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Sentidos e significados das brincadeiras na educação do corpo

4 LEGAL! HORA DE BRINCAR

4.2 Corpo e educação: o que as crianças evidenciam quando brincam

4.2.3 Sentidos e significados das brincadeiras na educação do corpo

Existe um conjunto de significados e experiências vividas durante as brincadeiras que não são determinados biologicamente (FINGERSON, 2009). Isso sugere que os aspectos sociais permeiam as brincadeiras. Ademais, quando as crianças brincam exercem seu protagonismo, independência e autonomia. Assim, as brincadeiras são compreendidas como um lugar de socialização e interação entre

grupos sociais, promovendo a aprendizagem de modo a respeitar as diferenças (FERREIRA; DAOLIO; ALMEIDA, 2017). Ao brincar as crianças expressam, por meio do corpo, diversas situações. Por exemplo: uma criança pode ficar irritada com a outra por ter pegado um brinquedo considerado dela. O trecho a seguir elucida este fato:

Miguel (6 anos) e Braian (6 anos) estavam brincando de carrinho na área verde, quando Esporte (6 anos) se aproximou. Sem pedir permissão, pegou o carrinho do Miguel e saiu correndo. Nesse momento Miguel irritou-se e foi atrás de Esporte. Não conseguindo alcançá-lo disse:

Miguel: - Vou falar com a tia. Você pegou meu carrinho!

Braian também ficou chateado e decidiu ir junto com o colega reclamar com a professora.

(DIÁRIO DE CAMPO, 19 out. 2016).

Neste extrato, destaca-se o poder pessoal das crianças, compreendido como a capacidade das crianças de criarem, realizarem tarefas, sentirem autoconfiança, prazer, frustração, dor, entre outros sentimentos (WASSERMANN, 1994). Nessa ação Miguel se sente lesado e frustrado por não ter conseguido pegar seu carrinho de volta. Vale ressaltar a atitude de Braian que, ressentido com o que havia acontecido com o colega, decidiu acompanhar Miguel em sua luta. Assim, compreendo que ocorreram ações afetivas que, segundo Weber (2009), são tomadas devido às emoções dos indivíduos.

Nesta direção infiro que as brincadeiras têm função humanizadora, uma vez que ao brincar as crianças confrontam questões interpessoais e sociais, como nos seguintes trechos: Estefani - Não quero brincar com ela; Rabena - Essa boneca é

minha. Quando brincam, as crianças manifestam emoções. Por exemplo, tristeza,

alegria e raiva e aprendem a enfrentá-las e, nesse processo, elas se desenvolvem. Portanto, respeitar as decisões das crianças, incentivá-las, permitir que façam escolhas e valorizar suas experiências lúdicas é uma possibilidade de desenvolver o poder pessoal. Nessa perspectiva depreendo que os sentidos e significados das brincadeiras podem estar relacionados aos valores e interesses da ação. Compreender o que as crianças expressam e sentem por meio do corpo brincante pode ser uma condição fundamental para o entendimento de outras esferas do

campo social, como a relação bilateral entre os agentes e a interação entre grupos sociais distintos. Além disso, destaco que o corpo articula sentidos e significados culturais reverberando práticas que podem orientar as políticas educacionais. Afinal, as brincadeiras enquanto práticas corporais expressam conhecimentos, saberes e valores produzidos culturalmente (JAMES; JAMES, 2004).

Outra característica destacada durante as brincadeiras e que diz respeito ao poder pessoal é o desejo que as crianças têm de expor suas habilidades. As Figuras 51 e 52 mostram diversas maneiras de se expressar por meio do corpo.

Figura 51 – Expressão corporal 1

Fonte: Dados da pesquisa, 2016.

Ao observar as crianças, sobretudo as que têm entre 6 e 7 anos em seu cotidiano dentro e fora da escola, nota-se que elas correm, pulam, saltam obstáculos, equilibram-se, às vezes numa tentativa de ultrapassar seus próprios limites. Isso nos faz pensar na necessidade que elas têm de estar em constante movimento e se descobrindo. As imagens apresentadas remetem à ideia de que as crianças estão externando um sentimento de autoconfiança e autoestima, permitindo-se conhecer e superar seus limites. Essa superação, entendida como a capacidade de fazer algo além do esperado, pode produzir nas crianças o desejo de aceitar desafios e experimentar o “novo”, além de autoafirmar-se. Isso significa que durante o ato de brincar elas podem aprender com seus erros e acertos, descobrindo maneiras de solucionarem problemas.

Neste sentido, destaco outro aspecto evidenciado na expressão corporal das crianças no momento das brincadeiras: a resiliência, compreendida como a habilidade de superar obstáculos e aprender mesmo diante das dificuldades. Esse momento parecia especialmente importante para as crianças, pois elas faziam questão de chamar minha atenção para mostrar o que estavam fazendo e ainda pediam para tirar fotografia. Ressalto que a presença do adulto durante as

brincadeiras e sua intervenção quando necessária é interessante no sentido de estimulá-las com palavras de incentivo e admiração.

