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3. CONTATO INICIAL DE FRANCISCO XAVIER COM OS JAPONESES

3.1 A VIAGEM PARA O JAPÃO

Em maio de 1549, Francisco Xavier juntamente com o padre Cosme de Torres e o Irmão João Fernandes e mais os três japoneses que haviam sido convertidos à religião cristã, em Goa, chegaram a cidade de Malaca visando partir para o Japão (XAVIER, 2006).

Xavier escreveu, em 20 de junho de 1549, em Malaca, uma carta a “D. João III, Rei de Portugal” (XAVIER, 2006, p. 465-468) relatando suas expectativas sobre a viagem ao Japão. Xavier narra como ele e seus companheiros teriam sido muito bem recepcionados pelo capitão de Malaca, D. Pedro da Silva22, que ofereceu ajuda para a viagem que pretendiam empreender para o país asiático (XAVIER, 2006).

Xavier recomendou, na carta a D. João III, que Silva fosse recompensado pela ajuda proporcionada aos jesuítas. Nessa carta, afirma que o capitão de Malaca teria oferecido tudo o que era necessário para a realização de uma viagem bem-sucedida ao Japão, mandou inclusive ao Imperador do Japão, como presente, peças de muito valor e a melhor pimenta que havia, em Malaca, para que os jesuítas as comercializassem no território japonês (XAVIER, 2006).

Francisco Xavier menciona D. Pedro da Silva em outras missivas. Em uma carta redigida entre 20 e 22 de junho de 1549 “Aos padres Paulo Camerte, António Gomes e Baltasar Gago” (XAVIER, 2006, p. 469-481), que se encontravam em Goa, o missionário relata que o capitão se empenhou em conseguir uma embarcação para levá-los ao Japão:

Chegámos a esta cidade de Malaca, ao derradeiro dia de Maio. Fui recebido, assim do capitão como de toda a cidade, grandes e pequenos, com muito

grande alegria e contentamento. Falei logo ao capitão, para nos aviar a ida para Japão. Ele se ofereceu logo a isso e a pôs logo por obra, não com pouca diligência e amor, ao qual nós todos muito devemos, por nos assim despachar e aviar com tanta caridade. A todos os da Companhia mostra tanto amor, que quisera armar um navio com alguns portugueses, para nos levarem a Japão. Mas não se achou navio que lá pudesse ir. Mandou aparelhar um junco de um china23, por nome Ladrão, gentio, aqui casado, o qual se obrigou a levar-nos a Japão. E o capitão lhe fez deixar uma fiança, em que dizia que, se recado meu não trouxesse de Japão, que sua mulher e quanta fazenda tinha fosse perdida (XAVIER, 2006, p. 470).

Em junho de 1549, Xavier partiu de Malaca para o território japonês e, após enfrentar uma turbulenta viagem pelos mares asiáticos, o missionário e seus companheiros chegaram ao Japão em agosto do mesmo ano, aportando em Kagoshima que ficava localizada na ilha de Kyushu, esta localidade nipônica era a terra de Paulo de Santa Fé.

O período em que Xavier visitou o país nipônico, temos conhecimento que ele redigiu cinco cartas. Tais epístolas foram escritas em Kagoshima, após contato inicial com os japoneses em cinco de novembro de 1549. Entre os escritos feitos pelo missionário, nesse período, inicialmente visamos destacar a carta em que o jesuíta se dirige “Aos seus companheiros residentes em Goa” (XAVIER, 2006, p. 502-532). Entre as diferentes categorias24 das cartas de Xavier, esta poderia ser considerada como uma carta de tendência ecumênica, voltada para um público amplo com conteúdo extenso, em que o missionário relata sua viagem ao arquipélago japonês retratando suas primeiras impressões sobre o Japão e seus habitantes.

O primeiro segmento da missiva se refere a uma detalhada transcrição feita por Xavier sobre sua viagem marítima ao Japão, em que o missionário discorre sobre suas experiências na embarcação do chinês que o levou ao território japonês.

