• Nenhum resultado encontrado

3 DESCRIÇÃO E DISCUSSÃO DOS DADOS

3.1 Sentidos e significados, Ressignificações e

3.1.1 Sentidos Iniciais

Os encontros analisados revelam contradições nas compreensões de Gestão pelos participantes quanto ao papel do gestor na formação de professores e na organização do trabalho com questões de ensino-aprendizagem na escola. Revelam também o apoio em diferentes bases teórico-metodológicas quanto ao ensino-aprendizagem, valores e questões de poder. Dessa forma, enquanto, nesse momento inicial a EG parece ver seu papel como de observar e avaliar se os professores faziam na sala de aula o que tinham planejado na HTPC, o Grupo Formador (GF) estava apoiado em uma compreensão de gestão com foco na centralidade da criação de um contexto colaborativo entre gestores e professores para a compreensão dos problemas, necessidades e valores da escola. Revelam também que a EG da escola não tinha um trabalho sistematizado de orientação aos professores quanto às compreensões e dificuldades deles em relação ao próprio trabalho.

Os trechos, a seguir, referem-se ao primeiro encontro do GF com a EG. Nesse primeiro recorte, a EG relata algumas dificuldades em relação ao trabalho com os professores. Dois pesquisadores, O e M e todas as integrantes da EG (Diretora, Vice-Diretora e Coordenadora) estão reunidos na sala da diretora. O objetivo dos pesquisadores é entender os modos como a EG age para entender e discutir com os professores seu trabalho, problemas e modos de resolvê-los.

Recorte 1 – encontro dia 18/05/10

PesqO 15: [...] como é que vocês tem esse acesso aos professores... como é que vocês estão... VENdo o trabalho dos professores... a partir de que meios... pra ver como vocês entendem o trabalho deles [...] como é que vocês... estão circundando aí entre o grupo de professores (...)

VD 5: (...) na verdade... bem pouco né... o conselho... nós fizemos o conselho agora no primeiro bimestre... então aí é onde que a gente... que elas passam mais pra gente né Dir 11: [...] a gente sente essa necessidade de intervenção agora direto com o professor...

DIRETO... mas assim a gente ainda tá meio atropelada... porque a gente mesmo ainda

não se organizou... [...]

Fernando Costa

A pesquisadora O15 inicia com uma pergunta que pede clarificação e que é utilizada para que os participantes possam expandir suas ideias para serem compreendidas pelos outros (BROOKFIELD E PRESKILL, 2005). De fato sua pergunta engloba várias perguntas, todas iniciadas por “como é que vocês”, revelando assim um pedido de descrição e explicitação do trabalho desenvolvido pela EG com os professores. A resposta da vice-diretora não descreve ou explicita o trabalho com formação na escola, ao contrário evidencia que conhecem pouco sobre o que os professores fazem até aquele momento. Há em suas asserções pausas que parecem evidenciar relutância em revelar aos pesquisadores esse fato; VD5: (...) na verdade... bem pouco né [...] nós fizemos o conselho agora no primeiro bimestre, então aí é onde que a gente... que elas passam mais pra gente né.

A colocação de Dir 11 reforça essa compreensão, uma vez que aponta para uma necessidade não realizada de intervir no trabalho dos professores. Como coloca Dir 11: [...] a gente sente essa necessidade de intervenção agora direto com o professor. A não realização é justificada pela falta de tempo e de organização, “a gente ainda tá meio atropelada... porque a gente mesmo ainda não se organizou... [...], mas também por desconhecimento de como organizar

essa intervenção, o que, de fato, motivou a presença do projeto na escola, como revela a asserção de VD 6: (...) não tinha nem por onde começar né... vai assistir aula... vai fazer semanário...

A não descrição das participantes da EG, como pedido, faz com que os pesquisadores retomem e reorganizem a pergunta inicial como revela o recorte a seguir:

Recorte 2 – encontro dia 18/05/10

PesqO 23: [...] como que vocês tem trabalhado com os professores? por exemplo... vocês...

tem um horário sistemático de conversa com cada professor ao longo da... digamos da quinzena... da semana... vocês tem... ( ) que vocês vão lá verificar dentro da sala de

aula... vocês fazem observação de aula... tem algum... movimento desse [...]

VD 11: [...] eu acompanho de terça-feira o HTPC com a Denise nas oficinas e... acompanhava

de quarta a do currículo... do quarto e quinto ano

PesqO 24: ah::: tá e agora (...)

VD 12: [...] eu me propus pelo menos estes dois HTPs... estar participando pra ta vendo...

Fernando Costa

Dessa forma, pesqO refaz a pergunta com pedido de descrição, como que vocês tem trabalhado com os professores?, Mas agora, traz um exemplo para clarificar sua pergunta, “por exemplo... vocês... tem um horário sistemático de conversa com cada professor ao longo da... digamos da quinzena... da

semana... vocês tem... ( ) que vocês vão lá verificar dentro da sala de aula...

vocês fazem observação de aula... tem algum... movimento desse [...]

