lealdade um dos seus maiores fundamentos entrou em descrédito no decorrer do Sengoku Jidai (YAMASHIRO, 1986).

No decorrer do Sengoku Jidai, o sistema de governo Bakufu entrou em decadência no Japão perdendo sua capacidade de governar. Apesar do título de Xogum não representar mais um poder expressivo, “[...] a família Hosokawa, que monopolizara o posto de Kanrei a partir do início do século XVI, manteve certa estabilidade na região da capital” (BERNABÉ, 2012, p. 22).

Conforme explicita Henshall (2018), foi neste período, particularmente conturbado da história japonesa, que os primeiros portugueses chegaram ao Japão e se depararam com

[...] uma terra dilacerada pela guerra civil, uma terra de senhores da guerra que não reconheciam nenhum governo central e que simplesmente açambarcavam tantos feudos vizinhos quantos podiam, pela força das armas ou à traição (p. 64).

Os portugueses aportaram no território japonês, em 1543, trazendo consigo armas de fogo. A pedido do senhor de terras da ilha de Tanegashima, Tokitaka Tanegashima (1528-79), os portugueses teriam demonstrado o desempenho de uma espingarda. O senhor de terras japonesas teria se impressionado com o poder da arma, experimentando um exemplar trazido pelos lusitanos (YAMASHIRO, 1989).

As armas de fogo se propagaram rapidamente no Japão, no século XVI, a espingarda

[...] revoluciona a arte da guerra, aumentando substancialmente o poder defensivo e ofensivo da infantaria, em detrimento da cavalaria, até então tida

21 Senhores provinciais do período de Muromachi que, nomeados shugo pelo shogunato dos Ashikaga, aumentaram suas posses territoriais e seu poder de tal maneira que foram considerados daimiô. Vários deles, por ocasião das desordens do período do sengoku, aproveitaram para torna-se quase independentes (FRÉDÉRIC, 2008, p. 1083).

como a arma mais poderosa. Entre outras consequências dessa revolução na arte da guerra gerada pela arma de fogo, citam-se modificações nas estruturas de fortalezas e nas armaduras dos samurais. Também aperfeiçoamentos consideráveis são introduzidos na técnica da construção naval. Alguns navios de guerra passam a ter chapas de ferro no casco para enfrentar projéteis de canhão (YAMASHIRO, 1989, p. 91).

Para que as armas de fogo fossem fabricadas no Japão, tornou-se necessário a importação de matérias primas vindas de outros territórios, tais como ferro e o salitre, que era utilizado na preparação da pólvora. Muitos senhores de terras visaram atrair para seus territórios os mercadores portugueses que tivessem em suas embarcações estas valiosas mercadorias, isto colaborou para o desenvolvimento do comércio português no Japão (YAMASHIRO, 1989).

Nobunaga Oda, um dos daimiôs que contribuiu para a reunificação política do Japão, utilizou taticamente nas batalhas as armas de fogo. Se utilizando deste tipo de armamento, Oda venceu um grande confronto bélico, em 1575, na denominada Batalha de Nagashino (YAMASHIRO, 1989).

A relevância dada pelos japoneses às armas de fogo diminuiria “[...] abruptamente conforme a desorganização do Sengoku Jidai que deu lugar à centralização do poder, na virada do século XVI para o XVII, sob a família Tokugawa, que impôs a desmilitarização dos daimyõ [...]” (HICHMEH, 2014, p. 25-26).

Após a introdução das armas de fogo, o samurai, que tinha tradicionalmente como arma a espada, não entrou em descrédito na sociedade nipônica. Os guerreiros japoneses não foram rebaixados como ocorreu com os cavaleiros medievais europeus. Só em meados do século XIX que o Japão voltou a se modernizar belicamente (YAMASHIRO, 1989). No próximo capítulo, abordaremos outras cartas que Francisco Xavier escreveu em 1549, nosso enfoque principal serão as missivas que o jesuíta escreveu em Kogashima no Japão.