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4.3 Concebendo a capacidade de ser mãe com deficiência

4.3.1 Sentindo-se capaz de ser mãe

As entrevistadas se expressaram positivamente sobre sua aptidão em assumir o papel materno. O significado social da mulher com deficiência não ter capacidade de ser mãe é contestado nos seguintes depoimentos:

Eu já tinha passado por muitas dificuldades, então a minha limitação por ter uma deficiência, eu não via aquilo limitar pra não ter filhos. Até porque há funções que mulheres que não tinha nenhuma deficiência não fazia e eu sim, conseguia (E12).

Nenhum empecilho, eu acho. Nenhuma assim, eu penso assim que não... Não existe... Quando quer, Deus dá... (E2).

Eu acho que vencer o preconceito de a pessoa ver uma mulher deficiente e achar que não pode ser mãe, trabalhar, casar, então acho que é uma superação. É superação porque mostra que é capaz, que tem como ser mãe. [...] Quando a gente quer uma coisa, não tem limite, não tem barreira. Quando a gente quer mesmo, consegue. Eu acho que querer é poder. A gente tem que superar e mostrar mesmo que pode, que consegue, que faz (E7).

De acordo com os relatos, as participantes desconsideram sua deficiência como um motivo para não ser mãe, pois elas acreditam em sua capacidade, haja vista a sua experiência de vida em enfrentar dificuldades sociais diárias e superá- las. Em relação a isso, outro estudo ressalta que embora as mulheres reconheçam a

existência de desafios a serem enfrentados no transcorrer da gestação, por estes apresentarem tendência de ser menos problemáticos quanto ao esperado, elas assumem mais confiantes a maternidade (ROGERS, 2010). Ademais, estudiosos consideram que a função materna é aprendida no cuidado cotidiano aos filhos, contudo a mulher ainda necessita de direcionamentos acerca de questões referentes à suas limitações corporais (BRASIL, 2010b; LEE; OH, 2005). Deste modo, o profissional de saúde exerce o papel de suporte com orientações complementares.

A fim de assegurar sua competência, as entrevistadas referiram se empenhar diante das dificuldades para atender as necessidades do filho. Sozinhas, conseguiram sobrepujar os problemas e adaptar-se ao meio, como foi ilustrado em suas falas:

O que eu possuía do meu trabalho era para os meus filhos. Eu não deixava faltar uma roupa dentro de minha casa, não deixava faltar de jeito nenhum (E4).

Mas foi tudo muito simples. Deus deu jeito pra tudo. Eu peguei a minha cama, botei pertinho do berço [...] Aí à noite eu já estava me sentindo outra, digo “Ah, meu Deus, graças a Deus tenho jeito pra tudo”. Eu pegava a banheira, colocava na cama, colocava a água na banheira, dava o banho, arrumava, tirava, depois colocava no berço, e pronto, fui me adaptando (E11).

A superação de limites para prover o mínimo necessário ao bem-estar da criança denota grandes esforços e, por vezes, sacrifício das depoentes, visto sofrerem dificuldades que vão além das impostas por seu corpo. Dentre estas se destacam as barreiras arquitetônicas existentes no próprio domicílio e as condições socioeconômicas desfavoráveis. Entretanto, diante das conquistas alcançadas, essa função passa a ser simples, como evidencia a fala de E11.

No geral, as pessoas com deficiência alcançam a superação quando combinam habilidades extras e força “interna” para realizar as ações e interações na sociedade de forma a se integrar neste meio (OTHERO, DALMASO, 2009). Além disso, referindo-se ao extrato feminino, estas empreendem esforços devido ao seu anseio em ressaltar sua competência de modo a não serem julgadas, como também em benefício aos seus filhos (WWDA, 2009). Apesar de se conhecerem como aptas a serem mães, as mulheres com deficiência sentem necessidade de que as demais pessoas do seu convívio também tenham este mesmo entendimento, tornando-se um trabalho árduo para serem aceitas socialmente (ŠUMILO et al, 2012). Isto

constitui um meio de reconstruir o significado existente quanto a sua saúde reprodutiva.

No contexto das entrevistas, a palavra “normal” foi repetida com frequência pela maioria das participantes, como exemplificam as seguintes falas:

Acho normal... É normal entre aspas, mas tem as limitações. Mas eu acho que não impede de você ser mãe, qualquer pessoa pode ser, basta que você queira e tenha responsabilidade. [...] Criei normalmente meus filhos. Dei banho, tudo. Alimentação, tudo. Nunca atrapalhou, nunca foi impedimento, não atrapalha (E5).

