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Capítulo 2. A ESPERANÇA, dom de ver para além do visível

2.2. O sentido antropológico da esperança

«Mas que é, afinal, a esperança? Que função representa, na

natureza humana, o acto de esperar, e que importância tem essa função na consciência que o homem vai tendo de si mesmo ao longo dos tempos?»

João António de Sousa125

2.2.1. Aproximação linguística entre espera e esperança

A esperança está relacionada com o verbo latino “sperare”, que se refere à espera de um bem. No entanto, o simples ato de esperar representa uma atitude despersonalizada, que não se

123 Tamayo, Novo Dicionário de Teologia, 172. 124 Sousa, A Esperança Cristã ..., 48.

centra em algo material, enquanto a esperança se carateriza por «uma vivência interior,

existencial e até inter-subjetiva ou interpessoal.»126

Numa aproximação linguística conclui-se que a esperança significa o desejo e o empenho ativo com que se aguarda um bem futuro, incerto, mas possível. E o ato de esperar remete para uma espera de toda a espécie de bens que a pessoa deseja e crê, com mais ou menos fé, que os pode alcançar.

João António de Sousa, no seu livro “A Esperança Cristã e as Esperanças dos Homens”, apresenta quatro expressões127 que permitem fundamentar esta análise linguística entre o

sentimento da esperança e o ato de esperar:

a) “Eu espero uma coisa ou uma pessoa”, trata-se de uma espera passiva por um bem ou uma pessoa, tal como acontece quando esperamos o autocarro ou o voo de avião. b) “Eu espero que me aconteça um bem”, a espera já envolve sentimento, já se

manifesta a esperança como um crer que...

c) “Eu espero em alguém”, já se entra no campo da esperança, em que um espera o outro. Um vive a dinâmica da espera do outro: «Um ‘eu’ abre-se a um ‘tu’, criando a

comunhão do ‘nós’. Se esse ‘tu’ é o ‘Tu Absoluto’, transcendental e pessoal (ou seja, o

próprio Deus), pelo acto de esperar n’Ele o homem imerge no mistério divino.»128

d) “Eu espero”, é a expressão máxima da esperança, não há definição de que objeto ou pessoa se espera: «é o esperar em sentido absoluto [...] é ato supremo da

esperança.»129

Assim, pode-se verificar que o significado linguístico, mais perfeito, do ato de esperar é o “eu espero”, esta é a expressão que manifesta intimidade absoluta com a palavra esperança.

126 Sousa, A Esperança Cristã ..., 22. 127 Sousa, A Esperança Cristã ..., 22. 128 Sousa, A Esperança Cristã ..., 22. 129 Sousa, A Esperança Cristã ..., 22.

«Ainda que se espere contra toda a esperança, como Abraão (Rom 4,18)»130 o crente deve

continuar a afirmar com confiança “Eu espero”.

O ato de esperar nesta perspetiva é tendencialmente religioso, pois Deus é o único referencial supremo. É o único que se transcende a este mundo, já que o ser humano é um ser limitado por acontecimentos como a doença ou a morte, que ultrapassam o seu controlo. No entanto, Ele garante «à pessoa a permanente possibilidade de se realizar na linha do seu destino

pessoal, em abertura ao Absoluto da Verdade e do Amor.»131

Em complemento, a esta aproximação linguística há que acrescentar que no Cristianismo a esperança se afirma como uma virtude teologal, ou seja, «um dom divino mediante o qual o

crente se sente inclinado a confiar no cumprimento das promessas divinas, nomeadamente a promessa da salvação.»132 Logo, aqui o ato de esperar, é um desejo que se desperta e se enche

de esperança por haver a promessa de Deus.

Em conclusão, tanto no uso profano, religioso ou teológico, o termo esperança pode significar: «acto de esperar (cf. Rom 5,5;8,24ª); objeto esperado (cf. Rom 8, 24b; Tit 2, 13);

meio pessoal ou real, para conseguir um bem esperado (por exemplo, na expressão seguinte: “A Virgem Maria é a nossa esperança”).»133

2.2.2. A esperança numa dimensão antropológica

A esperança no homem nasce do conflito que o eu estabelece entre o que é - realidade atual; o que foi - o passado; e o que poderá́ ser -o futuro, a possibilidade. Por isto, a esperança não pode ser passiva, ela implica atividade, extroversão, pois aquele que tem esperança, tem- na para si e para os outros.

