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Sertão Sergipano do São Francisco: configuração do domínio pecuarista

A região do Sertão Sergipano localiza-se em uma área de confluência dos Estados nordestinos de Alagoas, Bahia e Pernambuco e o Estado de Sergipe. De acordo com a sua localização geográfica, em Sergipe é regulada pela Zona de Convergência Intertropical (ZCIT), que resulta em temperaturas elevadas no decorrer do ano. Predomina o clima semiárido com sete a oito meses secos, temperatura superior a 20°C, chuvas distribuídas irregularmente concentradas nos meses de abril a julho isto é, no outono-inverno. A não ocorrência regular da pluviosidade nesse período resulta no fenômeno da seca, que pode se prolongar por dois ou três anos. As precipitações pluviométricas variam de 365mm a 630mm anuais. Outra característica do clima semiárido é a elevada evaporação que implica a deficiência hídrica, especialmente no período de primavera-verão, podendo de igual modo se prolongar por todo o ano.

Quanto ao relevo, reflexo da ação do clima e da estrutura geológica, a região está assentada sobre o Pediplano Sertanejo, caracterizado por “superfícies dissecadas e aplainadas que se elevam de leste para oeste”(FRANÇA et al, 2007, p.78). Esse relevo é plano e apresenta uma ondulação forte na zona de entalhe do rio São Francisco bem como nas áreas drenadas pelos seus afluentes. A monotonia do relevo é quebrada com a presença do relevo residual denominado de inselbergs e das serras localizadas no município de Poço Redondo a Serra da Guia com altitude inferior a 600m, e a Serra Negra, ponto mais elevado do Estado de Sergipe com 750m de altitude. Em decorrência da acentuada erosão, visualizam-se rochas magmáticas e metamórficas formadas no pré-cambriano como os gnaisses, migmatitos, granitóides e matacões.

Essa região é banhada pela bacia do rio São Francisco e seus afluentes, constituindo- se esse como único rio perene. Aproveitam suas águas para o abastecimento humano em todos os municípios da referida área e outras distantes por meio da instalação de várias

adutoras. Encontram-se territorializados os perímetros irrigados Projeto Califórnia e Jacaré- Curituba, os quais estão destinados à produção de hortaliças, frutas como a banana, e cereais nos municípios de Canindé do São Francisco e Poço Redondo. Entretanto, a principal função econômica das águas desse rio é a produção de energia elétrica com o Complexo Xingó, promotor de modificações profundas e irreversíveis na região. Os demais rios afluentes apresentam-se intermitentes e suas águas padecem de uma elevada salinidade. Logo, se tornam impróprias para o consumo humano e irrigação. Assim, restringe-se somente ao consumo dos animais nos períodos críticos de escassez de chuvas.

Como reflexo das condições climáticas, predomina o bioma da caatinga, nas áreas mais secas do tipo hiperxerófila; enquanto nas áreas mais úmidas, o tipo hipoxerófila. Com a exploração acentuada para diversos fins, essa vegetação encontra-se bastante devastada (SANTOS e ANDRADE, 1992; FRANÇA et al. 2007).

Após esse quadro natural da região sertaneja apresenta-se a ocupação humana. Diferentemente dos outros estados do Nordeste oriental, no Estado de Sergipe a pecuária sobreveio como primeira atividade, posteriormente suplantada em termos de importância econômica pelo cultivo da cana-de-açúcar. Felisbelo Freire (1977) enfatiza que as fazendas de gado principiaram a povoação nos domínios dos tupinambás; antes de o sergipano ser lavrador, foi pastor.

A ocupação do Sertão Sergipano do São Francisco9 encetou no século XVI com a doação de grandes e pequenas glebas de terras pela Coroa Portuguesa, visando firmar a posse, então ameaçada pelas invasões holandesas. Nesse bojo, os indígenas são empurrados para outras terras, processo violento e perverso no qual tribos inteiras foram dizimadas. Nesse sentido, Simonsen (1977, p. 152) afirma que “em 1589, Cristóvão de Barros ocupou a costa até o São Francisco expulsando os selvagens. Iniciaram-se também as distribuições de sesmarias no sentido ascendente do rio”. Aqueles que participaram das lutas contra os indígenas solicitavam sesmarias e alegavam que seriam utilizadas para a criação de gado e roças com cultivos de subsistência. A dimensão dessas glebas de terras, isto é, das sesmarias, variava de acordo com as possibilidades de sua utilização econômica, como também por sua localização e facilidade de acesso.

A prosperidade da Capitania de Sergipe foi interrompida de forma abrupta com a invasão das tropas holandesas. As lutas entre os invasores holandeses e os portugueses prejudicaram o desenvolvimento da incipiente economia sergipana. Nesse período (1637-

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Este estudo será lastreado pelos estudos realizados por Freire (1979), Teixeira da Silva (1981), Santos & Andrade (1992), Woortmann (1995) Diniz (1996) e Almeida e Vargas (1998) França et al. (2007) dentre outros.

