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7 ANÁLISE E DISCUSSÃO DAS INFORMAÇÕES

7.1 Sentimentos das professoras a respeito da implantação do Ensino Fundamental

Grandes mudanças nas políticas públicas educacionais, sobretudo aquelas que afetam a prática pedagógica do professor, precisam ser amplamente discutidas, principalmente com os envolvidos no processo educativo. Colocados como meros executores, os professores não são ouvidos e sofrem os efeitos dessas mudanças.

Ambrosetti apud Arelaro, Jacomini e Klein (2011) ressalta:

Colocados como executores de reformas e programas oficiais que não entendem, não aceitam e para cuja elaboração não foram ouvidos, os professores têm atravessado essas mudanças adotando uma atitude que poderíamos definir como “pedagogia do possível”, ou seja, atendem formalmente às exigências oficiais, acrescentam à sua prática aquilo que julgam conveniente, e continuam trabalhando da sua maneira.(p.41)

57 Para as autoras, “ainda prevalece a implementação pela força da lei em detrimento do debate, do convencimento e de orientações que fundamentam a realização dos propósitos educacionais” (ARELARO, JACOMINI E KLEIN, 2011, p.42).

Almeida (2006) ressalta a importância de dar voz aos professores para que digam como pensam o seu trabalho na atualidade e como estão sendo afetados pelas mudanças introduzidas pelas reformas educacionais. Nossas entrevistadas, ao falarem sobre a Lei 11.274/2006, evidenciam que a nova configuração do Ensino Fundamental gerou sentimentos de tonalidades desagradáveis.

Mesmo eu, que trabalhei sempre com a 1ª série, fiquei meio preocupada [...] A insegurança era geral, não era só de quem iria pegar o 1º ano, não. As professoras das 3ª e 4ª séries também [...]

[...] nós tínhamos esse medo e essa insegurança. (Márcia)

Foi assim, tudo meio ainda sem muita estrutura, meio jogado e confuso [...] [...] das professoras estarem inseguras [...]

Estavam ansiosas [...] (Marina)

Esses sentimentos apontados se devem ao fato de que para muitos professores, uma nova configuração no seu trabalho pode despertar sensações desagradáveis, causar algum sofrimento e impedir sua atuação como docente. Nesses casos, a teoria walloniana ressalta que a emoção prevalece em situações em que o indivíduo não tem competência ou em situações de imperícia. “A emoção traz consigo a tendência para reduzir a eficácia do funcionamento cognitivo [...]”. “[...] Na vida adulta ela tende a surgir nas situações para as quais não se tem recursos, nas circunstâncias novas e difíceis” (DANTAS 1992, p.88).

Márcia relata que os sentimentos de insegurança também atingiram os professores das demais séries, “[...] e foi uma insegurança geral” (Márcia).

O documento publicado pelo MEC (2007), Ensino Fundamental de nove anos - orientações para a inclusão da criança de seis anos de idade, deixa clara a necessidade de discussões a respeito da ampliação do Ensino Fundamental: “[...] é preciso, ainda, que haja, de forma criteriosa, com base em estudos, debates e entendimentos [...]” (p.9).

Ao questionarmos as professoras sobre as discussões que envolveram a ampliação do Ensino Fundamental, percebemos também que pouco foi feito no interior das escolas:

Naquele ano, nós não recebemos nenhuma formação da Diretoria de Ensino; a diretora fez uma reunião com todos os professores da escola pra comunicar e como seria a implantação do Ensino Fundamental de 9 anos e fez também

58 a reunião pra saber como a gente ia começar a trabalhar com estas crianças[...]

Nós discutimos pouco sobre o ensino de nove anos [...]. (Márcia)

[...] teve uma reunião geral para informar sobre a implantação do ensino de nove anos.A diretora estava à frente da reunião. (Marina)

As falas evidenciam que nas reuniões que antecederam a implantação do Ensino de nove anos nas escolas em que lecionam, não se discutiu a nova estrutura do Ensino Fundamental. Márcia diz que a diretora comunicou os professores e pouco se discutiu sobre o assunto. Marina ressalta que na reunião geral, a diretora informou sobre a implantação.

