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3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.5 Sentimentos e significados sobre a morte

Ao questionarmos os adolescentes sobre os sentimentos e significados que tinham em relação ao homicídio ocorrido, obtivemos dados que foram agrupados nas seguintes categorias: arrependimento, algo inevitável, desprezo, acarreta prejuízos e sofrimento. O conteúdo das entrevistas foi inserido na categoria que representava com maior fidedignidade a expressão dos sentimentos e significados sobre a morte.

a) Arrependimento

A partir do relato de oito adolescentes, verificamos o sentimento de arrependimento por terem cometido o homicídio, demonstrado pela tristeza e por reflexões sobre a gravidade do ato que cometeram e os danos causados às vítimas. Tais sentimentos não foram observados nos estudos de Feijó (2001) e de Kodato e Silva (2000). De igual modo, os resultados de nosso estudo contrariam as afirmações de Spagnol (2005, p.276) que considera que os adolescentes autores de homicídio não demonstram

[...] nenhum sinal de arrependimento. Pelo contrário – e o que se mostra ainda mais perturbador –, parece haver prazer em matar, em destruir o outro de maneira bárbara e cruel. Essa preocupação com a forma como é feito o crime, por parte de jovens ainda adolescentes, revestida de uma raiva extrema [...].

Os participantes do presente estudo não demonstraram em nenhum momento prazer em terem cometido o homicídio, como podemos verificar nos trechos destacados.

Tirei uma vida de uma pessoa. Arrependimento vem tarde. Depois que eu fui pensar no outro dia que eu fui lá ver ele, que eu fui pensar, aí já era tarde eu não podia fazer mais nada [...] só rezar pelo cara. Eu fui pra minha casa e fiquei meio triste, fiquei sem comer, só pensando. Até hoje ainda quando eu vou dormir eu sonho, é a mesma coisa de eu tá vendo de novo eu matando o cara, e o cara pedindo pra eu não matar ele (Roberto).

Pra falar a verdade, eu me arrependi do que eu fiz, mas só que eu tinha que ter arrependido antes de ter feito. Hoje eu tô aqui, perdi o maior tempo da minha vida [...] (Flávio) (Homicídio 1) .

[...] depois eu fico imaginando que não era pra eu ter feito. Porque eu aprendi através da bíblia, que deus me ensinou aqui, quem somos nós pra julgar alguém. Se antigamente que o pecado que não merecia ser perdoado, que era aquela mulher. Deus perguntou quem não tinha pecado que atire a primeira pedra [...] eu não conhecia essa passagem. Aí eu aprendi que eu não devia julgar alguém, se ele errou ele não pode se ver comigo, nem com ninguém, ele vai se ver com Deus, porque ele cometeu o pecado dele, mas só que pra mim não tinha isso, o negócio era resolver na faca (Flávio) (Homicídio 2).

Eu sinto é que às vezes, às vezes não todos os dias. Sempre quando eu tô deitado, fazendo uma oração. Não é por que o cara tá preso, fez isso e fez aquilo, que ele não pensa em Deus. Mas, não é assim não [...] Quando eu tava lá na praçinha como eu falei, sentado assim. Aí quando começou a rolar o boato do que tinha acontecido, me bateu uma tristeza na hora assim. Porque na hora do lance assim, eu não vi nada, ficou uma situação que eu nunca tinha passado igual aquela ali. Nunca tinha visto uma situação igual aquela ali, o que eu vi naquela hora assim. Eu não sabia nem onde eu tava, eu sabia que aquilo ali não era minha casa, e sabia onde era minha casa, na hora que aconteceu. Então, quer dizer, logo que o sangue esfriou, acalmou um pouquinho assim, aí eu fui pensar o que aconteceu, o que eu tinha feito. Aí é que bate a tristeza, sabia. Eu tenho muito arrependimento no que eu fiz. Eu tenho porque, quer dizer, só deus pode tirar a vida das pessoas. Mas, de repente se o cara vier te dar um tapa na cara, você vai dar um tiro nele. Mas, Jesus levou um tapa na cara, e ele virou o outro lado também. Mas, sei lá, a gente que vive no mundo assim, a gente não vai aceitar, são poucos que vai agüentar uma situação dessas. Os caras querer bolir [mexer] com sua mãe, você vai ter que fazer uma coisa com eles. Aí tudo bem é um caso que aconteceu por razão, agora pelo fato que eu fiz e com a pessoa que eu fiz, eu tenho arrependimento, muito, muito, muito mesmo (Paulo). Eu tô arrependido da coisa que eu fiz, que eu não queria ter feito isso. Penso [...] foi só um erro que passou na minha vida, agora eu vou mudar (Welington).