Pela minha deficiência pra mim eu acho normal. Tem gente que pergunta assim: “você pode ter filho?”, “Tenho como qualquer um” porque a minha família do [lado do] meu pai, já é genético [...] (E6). A repetição da palavra “normal” implica em diversos significados. No dicionário depara-se com as seguintes definições: “conforme a norma”, “regular”, “exemplar” e “modelar” (MICHAELIS, 2009). Ao longo das entrevistas, encontrou-se o uso desta palavra para definir a maternidade, vivenciada ou testemunhada, como um momento comum a todas as mulheres. Isto porque foi alcançado o objetivo de gestar, parir e cuidar do filho, mesmo na presença de limitações físicas.

Segundo Goffman (1988), o termo “normal” é aplicado para designar a ausência de um atributo estigmatizante em si. Na sociedade, exigências são feitas ao indivíduo e, quando ele não consegue correspondê-las por não satisfazer o estereótipo predominante, torna-se estigmatizado. Então, esta pessoa serve como referencial para a formulação do autoconceito por outros indivíduos. Logo, o estigmatizado tende a ser excluído por não participar dos padrões estabelecidos pelo grupo social no qual está inserido.

Diante deste cenário, como forma de se integrarem aos padrões da normalidade, as entrevistadas se compararam às mulheres que, embora com deficiências mais limitantes, conseguiram ser bem sucedidas no decorrer da gestação e parto. Ao fazerem isto, ratificam suas habilidades, e tentam atenuar o estigma social, conforme os seguintes depoimentos:

Não sei se você chegou a conhecer, tem uma aqui de cadeira de rodas que ela teve um filho, o menino nasceu normal. Normal, normal. E ela teve, até hoje tá aí. E o marido dela, todos os dois era deficiente. Achei impressionante! Totalmente normal. Pra você ver as coisas como são. Só porque a pessoa tem que tentar. Porque risco a

pessoa corre todo dia mesmo. Aí por um jeito ou outro não vai fazer diferença (E1).

Mas me realizei como mãe e eu acho que isso não é desculpa. “Não, fulana é deficiente, tem essa deficiência, não pode ser mãe”. De jeito nenhum. Até porque como já te falei, tem muitas cadeirantes que não têm nenhuma sensibilidade nos membros inferiores, mas não tiveram dificuldade. Então eu vi que aquilo pra mim também ia tirar de letra como tudo na minha vida (E12).

O fato de as colegas dessas mulheres serem paraplégicas, usuárias de cadeira de rodas e conseguirem gestar, parir e criar filhos sem eles herdarem a deficiência, funciona como estímulos para acreditarem em sua própria capacidade. Além disso, são exemplos usados para convencer o interlocutor, haja vista as entrevistadas terem alterações morfofuncionais mais brandas e, em tese, teriam menos dificuldades. Outrossim, mulheres em condição de saúde limitante ou de risco apresentam esta mesma tendência em se comparar a casos mais difíceis, porém, exitosos. Desta forma, sentem-se aptas a enfrentar mais facilmente as dificuldades apresentadas no curso da maternidade, de modo a permitirem que a vontade de ser mãe se sobreponha aos medos (ARAÚJO et al, 2013).

Com esse reconhecimento, as mulheres com limitações se sentem mais seguras de dominar as atividades diárias e necessitar cada vez menos o apoio de familiares. Em um estudo com primíparas indonésias sem deficiência identificou também em suas falas o reconhecimento do suporte familiar como fonte de aprendizagem nos primeiros cuidados ao seu filho. Em contrapartida, demonstravam satisfação quando não necessitavam mais de ajuda, por serem capazes de desempenharem sozinhas essa função (AFIYANTI; SOLBERG, 2014). A equipe de saúde pode explorar esse potencial utilizando grupos de apoio, no qual as mulheres com problemas semelhantes podem compartilhar suas experiências e construir um suporte mútuo, como o caso daquelas com deficiência (SMELTZER, 2007).

Portanto, as entrevistadas do estudo em apreço demonstraram interagir com a deficiência de modo a acreditarem em sua capacidade diante das superações cotidianas. Logo, se impõe no seu meio social como capazes de exercer a maternidade, possivelmente estimuladas pelas organizações não-governamentais as quais estão vinculadas, visto estas promoverem suas aptidões. Assim, suas falas são marcadas por esta crença que combate os significados negativos e estigmatizantes advindos das demais pessoas ainda incrédulos quanto a sua

capacidade. Por mais que suas falas tenham se direcionado para a positividade, elas ainda reconhecem as dificuldades vinculadas às limitações diversas que vão além daquelas apresentadas fisiologicamente.