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5 DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS

5.3 Práticas culturais assediadoras

5.3.1 Sentimento de impunidade

Entre os aspectos mais citados pelos sujeitos ao falarem dos fatores que influenciam a ocorrência da violência e que fazem parte da cultura institucional, encontra-se a impunidade daqueles que a praticam. Melhor explicando, em relação aos comportamentos e, ou, ações antiéticas, hostis ou mesmo violentas, existe na instituição uma cultura de impunidade, conforme ilustra o relato a seguir:

Entrei na justiça comum. No meu caso em especial, com mais de dois anos o meu processo administrativo não tinha tomado uma decisão, ele foi arqui- vado, pela questão temporal. Mesmo passados mais de três anos, questio- nando, comprovado, apurado, testemunhas, confissão do próprio réu que confessou a situação dele, inclusive a do assédio dentre outras, pela ques- tão temporal que é uma prática da universidade, o longo prazo para tramita- ção do processo, a decisão final foi o arquivamento do processo que demo- rou muito. Infelizmente, esses casos de assédio, da violação contra a honra, contra a dignidade da pessoa humana, que envolve a questão do assédio eles tramitam por longo período na universidade e a conclusão desses pro- cessos é a remoção e o arquivamento pelo longo período de tempo trami- tando. Então, não se vê punição, não se vê determinação, não se vê resolu- ção da questão assediada. (E4)

Esse relato reflete a indignação de um servidor mediante o arquivamento do seu processo administrativo contra o assédio moral vivenciado e que, embora tenha sido devidamente comprovado, não houve por parte da instituição postura mais incisiva mediante o conflito, apenas removeu a vítima do seu local de trabalho. Ademais, foi constatado pelas testemunhas que tal conduta também estava acontecendo com outras pessoas do mesmo setor, ocasionando certo distanciamento entre os pares.

Além desse sentimento de impunidade, a maioria dos entrevistados relatou certa insatisfação em relação ao fato de o trabalhador assumir cargos de Direção e não ter conhecimento de gestão/administração das atividades desenvolvidas no setor, bem como as atribuições de seu cargo e dos demais. E é nos aspectos relacionais

que os problemas se configuram com maior frequência, tanto em relação aos técnicos quanto aos docentes. Não questionaram a legitimidade do fato de os professores ocuparem a maioria desses cargos, mas, sim, a forma como exercem a função de chefia, pois, às vezes, utilizam essa superioridade hierárquica de forma equivocada, gerando conflitos ou situações que remetem ao que se entende aqui como assédio moral, contribuindo para o distanciamento entre essas duas categorias. Os relatos a seguir expressam essa percepção:

Acho que existe uma separação muito grande de professores e técnico- administrativos. Eles não acham que são servidores né, eles são professo- res, se colocam num nível muito diferente do nosso e sei lá(lembrei de uma coisa que meu chefe falou logo que eu entrei: você está muito requisitada, o pessoal está querendo a minha funcionária). Aquilo soou estranho pra mim porque até onde sabia não era funcionária dele, mas os professores acham que somos funcionários deles, que estamos aqui para fazermos as coisas pra eles, tirarem o peso das costas deles e ficarem só com as pesquisas, e o resto, a gente que se vira. Tem recesso, liberam as aulas e os professores não vêm e não são cobrados. Este setor tem que ter professor para funcio- nar, mesmo para orientar os alunos. E em feriado não tem ninguém. Já hou- ve denúncias, aí eles ligam para o professor avisando da denúncia, daí eles chegam aqui antes da fiscalização. Eles são protegidos pela instituição, a impressão que dá é que eles são tipo que meio intocáveis assim e eles se sentem muito superiores à gente. (E2)

[...] há separação de professor versus servidor. Não há muito diálogo, a ins- tituição protege os professores, a eles tudo é permitido. (E3)

Totalmente diferente, tanto é que em conversas, eles chegam a falar que funcionário é diferente de professor. A gente percebe isso claramente no dia a dia, um tratamento totalmente diferenciado. Às vezes, a gente cobra da chefia aqui no setor, porque professor faz isso, isso e isso e vocês não co- bram, aí eles respondem: ah, não, porque a questão é diferente. (E5) Tem muita diferença. Usam o poder para favorecer aqueles que os apoiam. E aos outros, tem que seguir as regras. (E6)

Os professores aqui na instituição se acham patrões né, eles não se consideram servidores, mas professores patrões. (E7)

[…] temos praticamente duas categorias aqui no campus, que são os docentes e servidores técnico-administrativos e o que a gente vê, que é até uma visão cultural, que os professores são superiores aos técnicos e de fato isso acontece porque a maioria dos cargos de chefia são ocupados por professores e os demais cargos ocupados pelos técnicos. Só que na prática isso acaba confundindo um pouco e muitos professores acabam exercendo essa superioridade hierárquica de uma forma equivocada, gerando esses conflitos, problemas, porque acham que essa superioridade é absoluta, e deixa de desempenhar aquilo que se espera daquele cargo. (E12)

Diante desses achados, é relevante observar que a cultura e a estrutura hierarquizada, características das IFES, favorecem o atendimento de interesses pessoais e o abuso de poder, tornando a instituição propícia à ocorrência do assédio moral. A violência torna-se uma constante quando não há atuação ou intervenção da Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas na administração de conflitos, vistos geralmente como algo comum e natural, o que poderá agravar e favorecer tal conduta. As avaliações funcionais realizadas por instituições públicas também suscitam reflexão e atenção, bem como o desenvolvimento de mecanismos que diminuem o caráter subjetivo e o favorecimento de interesses escusos.