O documento supracitado ressalta ainda que os equipamentos, os materiais didáticos e o mobiliário precisam ser repensados; contudo, nos depoimentos das professoras, essas mudanças não ocorreram no primeiro ano da implantação do Ensino Fundamental:

No primeiro ano da implantação, não teve muitas adaptações, não [...] Infelizmente as carteiras e as cadeiras são as mesmas até hoje. [...]

[...] a escola tem que oferecer mais coisas para o aluno. Não pode só oferecer lousa, carteiras e cadeiras, eles estão cansados disso. (Márcia)

Na antiga escola, não teve nenhuma adaptação na parte física, as crianças foram recebidas com as mesmas carteiras e cadeiras. Aqui nessa escola, também não mudou, e eu acho que não são adequadas para nossas crianças. Eu acho as cadeiras e carteiras muito grandes pra eles, acho incômodo, então, o ideal seria que fosse tudo próprio para uma criança de 6 anos, não essa carteira que é muito grande, eu acho que isso deveria mudar na estrutura.(Marina)

As falas das professoras mostram que as escolas não adequaram o mobiliário para receber as crianças do 1º ano e que as carteiras e cadeiras são as mesmas até hoje. Márcia acrescenta que as crianças estão cansadas disso e que a escola tem que oferecer mais.

Um mobiliário que não seja adequado para os alunos com seis anos de idade, aliado à falta de preparo para a implantação da nova lei, dificulta a criação de um ambiente criativo e acolhedor para as crianças.

A sala de aula deve ser um cenário convidativo à aprendizagem. A esse respeito Hoffmann revela:

[...] O cenário criado pelo educador - o tom afetivo ou agressivo na condução dos trabalhos, os tempos destinados às situações, os recursos disponibilizados e outros aspectos - pode ser diretivo e limitador das respostas dos alunos, ou ao contrário, provocativo e convidativo à aprendizagem. Embora seja praticamente impossível sabermos o jeito certo de fazer as provocações adequadas a crianças e jovens, esse é o esforço que se deve ter em educação. Não basta, contudo, fazer o desafio adequado em

59 termos intelectuais ou afetivos. É preciso que o contexto de aprendizagem esteja organizado de forma significativa para isso, criando-se cenários educativos que permitam aos alunos terem confiança, recursos, a liberdade de tempo e espaço para suas descobertas. (HOFFMANN, apud HASHIMOTO, 2012, p.123)

Um ambiente educativo destinado a situações de aprendizagem, que ajude o aluno a ter confiança e liberdade, deve estar aliado a uma proposta pedagógica com objetivos e metas claros, que leve em conta as necessidades das crianças.

Apesar de evidenciar sentimentos de tonalidades desagradáveis quanto à implantação do ensino de nove anos, Marina se refere às colegas que, mesmo inseguras, realizaram um bom trabalho em função da disponibilidade de trabalhar com os alunos do 1º ano.

Estavam ansiosas, mas pegaram o 1º ano porque queriam ter aquela experiência, não foi falta de opção, foi da vontade delas e trabalharam super bem naquele ano. (Marina)

Márcia diz que mesmo sem mudanças na parte física, ela e as demais professoras realizaram um bom trabalho: “[...] mas até que realizamos um bom trabalho”.

Vale dizer que mesmo evidenciando situações que as deixaram ansiosas e apavoradas em seu trabalho, as entrevistadas não se eximiram das suas responsabilidades enquanto professoras. A experiência enquanto profissional foi essencial nesse processo.

Corroborando com a importância da experiência, Almeida (2010) ressalta: “Nós, professores, sabemos que o fio condutor da nossa ação é a experiência de cada um, constituída na trajetória pessoal e profissional” (p.119).

Cumpre-nos informar que nos anos seguintes, a instituição adaptou alguns espaços para as crianças, a saber, brinquedoteca, sala de leitura e um mini playground.