No século XVI, viajar era algo muito perigoso pois muitas embarcações naufragavam. Em suas cartas, Francisco Xavier relatou os riscos que implicava uma viagem neste período. Entender as dificuldades que uma viagem náutica no período das navegações poderia acarretar nos possibilitou um olhar mais meticuloso ao analisar as narrativas do missionário sobre a sua jornada para o país nipônico.

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Em uma carta escrita da cidade japonesa de Kagoshima em 05 de Novembro para D. Pedro da Silva que se encontrava em Malaca, o jesuíta menciona que este chinês que o levara para o Japão morrera: “O Ladrão morreu aqui em Cangoxima. Foi-nos bom em toda a viagem, e nós não lhe pudemos ser bons, pois morreu em sua infidelidade. Nem depois de morto lhe podemos ser bons, encomendando-o a Deus, por estar sua alma no inferno” (XAVIER, 2006, p. 547).

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No primeiro capítulo, citamos como Mário Martins (2006) na introdução de Obras Completas de São

A viagem de Xavier para o Japão foi marcada por ocorrências graves, ao mesmo tempo, o jesuíta fora colocado numa situação desconfortável como um religioso que tinha, por objetivo, converter os povos que não seguiam a religião cristã.

Na correspondência escrita em Kagoshima para seus companheiros jesuítas de Goa, o missionário relata sobre duas coisas que o perturbaram durante a sua viagem para o Japão:

O que mais sentíamos, na nossa viagem, eram duas coisas. A primeira, ver que não nos aproveitávamos do bom tempo e vento que Deus Nosso Senhor nos dava, e que se nos acabava a monção25 para vir ao Japão: e assim nos era forçado esperar um ano, invernando na China, aguardando por outra monção. A segunda, eram as contínuas e muitas idolatrias e sacrifícios que faziam, o capitão e os gentios, ao ídolo que levavam no navio, sem as podermos impedir: deitando muitas vezes sortes, fazendo perguntas se podíamos ir ao Japão ou não, e se nos durariam os ventos necessários para a nossa navegação. Às vezes saíam as sortes boas, às vezes as más, segundo o que eles nos diziam e criam (XAVIER, 2006, p. 503).

Xavier partiu para o Japão num navio que possuía um capitão de origem chinesa, como é possível observar na citação acima. O jesuíta se viu obrigado a testemunhar cultos a ídolos realizados pelos tripulantes da embarcação. Mesmo que o missionário se opusesse fortemente à prática da tripulação, no contexto em que ele se encontrava, não possuía poder efetivo para impedi-los, além disso, o missionário visava chegar ao Japão e não seria prudente se envolver em conflitos durante a sua viagem para o país nipônico. Possivelmente, o missionário católico se sentiu incomodado por não poder se opor abertamente à religiosidade de indivíduos que não compartilhavam da sua fé.

No prosseguimento da viagem de Xavier ao território japonês, a tripulação começou a lançar a sorte e a fazer indagações a ídolos, questionando se o navio realmente deveria ir para o Japão ou se deveria retornar para Malaca. Os tripulantes passaram a não querer ir mais ao país nipônico, pretendiam aportar na China e aguardar um ano para dar continuidade a viagem. Na concepção do missionário, este comportamento ocorria porque eles eram servos do diabo: “[...] estando ao parecer do demónio e dos seus servos se havíamos de vir ou não ao Japão – pois os que regiam e comandavam o navio não faziam senão o que o demónio pelas suas sortes lhes dizia!” (XAVIER, 2006, p. 504). Vendo pela ótica de um jesuíta do século XVI, é compreensível que Xavier relacionasse qualquer dificuldade que se apresentasse na

25 Vento sazonal que sopra em regiões costeiras tropicais e subtropicais, notadamente no Sudeste asiático, associado à alternância entre a estação seca e a estação das chuvas. DICIONÁRIO AURÉLIO. Significado de Monção. Disponível em: https://dicionariodoaurelio.com/moncao Acesso em: 21 de setembro de 2018.

sua viagem com suas próprias crenças religiosas.

