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II. CRÍTICAS AO DESENVOLVIMENTO

2.9. Serge Latouche e o Decrescimento Sereno

Na senda do pós-desenvolvimento, Latouche veio juntar-lhe a tónica do Decrescimento, ideia completamente contraproducente à do Desenvolvimento.

A palavra de ordem do Decrescimento tem sobretudo por finalidade ficar a assinalar claramente o abandono do objetivo do crescimento ilimitado, cujo motor não é senão a busca do lucro pelos detentores do capital, com consequências desastrosas para o ambiente e, portanto, para a humanidade (Latouche, 2011: 18).

Existe uma nova defesa do abandono da mentalidade progressista, apoiada pela escassez de resultados de décadas de políticas de Desenvolvimento e pela impossibilidade energética do planeta. Latouche enumerou várias experiências que começaram a surgir, onde as populações se movimentaram para combater os excessos do Desenvolvimento em defesa do Decrescimento. Curiosamente são todas em solo europeu.

Latouche (2011) referiu que mal se verificava o abrandamento ou a ausência de crescimento, a sociedade entrava em tal estado de histeria que todos os discursos políticos passavam a focar esforços neste ponto específico. A fim de evitar este cenário, o autor apontava para o Decrescimento como uma via para abandonar a procura do Desenvolvimento

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e do crescimento económico como a cura de todos os males.

O Decrescimento deseja, nada mais, nada menos, que uma revolução cultural, envolvendo o abandono de uma mentalidade baseada no crescimento económico e constante consumo de bens. A visão de Latouche está estruturada em oito “R's”, todos eles igualmente essenciais: reavaliar; reconceptualizar; reestruturar; redistribuir; relocalizar; reduzir; reutilizar e reciclar. Exige-se uma reavalição dos valores dominantes na sociedade contemporânea, substituindo a competição e egoísmo pela cooperação e solidariedade, levando a uma reconceptualização da própria imagem que temos da realidade. Estas mudanças levam a que seja necessário reestruturar “(...) o aparelho de produção e as relações sociais em função da mudança dos valores” (Latouche, 2011: 54).

A riqueza gerada terá que ser redistribuida, para que não fique concentrada nos países do Norte e numa pequena minoria no Sul. Assim se garante que todos tenham a capacidade de levar uma vida condigna. O autor aludiu que numa sociedade de Decrescimento é importante relocalizar as indústrias em pequenas localidades, para assim satisfazer as necessidades das populações e garantir que as decisões sejam tomadas localmente. Os últimos três “R's” - reduzir, reutilizar, reciclar – seguem a linha de pensamento ecológico. Reduzir o consumo de bens como forma de redução do nosso impacto ambiental. Reutilizar os bens, abandonando a mentalidade vigente de consumo descartável, onde é mais fácil e económico comprar o novo que reparar o velho. Por fim, a aposta na reciclagem, evitando o desperdício e garantindo uma nova vida e utilidade a equipamentos e resíduos.

Este autor, a que se poderia chamar de “declinólogo”, teceu críticas à sociedade consumista, enumerando três factores que fomentam tal espírito: a publicidade; o crédito; a obsolescência. O bombardeamento persistente da publicidade estimula o desejo pelos produtos e serviços mais recentes. Não havendo só a publicidade aos produtos, existe a disseminação da facilidade em obter crédito que permite o consumo. Como se isto não bastasse, os próprios produtos têm um tempo de vida bastante limitado. Os custos de avaria não compensam tal despesa, sendo preferível comprar novo e a constante transformação e inovação garantem o aparecimento de novos bens, dotados da tecnologia mais recente. A publicidade encarrega-se de nos garantir o quão útil será tal produto e o crédito permite ter um acesso fácil à sua compra. Assim se estimula a economia e crescimento económico, mas há que pensar no quão necessária e benéfica é toda esta normalidade para a Humanidade, “(...) trata-se de saber se o bem-estar requer necessariamente possuir 10 pares de sapatos, frequentemente de má qualidade, em vez de dois que sejam resistentes.” (Latouche, 2011: 76). Os países do Sul deveriam abandonar as intenções de Desenvolvimento e focar-se

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somente em remover os constrangimentos que os impedem de florescer. Defende-se a evolução da sociedade, vivendo de forma mais frugal e privilegiando o bem-estar. Para Latouche, os oito “R's” apresentados poderão ser modificados, substituídos, da maneira que seja mais conveniente aos países do Sul. A sua demanda pela sociedade de Decrescimento passará pelo retorno aos modos de vida que a colonização, Desenvolvimento e globalização interromperam.

Existe uma apologia do Pós-Desenvolvimento como o caminho para uma vida plena de bem-estar mental e social, onde cada comunidade segue a via que mais satisfação lhe traga.

2.10. Conclusão

Todos os discursos apresentados são unânimes na tese que o Desenvolvimento deveria adotar novas formas de intervenção, bem como os próprios fins a que se destinava. Várias abordagens colocaram a tónica no Ser Humano, sendo ele o principal meio e fim do Desenvolvimento, num claro afastamento dos indicadores económicos como medição do Desenvolvimento, numa clara humanização do conceito.

Foram surgindo também preocupações ambientais alertando que o Desenvolvimento não poderá seguir os mesmos moldes que o Desenvolvimento dos países do Norte, sob pena de ter sérias repercussões no ecossistema terrestre.

Outro entendimento que foi crescendo foi o quão exploratório o Desenvolvimento poderia ser, sendo muitas vezes uma desculpa de os países ricos manterem a sua influência nos países em desenvolvimento, tirando benefícios da sua posição privilegiada.

Muitas destas críticas adotaram uma postura de defesa para com as comunidades locais onde os projetos e políticas de Desenvolvimento pretendiam atuar. O sucesso do Desenvolvimento só poderia ser alcançado com a participação das comunidades, ouvindo-as, conhecendo-as e canalizando todos os seus saberes e recursos para um objetivo construído conjuntamente.

Com tantas ressalvas e denúncias do Desenvolvimento, não é de admirar que já se defenda o abandono da ideia de Desenvolvimento, sendo este objeto de enorme desconfiança e descrença por parte das populações. Autores dos países em desenvolvimento vão tendo um trabalho importantíssimo nas denúncias dos abusos e faltas de consideração levadas a cabo pelos agentes de Desenvolvimento, demonstrando que as suas comunidades também têm o seu valor e este deverá ser potencializado.

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O importante é que as práticas de Desenvolvimento analisem estas críticas e delas retirem novas práticas para que o seu trabalho se torne mais inclusivo e sustentável, especialmente quando as críticas têm origem nas comunidades tidas como subdesenvolvidas.

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