A resposta de VD, ainda muito geral revela seu papel em participar do HTPC para verificar o que os professores fazem: VD 11: [...] eu acompanho de terça-feira o HTPC [...] e VD 12: [...] eu me propus estar [...] participando pra ta vendo [...]. O uso dos verbos participar e ver são usados aparentemente como sinônimos de acompanhar, mas eles parecem indicar um sentido para a vice- diretora que sugere que acompanhar e participar estão relacionados apenas a fiscalizar o que os professores fazem, o que vai ficando mais claro no decorrer da interação. Assim, em uma discussão sobre o uso de portfólio pelos professores, as participantes da EG revelam que o papel delas na relação com os professores está relacionado à fiscalização do trabalho. O foco parece estar apenas nas ações do fazer, de uma avaliação e cobrança do que não foi feito e do que deve ser refeito, bem como de uma cobrança de questões já discutidas. Essas questões estão reveladas no excerto, a seguir:

Recorte 3 – encontro dia 18/05/10

Dir 40: [sobre o uso do portfólio] o que era interessante... assim... que o ano passado... a.... a... as meninas vistavam e eu também vistava... então a gente... a Denise sempre colocava alguma coisa (...)

VD 40: (...) observação

Dir 40: (...) pertinente... a Marisa também... eu... eu... vistava também... via a observação delas... pra ser coerente né... é:::.... agora me fugiu o que eu ia falar... mas assim... elas faziam entendeu? AH... lembrei...então às vezes quando algumas das meninas colocavam uma observação... olha... tenta fazer de outra forma... tá faltando tal tal... tá faltando a sua avaliação... o que você achou desse exercício... e isso iria acho... que mais pelo lado pessoal

Dir 43: então... é muito complicado... a gente não quer cobrar por cobrar também... mas é difícil você falar... que aquilo vai ser BOM pra ELAS... a gente já FALA isso... ( ) pra

VOCÊS... o portfólio não é da escola... é de VOCÊS... [...] isso foi falado... refalado e

Fernando Costa

Este excerto revela duas questões: o modo como trabalhavam/trabalham com os professores, com observações em sala de aula, como demonstrado nas falas deDir 40: [...] as meninas vistavam e eu também vistava[...] e uma postura unidirecionada do que teria que ser feito ou refeito pelos professores,: Dir 40: [...] as vezes quando umas das meninas colocavam uma observação [...] tenta fazer de outra forma... tá faltando tal tá faltando a sua avaliação [...] iria acho... que mais pelo lado pessoal.

Todavia, a fala da diretora, revela também uma contradição para elas quanto à necessidade de cobrança, a forma de cobrança e questionamento do que observavam e o porquê fazer essa cobrança: Dir 43: então... é muito complicado... a gente não quer cobrar por cobrar também... mas é difícil você falar... que aquilo vai ser BOM pra ELAS... a gente já FALA isso... ( ) pra

VOCÊS... o portfólio não é da escola... é de VOCÊS... [...] isso foi falado...

refalado e refalado... mas não sei... não sei se nega... existe uma ba..., sabe uma barreira assim?

Essas contradições parecem apontar a incerteza que apoia suas compreensões quanto a seu papel na relação com os professores. Como aponta Engeström (1987), a contradição nas relações é comum em qualquer atividade humana e motiva um conflito e tensão entre as ações individuais e os sistemas de atividade da sociedade de que os sujeitos fazem parte. Estão relacionadas aos diferentes contextos sócio-histórico-culturais nos quais os sujeitos estão inseridos e se constituíram e novas situações de ação. Essa é uma questão central se pensarmos no papel de poder que a EG, tradicionalmente, tem na escola em relação aos professores e alunos e os novos movimentos sociais e culturais na sociedade que também estão presentes na escola e que podem contestar esse uso de poder.

Todas as enunciações da diretora enfocam o dizer, o transmitir conhecimento, um papel de quem sabe, quem fala uma verdade para o bem do outro. Parecem considerar seu papel como o de dizer o que tem que ser feito, o de saber e o de verificar o que consideram em desacordo com o que deveria ser feito, o que, em geral, é considerado tradicionalmente o papel do gestor.