b) Algo inevitável

O sentimento observado nas falas de quatro entrevistados nos indica que para eles não havia outra forma de solucionar esse conflito. A realização do delito foi algo inevitável já que, em alguns casos, acreditavam que seriam assassinados por aqueles que foram suas vítimas.

É né, é daquela forma, só quem pode tirar a vida é Deus. Mas, o homem, hoje em dia, pra alguém te matar, você não precisa estar fazendo nada, basta estar na hora errada, no lugar errado. Até na troca de tiro algumas pessoas levam bala perdida, acabam morrendo. A nossa não é de ficar matando não, quando atravessa o nosso caminho querendo te prejudicar, querer o nosso mal. È aquele ditado: ‘antes ele do que eu’, se minha mãe for chorar, chora a dele, aqui é assim (Mário).

[...] Às vezes eu fico pensando, que besteira que eu fiz, mas foi melhor eu ter feito essa besteira do que ter deixado ela me matar (Gabriel).

Eu sinto muito um vazio por não poder fazer nada. A gente tentou ajudar, só que ele não aceitou ajuda, né. Sempre vai acontecer com muitos por aí que não acreditam nos outros. Só porque ele é isso ou aquilo não vai chegar a hora dele, é desse jeito que o mundo ta aí, se julga os outros pela aparência não tem, acaba morrendo aí [...] Acontece direto aí, o cara é seu amigo, espera você virar as costas pra meter bala em você (Sérgio)

Veja bem, de certa forma se fosse um trabalhador, uma pessoa honesta, morresse pra mim geraria uma tristeza enorme. Mas, como foi uma pessoa que praticamente provocou a morte dela, não vejo como aquela coisa terrível não, vejo de maneira normal, de maneira natural, é assim que eu vejo (Ricardo).

c) Acarreta prejuízos

De acordo com o relato de dois adolescentes, a prática de matar traz conseqüências para si e para seus familiares. Acreditam que esse tipo de delito provoca sentimentos ruins e influências negativas que podem atrapalhar a vida de quem o comete, de sua família e principalmente da vítima.

Isso aí é ruim né, porque ‘atrasa’ a pessoa também. [...] da minha mãe também, que tá sofrendo (Guilherme)

Isso é um atraso de vida, um atraso [...] (Francisco).

O que eu penso é que pô, ele me bateu eu atirei nele agora ninguém saiu ganhando nada, eu tô no prejuízo e ele também, eu tô atrás das grades e ele tá lá no cemitério lá. Agora tenho mais que me preocupar, como é que fica preso, não tem nem como. Aí todos os dois saiu no prejuízo (Cristiano). d) Desprezo

No relato de um adolescente, que assassinou um acusado do cometimento de estupro, esteve presente o sentimento de desprezo pelo ato e pela vítima, justificado pelo valor atribuído a vida daqueles que cometem crimes de natureza sexual.

Eu penso que é menos um safado na terra [..] (Michel) e) Sofrimento

Segundo o relato de um entrevistado, o sofrimento é constante tanto pelo fato de ter cometido o delito por acidente, quanto pela vítima, que era uma criança e ainda por ter que vivenciar a privação de liberdade.