A esperança mesmo sendo uma virtude teologal tem sempre uma base humana: «A graça

não destrói, mas completa a natureza.»134 Ela necessita do sentimento humano da espera, pois,

130 Sousa, A Esperança Cristã ..., 23. 131 Sousa, A Esperança Cristã ..., 23. 132 Sousa, A Esperança Cristã ..., 23. 133 Sousa, A Esperança Cristã ..., 23. 134 Sousa, A Esperança Cristã ...24.

só consegue viver verdadeiramente a esperança, quem sabe esperar, para além de todos os obstáculos, sem nunca desistir e confiando sempre.

Para a antropologia aristotélica, «esperar se situa na área da afetividade.»135Todo o bem

desperta instintivamente, na alma da pessoa, interesse ou amor. E será através da esperança que o ser humano lutará por esse bem. No entanto, nem todas as pessoas tem a mesma capacidade de esperar. Por exemplo, para as crianças de dez anos, nas quais se centrou a prática letiva, é difícil saber esperar. Estas vivem numa sociedade submersa no processamento rápido de informação. No entanto, estão numa fase de desenvolvimento que se carateriza por «a capacidade de interiorização cresce, o seu pensamento é mais organizado e a memória mais poderosa.»136Atendendo a estes fatores deve-se aproveitar esta idade para ensinar às crianças a

arte de saber esperar, na esperança de que se tornem adultos mais pacientes, do que os atuais. No geral, a capacidade de esperar varia de pessoa para pessoa, «o esperar se identifica

com a tensão do querer-viver: é a confiança da vida no seu progresso, na sua própria duração, no seu êxito para além dos fracassos individuais.»137 Então como será possível, ao homem,

esperar numa esperança autêntica?

Primeiro tem de assumir uma postura enérgica e de luta perante algo que ainda não aconteceu, mas que está para vir. O que remete a pessoa para o futuro, no qual deve ter esperança e mostrar-se disponível para seguir em frente. Ou seja, cada um é «impelido a

ultrapassar o que já é, em busca do que ainda não é.»138

A verdadeira espera é aquela que se fundamenta no desejo por um bem realmente importante e do qual sentimos falta, e isso só acontece a «quem tem consciência da sua actual

pobreza [...] está certo de que pode preencher esse vazio e se esforça por consegui-lo, até se realizar plenamente.»139 Segundo a antropologia moderna: «a esperança autenticamente humana

135 Sousa, A Esperança Cristã ..., 24.

136 Secretariado Nacional da Educação Cristã, «Sereis o meu Povo - guia do catequista», 21. 137 Sousa, A Esperança Cristã ..., 25.

138 Sousa, A Esperança Cristã ..., 26. 139 Sousa, A Esperança Cristã ..., 26.

não pode ser apenas “paixão”, embora se baseie sempre num impulso da vida para a frente. De por si, a esperança deve ser uma atitude racional [...] a determinar os seus objetivos últimos, no horizonte da transcendentalidade.»140

A esperança humana é a expressão de uma «existência-em-êxodo»141 , como afirma

Moltmann. É a passagem da escravidão à liberdade na terra prometida, através da aliança que Deus estabeleceu com o seu povo [concretizada no nascimento de Jesus, como aborda a unidade letiva dois “Advento e Natal]. Hoje, somos chamados a continuar a peregrinação ao encontro das promessas de Deus, com uma esperança feita de paciência.

O Cardeal José Tolentino Mendonça, no seu livro “Esperar contra toda a esperança” salienta que: «A paciência é respiração longa, distendida e aberta. O contrário do nosso respirar

ofegante e férreo. Talvez que tudo o que a esperança pediu a Abraão e nos pede a nós é apenas isto: respirar melhor o oxigénio da ininterrupta promessa de Deus.»142