O excerto, a seguir, revela também uma compreensão dos professores como profissionais que necessitam dessa fiscalização:

Fernando Costa

Recorte 4 – encontro dia 18/05/10

VD 58: (...) deixa eu dar um exemplo... a última vez que eu estava acompanhando a HTP... nos

quintos anos... elas estavam trabalhando literatura de cordel... então elas já sentavam e reuniam todas ali de quinta já pegavam material e ali elas já preparavam a aula que elas iriam trabalhar durante a semana... em matemática... então o que que era de matemática e já deixavam tudo preparado pra semana... agora é o que a gente fala também... você

marcar... escrever bonitINHO... tudo bem... mas também não garante... a não ser que a gente vá dentro da sala pra acompanhar... ou tá pegando o caderno da criança com o semanário pra comparar

Dir 48: meio que fiscalização

VD 59: meio que vigiar... ou ir lá realmente [...]

Embora as participantes da EG várias vezes tenham revelado seu desejo em aprender e transformar seu papel na escola, há em suas asserções e ações uma relação com a cultura tradicional da escola e ao papel tradicional da EG na escola. Como discutido por Magalhães (2011), esse panorama remete à questões sócio- históricas e são bastante complexas e contraditórias, pois cada participante traz seu próprio contexto histórico, sua formação cultural e posicionamento social e é esse pertencimento que nos leva a entender a posição de todos os participantes dentro do sistema escolar. O Grupo Formador e os membros da Equipe Gestora moram em bairros diferentes; tiveram diferentes processos de formação, embora tenham participado de projetos de formação que enfocam a necessidade de um processo colaborativo de compreensão e transformação na escola, pode-se verificar a difícil relação entre o discutir e o agir. Assim, a formação social de cada um deles ocorreu e ocorre de forma diferenciada e de acordo com a inserção de cada um deles em um dado contexto.

Todas essas diferenças afetam de várias formas o desenvolvimento do trabalho de formação contínua da Equipe Gestora e são importantes para que entendamos as contradições nos sentidos atribuídos pelos participantes quanto a questões de gestão e de formação de professores no contexto escolar. Como afirma Engeström (1987), pautado nas discussões de Leontiev (1977; 1978) e apoiado nas discussões de Marx e Engels (1845-46/2007), as contradições na atividade são essenciais para que haja transformações e para que o resultado desejado seja alcançado. Dessa forma, as perguntas colocadas pelos pesquisadores criam ZDPs para que a Equipe Gestora repense seu papel e insira transformações. Todavia, é central pensarmos que esse processo é complexo,

Fernando Costa

porque questiona sentidos e valores tradicionalmente organizadores de papéis na escola.

As ações dos formadores estão apoiadas na compreensão de que esse momento inicial é fundamental, como afirma Magalhães (2009), para criar contextos para que os participantes (internos e externos) possam entender suas ações e as ações dos colegas e criar espaços para que, de forma colaborativa, todos os participantes do grupo possam aprender novas formas de organizar a sua linguagem, bem como os artefatos culturais que modelam as suas ações e novos modos de entender seu papel na escola.

Pode-se observar nos recortes acima que as asserções revelam, agora com clareza, que a EG vê seu papel como o de vigiar, fiscalizar o qual está relacionado à compreensão de que os professores necessitam dessa vigilância para verificar se fazem o que planeja. Parece que elas consideram importante realizar o planejado e fica implícito que elas ficam em dúvida se isso acontece, conforme evidencia a fala de VD 58: [...] quinta já pegavam material e ali elas já preparavam a aula que elas iriam trabalhar durante a semana [...] agora é o que a gente fala também... você marcar... escrever bonitINHO... tudo bem... mas também não garante... a não ser que a gente vá dentro da sala pra acompanhar... ou tá pegando o caderno da criança com o semanário pra comparar.

Os verbos acompanhar e comparar, usados pela VD, parecem confirmar a questão de fiscalizar o trabalho dos professores para saber se eles estão desenvolvendo o planejado o que é confirmado por Dir 48: meio que fiscalização; VD 59: meio que vigiar [...].

O excerto abaixo revela as compreensões divergentes do GF quanto ao papel da EG na escola:

Recorte 5 – encontro dia 18/05/10

PesqO 67: (...) quando vocês acompanhavam... como é que o procedimento seus... de acompanhar (...)

Coor 44: eu sempre fazia relatório... de cada aula assistida... e dava para o professor... como devolutivo né... da aula dele

PesqM 12: vocês não discutiam juntos ou você só fazia o relatório e entregava

Coor 45: fazia o relatório e entregava... alguns professores me... me entregaram alguma coisa

depois... esse ano que deu... como a aula que eu assisti... a professora não faz HTPC e

Fernando Costa

aqui e conversei com ela e depois entreguei o relatório...

No excerto acima, os pesquisadores revelam que suas compreensões são divergentes ao papel da EG como o de vigiar na fala de pesqO que substitui as escolhas de fiscalizar, vigiar da EG por acompanhar ao fazer uma pergunta cujo objetivo é novamente pedir uma descrição dos modos como o trabalho era desenvolvido. Revela, também, sua compreensão do papel da EG como o de “acompanhar” o trabalho em desenvolvimento na escola. Na mesma direção o pesquisador M faz uma pergunta pontual para a descrição pedidavocês não discutiam juntos ou você só fazia o relatório e entregava”, que também revela sua compreensão do papel do gestor em criar contextos de discussão sobre o que fora feito.