Xavier (2006) expõe, na carta para os jesuítas de Goa, dois incidentes trágicos que ocorreram em 20 de junho de 1549, durante a sua viagem para o Japão. Nesse dia, os mares se encontravam violentos, e um dos companheiros de viagem de Xavier, denominado Manuel China, teria sofrido um acidente por conta da agitação do mar que o fez lesionar seriamente a cabeça.

Depois que Manuel China foi socorrido, uma mulher, que era filha do capitão do navio que levava Xavier e seus companheiros para o Japão, caiu no mar e, por conta da agressividade das ondas, não pode ser resgatada e acabou se afogando na presença do pai e de todos que se encontravam no navio. O missionário discorre sobre a reação que se deu na embarcação por conta desta infeliz ocorrência:

Foram tantos os choros e vozes naquele dia e noite, que era uma piedade muito grande ver tanta miséria nas almas dos gentios, e perigo nas vidas de todos os que estávamos naquele navio. Passado isto, sem repousar todo aquele dia e noite, fizeram os gentios grandes sacrifícios e festas ao ídolo, matando muitas aves, dando-lhe de comer e beber. Nas sortes que deitaram, perguntaram a causa por que morreu a sua filha. Saiu a sorte que não teria morrido nem caído ao mar, se o nosso Manuel, que caiu na bomba, tivesse morrido (XAVIER, 2006, p. 505).

Xavier se utiliza destes graves acontecimentos para fazer reflexões religiosas nas quais busca enaltecer a fé cristã:

Ó Irmãos, que será de nós à hora da morte, se em vida não nos aparelhamos e dispomos a saber esperar e confiar em Deus, pois naquela hora nos havemos de ver em maiores tentações e trabalhos e perigos em que jamais nos vimos, assim do espírito, como do corpo? Portanto, nas coisas pequenas, os que vivem com desejos de servir a Deus, devem trabalhar por humilhar-se muito, desfazendo sempre em si e fazendo grandes e muitos fundamentos em Deus, para que nos grandes perigos e trabalhos, assim na vida como na morte, saibam esperar na suma bondade e misericórdia do seu Criador – pelo que aprenderam vencendo as tentações, por pequenas que fossem, onde achavam repugnância, e desconfiando de si com muita humildade, fortificando os seus ânimos confiando muito em Deus – pois ninguém é fraco quando usa bem a graça que Deus Nosso Senhor lhe dá (XAVIER, 2006, p. 507).

Nos questionamos o porquê Xavier deu tanto destaque a sua viagem ao território japonês. Em nossa concepção, o missionário, ao discorrer sobre as desventuras que ocorreram em sua jornada, talvez tivesse por intenção evidenciar que mesmo passando por muitos

infortúnios durante a sua viagem, ainda havia conseguido chegar a salvo ao Japão, o que demonstraria o caráter divino da sua missão. Isto é perceptível nas cartas escritas por Xavier ao se referir à chegada ao Japão: “[...] nem o demónio nem os seus ministros puderam impedir a nossa vinda. Assim nos trouxe Deus a estas terras a que tanto desejávamos chegar, no dia de Nossa Senhora de Agosto do ano de 1549”(XAVIER, 2006, p. 508).

Como afirmamos anteriormente, com base em Fernando Torres Londoño (2002), algumas cartas jesuíticas tinham por objetivo edificar a ação dos religiosos. Na correspondência escrita para os jesuítas de Goa, Xavier discorre sobre os vários problemas ocorridos durante a sua viagem ao Japão. Acreditamos que isto fazia parte da estratégia de edificação recorrente dos escritos dos jesuítas, já que a exposição ao sofrimento também era uma forma de glorificar as suas ações.