Nós temos a brinquedoteca, a sala de leitura separada, tudo com horário definido pra eles poderem trabalhar, brincar nesses brinquedos ou ir pra biblioteca com mais tranquilidade, né? (Márcia)

Aqui na nossa escola, nós temos um parquinho, com grama, gangorra, tudo bonitinho, fica aqui do lado, é legal e nós levamos as crianças lá. É um mini

playground [...] (Marina)

Evidenciamos nos relatos que o mobiliário da sala de aula era o mesmo até a data da entrevista; entretanto, a direção da escola se preocupou em organizar outros espaços diferenciados de aprendizagem para os alunos frequentarem.

60 Sobre os espaços físicos dentro da escola Rapoport (2009) ressalta:

[...] o ambiente, compreendido numa dimensão que abrange tanto os espaços físicos quanto as relações que se estabelecem no interior dos mesmos, contempla e aproxima-se, de certo modo, das características e necessidades do universo infantil. (p.24)

Contudo, Márcia declara que a sala de computador não comporta todos os seus alunos.

Aqui na escola, nós temos a sala de computador com 10 computadores e 31 alunos; como você coloca esta quantidade de alunos em 10 computadores? É difícil até pra ficar na sala, não dá. Eu acho que a escola tem que evoluir, sim, mas também tem que dar boas condições para os alunos. (Márcia)

A professora deixa clara a importância de a escola oferecer boas condições físicas para as crianças.

Corsino (2007) diz que as condições dos espaços, organização, recursos, limpeza, segurança etc. são fundamentais, e que um trabalho de qualidade para as crianças nas diferentes áreas do currículo exige ambientes aconchegantes, desafiadores, seguros, criativos e alegres. Portanto, não basta apenas criar ambientes diferenciados; estes devem oferecer condições adequadas para as crianças.

Ao falarem sobre as questões referentes à escola de nove anos e os sentimentos das professoras a respeito da ampliação do Ensino Fundamental, elas revelaram sentimentos de tonalidades tanto agradáveis como desagradáveis que estão registrados no quadro 2.

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Quadro 2 – Sentimentose situações indutoras das professoras a respeito da implantação do Ensino Fundamental de nove anos

Sentimentos de tonalidades desagradáveis

Sentimentos das professoras Situações indutoras

Márcia sentiu-se:  Preocupada  Insegura  Amedrontada

 Percebeu que a insegurança era geral

 Nova configuração do Ensino Fundamental

 Diante de uma situação que não conhecia  Não receber formação das instâncias

superiores (a direção é que comunicou sobre a implantação)

 Mudanças nas condições de trabalho da sala de aula

 As colegas que lecionavam para as 3ª e 4º séries também se sentiam inseguras Marina sentiu-se:

 Insegura  Ansiosa

 Percebeu insegurança nas colegas

 Com a nova situação que passou a configurar o Ensino Fundamental  Mudanças nas condições de trabalho da

sala de aula

 Professoras que lecionavam para o 1º ano24

Sentimentos de tonalidades agradáveis

Sentimentos Situações indutoras

Márcia sentiu:  Prazer

 Satisfação

 Perceber que mesmo sem mudanças na estrutura física da escola, ela e as outras professoras realizaram um bom trabalho  A partir do momento em que a escola

organizou a brinquedoteca, sala de leitura e o playground

Marina sentiu:  Satisfação  Alegria

 Percebeu boa vontade nas colegas que pegaram o 1º ano

 Mesmo sem nada muito planejado, percebeu que as colegas fizeram um bom

24 É importante salientar que no ano da implantação do Ensino Fundamental de nove anos, a professora Marina

estava lecionando para o 2º ano em outra Unidade Escolar. Em 2011, a professora transferiu-se para a instituição pesquisada e passou a lecionar para o 1º ano.

62 trabalho

 A partir do momento em que a escola organizou a brinquedoteca, sala de leitura e o playground

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