As repostas da coordenadora no recorte acima mostram que ela entendia seu papel como o de dizer e transmitir sua compreensão da aula e do trabalho do professor; Coor 45: fazia o relatório e entregava... alguns professores me... me

entregaram alguma coisa depois... esse ano que deu... como a aula que eu assisti... a professora não faz HTPC e nem nada... então o que que eu fiz... eu fiz

o relatório... e antes de entregar eu chamei ela aqui e conversei com ela e depois entreguei o relatório... A coordenadora revela sua preocupação em conversar com o professor antes de entregar o relatório, procedimentos corretos, embora não seja colocado o que estava sendo enfocado no relatório o que é discutido a seguir iniciado pela pergunta de pesqM:

Recorte 6 – encontro dia 18/05/10

PesqM 14: só que vocês pensaram assim... em como repensar essa aula?

Coor 49: então... eu dei algumas sugestões [...] não adianta também você falar... olha... isso tá errado... isso não é assim... se você também não dá sugestão... [...] eu sempre aponto alguma coisa... nós... a gente sempre dá uma... uma saída... [...] pedi que todos fizessem

o planejamento... fiz a devolutiva do planejamento pra eles... via email até... apontando

coisas que eles deveriam trabalhar... [...] eu sou um pouco chata... [...] num... dá pra você planejar uma coisa e fazer outra... sem você... registrar... você até pode planejar uma coisa e fazer outra porque as vezes não dá certo... mas você tem que estar... colocar o porquê... e quando eu olhei os diários... eu peguei os planejamentos de quem

tinha entregue... e fui comparando... e aí eu descobri ... a G mesmo... o planejamento tem

Fernando Costa

A pergunta do pesquisador M “só que vocês pensaram assim... em como

repensar essa aula?”, no excerto acima revela, não só seu objetivo em criar contexto para que a coordenadora explicite o que observava na aula, qual o objetivo e como organizava a discussão no relatório, mas também o que pensa que deveria ser feito. Apoiam as duas compreensões diferentes modos de entender ensino-aprendizagem e formação de professores. A pergunta do pesquisador propicia à coordenadora elaborar o conteúdo e acrescentar outra informação na elaboração da resposta dada (ORSOLINI, 2005). Todavia, a resposta da coordenadora aponta exatamente sua compreensão no dizer, apontar, sugerir o que fazer, todos apoiados em sentido a-históricos e descontextualizados do porquê e como agir. Mas aponta, também, uma preocupação com o outro, em como criar contexto para relacionar o planejado com o real e uma explicitação do porquê o planejado não foi cumprido, o que, de fato, é central para o desenvolvimento das práticas didáticas. Também a fala da Coordenadora revela uma preocupação em não constranger o professor: Coor 49: [...]eu dei algumas sugestões [...] não adianta também você falar... olha... isso tá errado... isso não é assim... se você também não dá sugestão... [...] eu sempre aponto alguma coisa... nós... a gente sempre dá uma saída [...] num... dá pra você planejar uma coisa e fazer outra [...] eu peguei os planejamentos de quem tinha entregue... e fui comparando... e aí eu descobri ... a G mesmo... o plan/tem uma coisa planejada no primeiro bimestre e outra coisa... FEITA.

Os recortes acima nos possibilitam perceber que as questões sócio- históricas-culturais dos participantes são bastante marcadas. A forma como a EG intervém no trabalho dos professores parece demonstrar como elas se constituíram como formadoras. As perguntas do GF também revelam sua base teórica em trazer para discussão modos de agir que precisam compreender para que possam ser criticamente discutidos e ressignificados, como aponta Vygotsky (1934/2000).

O Grupo Formador, nesse embate,procura, como aponta Magalhães (2011, p. 18) “construir confiança e confrontar ideias para desafiar significados cristalizados nossos e de outros, no que se refere em como agir em contextos de formação e de pesquisa”. Assim observa-se nos excertos acima que os pesquisadores foram fazendo perguntas que possibilitaram a clarificação do que estava em discussão. Dessa forma, as perguntas do GF permitiram que muitos

Fernando Costa

conflitos e contradições viessem à tona e pudessem ser pontuados, discutidos e questionados. Magalhães, com base em John-Steiner (2000), afirma que “os conflitos inevitavelmente trazem à tona diferenças cognitivo-afetivas que não podem ser separadas”. Dessa forma, os participantes precisam assumir “riscos intelectuais e emocionais para o desenvolvimento conjunto de significados negociados” (p. 18).

Documentos relacionados