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CAPÍTULO 3: A RELAÇÃO DOS ESTUDANTES CABO-VERDIANOS COM OS

3.5 Ser imigrante em Fortaleza segundo os estudantes cabo-verdianos

Será que os estudantes imigrantes em Fortaleza que estudam na UFC são bem acolhidos? Como eles se sentem em um país diferente? Eles se arrependeram de embarcar nessa aventura de ser imigrante? Muitas dúvidas e perguntas devem surgir na mente das pessoas que desconhecem a realidade vivida por esses estudantes. Pelo contato tido com eles, desistir não é uma palavra que passa pelas suas cabeças, sendo essa a melhor, ou uma das

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Prato típico de Cabo Verde, feito a base de milho, feijão, legumes, carne ou peixe.

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melhores experiências que já puderam viver, afirmando terem entrado no Brasil com um propósito e só voltarão para o país de nascimento com a missão cumprida. Com um sorriso de satisfação, a estudante Stephanie contou que ela foi muito bem recebida ao chegar em Fortaleza e nos momentos seguintes. Para os estudantes Stephanie e Danilson, é fundamental estabelecer uma boa relação com as pessoas. Eles comentam não terem tido problemas na faculdade ou no meio aonde se encontram inseridos e nem algum tipo de discriminação.

A estudante Melissa não gosta de usar a palavra imigrante, pois ela não se sente imigrante, acabando por se sentir uma brasileira, comenta entre risos e com toda a firmeza. Isso foi muito importante para se sentir acolhida nessa nova sociedade, onde se sente em casa, o que não deixa de ser, a nova casa para essa jovem estudante. Segundo Tavares e Rosa (2011), é importante ter um equilíbrio entre a nova realidade e a cultura do país de nascimento, para assim preservar a cultura, sem distanciar-se da realidade macro social, pois tudo aquilo que aumenta a distância entre as pessoas, em uma sociedade, pode ter efeitos negativos, conduzindo à destruição das culturas, levando, muitas vezes, à violência social. É um desafio que a pluralidade cultural coloca aos indivíduos, em que todos devem respeitar as pessoas e as culturas diferentes e, em simultâneo, apropriar-se dos aspectos da nova cultura que pode servir como enriquecimento cultural para o indivíduo imigrante.

A estudante Melissa sente-se como uma brasileira com afinidades com o povo brasileiro, inclusive, expressa que foi fácil acostumar-se com os hábitos, pois estava aberta a essa nova forma de viver. Nas palavras de Melissa “[...] lembro que sou imigrante quando eu vou pra Polícia Federal, que tem que tomar a senha de estrangeiro [risos], para renovar o visto!” Ela considera o fato de não se sentir imigrante muito importante, porque se o estudante coloca na cabeça que ele é imigrante, diferente dos outros ao redor, ele acabará criando barreiras que não o permitirá relacionar-se bem com as outras pessoas, e o envolvimento é muito bom para o indivíduo sentir-se bem em um país diferente, bem como se relacionar com as pessoas, a cultura, as novas formas de expressões, ou seja, com o país nos seus mais variados aspectos. Ela já passou por um constrangimento como imigrante, em Fortaleza, mas não deu muita importância pelo ocorrido:

Eu já passei por algo na Polícia Federal! Eu estava lá pra renovar o meu visto aí, tipo, normalmente, os estudantes estrangeiros aqui, que são da África chegam sempre mais cedo pra poder pegar senha, certo? Ai, depois foi chegando, assim, alguns brasileiros que iam pegar o passaporte e coisas assim [...], e uma

mulher, ela falou assim: “esses negros vão ficar nessa fila e os outros nessa outra fila”. Eu fiquei [...], [sem palavras, silêncio], mas eu nem me importo. (Entrevista

O estudante Andy já achou muito complicado falar sobre esse assunto, pois, no Brasil, ele sente-se negro, não simplesmente pela cor da pele, mas pela forma como ele foi e é tratado, e se você não se encaixa nos padrões que a sociedade impõe, a tendência é te rejeitarem. Mas ele também salienta que não existem só pessoas assim, ele encontrou pessoas diferentes, que o fizeram sentir-se bem, no entanto, afirma que não tem como esquecer essas marcas negativas: “É complicado! Essas pessoas que me fizeram sentir bem são poucas, eu digo que de 100% do contato com o povo daqui, 70% foi ruim, os 30% foram essas pessoas boas que me fizeram gostar daqui.” Para ele, uma coisa é ser imigrante da África, outra coisa bem diferente é ser imigrante da Europa ou dos Estados Unidos, pois, alguns são bem tratados, bem recebidos, têm um tratamento muito diferenciado. De acordo com o que Andy afirmou, isso é notável diariamente. O que faz parecer ser um privilégio nascer na Europa, e na África não:

Então isso eu senti, eu sinto isso todo dia, mas tipo com um negro daqui e um negro africano parece que o preconceito tem um desnível. Com o negro africano é menos do que com o negro brasileiro, mas existe. Então assim comigo acontece isso e eu percebo. Isso são coisas que eu percebi, então, pode ser que eu esteja equivocado, mas eu percebi isso. (Entrevista com o Andy Osório, 25 anos, curso de Publicidade e Propaganda, realizada no dia 07/08/12).

Isso nos leva a lembrar o que foi abordado no primeiro capítulo, sobre a posição do negro dentro da sociedade brasileira e mais, especificamente, o negro inserido na universidade, o problema da exclusão, do preconceito que vem dos tempos da escravatura. Esses fatos acontecem dentro e fora das paredes da universidade, na vida corriqueira de alguns desses estudantes. Para Santos (2004), fatores de discriminação quer sejam de classe, raça, sexo ou etnia, continuam fazendo com que o acesso às universidades seja uma mistura de mérito e privilégio, ou seja, através das cotas sociais e raciais. Essa inclusão mais parece separação, pois, os negros e os menos favorecidos financeiramente tem que entrar pelos próprios esforços de igualdade e não pelas cotas. Continuando a luta, essas classes tentam se afirmar dentro da universidade também, na esperança de que um dia essa realidade mude completamente.