Com base nestas considerações, indico que as brincadeiras possibilitam o desenvolvimento da autoestima das crianças e isso pode influenciar as relações entre pares e a aprendizagem. As crianças com elevada autoestima transmitem confiança em si mesmas e se mostram independentes e autônomas e isso é importante para o desenvolvimento cognitivo e emocional. Erikson (1982) aponta que um dos principais fatores determinantes da autoestima é a capacidade para realizar tarefas. Nessa perspectiva, quando as crianças apresentam autoestima elevada podem sentir-se mais preparadas para enfrentar os desafios da aprendizagem durante seu processo de desenvolvimento.

Por outro lado, a baixa autoestima pode produzir um sentimento de depressão nas crianças (HARTER, 1990). A depressão é definida como um sentimento de tristeza duradoura e pode gerar uma autoimagem negativa. Esse modo de sentir pode afetar a atenção e, consequentemente, reduzir o rendimento escolar. Nessa lógica, destaco um trecho da fala das crianças durante a conversa individual em que é relatado um sentimento de tristeza referente à redução do tempo das brincadeiras na escola.

Bárbara: – É muito triste. Aqui é legal, mas não é tão tão legal. A

gente brinca pouco.

(CONVERSAS COM CRIANÇAS, 6 out. 2016).

Com este fragmento, não pretendo preconizar que as crianças estejam “deprimidas” devido às limitações dos tempos e espaços das brincadeiras. O propósito aqui é apontar a urgência de escutarmos as crianças e observar suas atitudes e necessidades para, então, desvendar aspectos relevantes à orientação da ação pedagógica. Em adição, Surdi (2014) assinala que as escolas que não valorizam atitudes que promovam o desenvolvimento da sensibilidade das crianças podem comprometer seu poder de criação e de autonomia em relação ao mundo. Nessa direção, saliento que brincar é uma prática corporal indispensável à educação de crianças, sobretudo à educação do corpo, e deve ser vista como prioridade na prática pedagógica. Logo, oportunizar as brincadeiras para as crianças é uma forma de respeitá-las em seus direitos.

É importante destacar que as DCN´s do Ensino Fundamental (BRASIL, 2013, p. 37) apontam as crianças como sujeitos de direitos e salientam que elas:

[...] quase sempre, percebem o sentido das transformações corporais e culturais, afetivo-emocionais, sociais, pelas quais passam. Tais transformações requerem-lhes reformulação da autoimagem, a que se associa o desenvolvimento cognitivo. Junto a isso, buscam referências para a formação de valores próprios, novas estratégias para lidar com as diferentes exigências que lhes são impostas.

Esta afirmação reforça a dimensão de considerar o corpo não apenas como um mero objeto de cultura e representações sociais, mas sobretudo como sujeito que reverbera também por meio das brincadeiras, sentidos e significados inerentes às próprias crianças e que por conseguinte precisa ser reconhecido para a formação integral das crianças. As evidências refletidas a partir do brincar e do corpo em movimento sugerem atitudes, gestos, sentimentos e emoções que podem influenciar a aprendizagem de forma a aprimorar ou minimizar suas dificuldades. Isso evidencia a importância de se valorizar o corpo na escola. As brincadeiras possibilitam a educação do corpo, portanto, faz-se necessário não apenas reconhecer o valor das brincadeiras na escola, mas especialmente efetivar estas práticas corporais que são sobremaneira significativas para as crianças. Silva e Damiani, (2005, p. 24.) reforçam esta ideia ao indicar que as práticas corporais são:

[...] significativas, portadoras de um sentido para aqueles que delas participam, permitindo contrapor-se à perda do enraizamento cultural e das referências grupais que vêm caracterizando as sociabilidades contemporâneas.

Sinalizo que questões referentes à compreensão das brincadeiras e da educação do corpo do ponto de vista das crianças são importantes para se pensar na formação e na atuação dos pedagogos e professores, sobretudo de Educação Física, que trabalham em instituição escolar, pois esse campo é visto na escola como uma disciplina que tem a educação do corpo como eixo central, ao lado das brincadeiras que articulam essa relação. Desse modo é relevante pensarmos no corpo social e não apenas disciplinar. Conforme indica Le Breton (2006), é necessário ser um corpo – vivido – e não ter um corpo como fundamento ontológico da percepção. Nesse sentido o autor sugere que o corpo é central na relação do indivíduo com o mundo. Assim, é possível afirmar que é por meio do corpo que as

crianças compartilham com seus pares e com os adultos os sentidos e significados de uma cultura baseadas no contexto social em que vivem. Após este debate, prossigo apresentando as considerações finais desta pesquisa.