1645), de acordo com Santos e Andrade (1992), Sergipe contava com centenas de currais de gado que foram em sua grande parte abatidos e, ou transportados para a margem esquerda do São Francisco. Alguns poucos engenhos existentes, casas e conventos foram destruídos incendiados na disputa do território. Segundo esses autores, “o domínio holandês deixou como saldo positivo a exploração e o reconhecimento do interior sergipano” (ibid, p.23).

França et al. (2007) afirmam que a retomada da distribuição de sesmarias, pós-metade do século XVIII, atraía novos moradores, o que contribuiu para o crescimento da ocupação das terras litorâneas e agrestinas. A economia da Capitania estava fundamentada na criação de gado, produção de mandioca, cereais e fumo. A partir do século XVIII, impulsionada por fatores como a elevação dos preços do açúcar, a Revolução Industrial que proporciona um aumento no poder de compra na Europa e o crescimento demográfico impulsionaram os proprietários de terras à formação dos engenhos de açúcar dominando os vales dos rios: Real, Piauí, Vaza-Barris, Cotinguiba, Sergipe e Japaratuba.

O povoamento passou a ser interiorizado “através dos caminhos do gado” a partir da denominada penetração baiana (FRANÇA et al, 2007, p.22). Igualmente aos demais espaços sertanejos nordestinos, conforme exposto anteriormente, a criação de bovinos torna-se uma atividade importante na área sergipana no que concerne ao povoamento.

Entretanto, deve-se ressaltar que com a expansão da pecuária não ocorreu o surgimento de uma formação urbana relevante. Surgiram pequenas vilas e povoações refletindo o domínio da atividade criatória de forma extensiva.

O Sertão do São Francisco nos séculos XVII, e em parte do século XVIII, não constituía uma fronteira econômica pelo Estado, nesse período denominado por Teixeira da Silva (1981) Terra de Refúgio. Essa denominação refletia a pequena ocupação e o domínio de índios, negros e homens pobres evadidos de outras regiões. No tocante às comunidades negras encontradas no sertão, elas revelam o movimento dos antigos escravos ou de negros alforriados oriundos de outras regiões que adentravam rumo ao interior. A toponímia de algumas localidades denominadas de Mocambo e Brejo dos Negros indica a relação com movimento de interiorização dos grupos de afrodescendentes.

Esclarecendo a ocupação efetiva dessa região, Diniz (1996) assinala que, embora tenham participado outras categorias no povoamento, o Sertão tem no vaqueiro um dos agentes precursores da ocupação. Esse autor enfatiza o papel dos vaqueiros na ocupação das áreas sertanejas em Sergipe: “utilizando-se da quarteação, acabou por se transformar em criador, dando origem a uma estrutura de pequenos pecuaristas que persiste até os dias atuais” (ibid. p.52). O referido sistema de pagamento persistiu em grandes propriedades no

município de Poço Redondo até 1985, fato esse evidenciado em pesquisas realizadas por Costa Menezes (1985) e extinto na década de 1990.

Quanto ao padrão de apossamento da terra, Teixeira da Silva (1981), em pesquisa realizada no município de Porto da Folha, esclarece que a ausência da demarcação dos limites das terras foi constatada em documentos, que muitas vezes aparecem de forma conjunta por vários proprietários. Esclarece que “quase 90% dos assentamentos constantes no Livro de Registros de Terras do Porto da Folha, de 1856, referem-se a esse regime” (ibid. p.46). Continua ele a enfatizar que o apossamento das terras se dá principalmente pela herança, tanto pelos grandes quanto pelos pequenos proprietários. Vale ressaltar que este sistema pró- indiviso foi encontrado, segundo Teixeira da Silva (1981), no período colonial no sertão e na região canavieira entre os senhores de engenho e os lavradores.

Woortmann (1995) a esse respeito afiança que, nos dois casos, a terra tem um significado de patrimônio. Na verdade, para essas diferentes categorias, a terra constitui não exclusivamente um valor econômico: a sua posse é o valor da honra da família, no caso dos mais afortunados como o Senhor de Engenho. No que concerne aos lavradores, esta autora (1995, p. 225) identifica a terra como patrimônio no sentido de que “podia se tratar de preservar uma unidade de parentesco e os circuitos de reciprocidade que nela e por ela operavam, assim como de uma concepção moral de relação com a terra”. A terra, para os agricultores familiares, é considerada como terra de trabalho lugar no qual o homem tem o seu trabalho realizado, independência e a sua realização como pessoa humana.

Quanto ao uso da terra, além da criação de gado, os agricultores no Sertão dedicavam- se aos cultivos de milho, feijão, mandioca e algodão, abastecendo as grandes propriedades e a população urbana que crescia em outras áreas. De acordo com o uso da terra, Castro (1965) nomeou o sertanejo semeador de pequena escala. Seus produtos direcionavam-se ao mercado interno, por conseguinte, tratados com desdém pelos Senhores de Engenho do litoral, detentores da valorizada monocultura destinada ao mercado externo.

Aqueles sertanejos que não possuíam área suficiente estabeleciam com o grande proprietário uma relação indireta no uso da terra pagando em renda-trabalho e/ou produto. Quando os grandes proprietários não cediam a terra, os trabalhadores transformavam-se em posseiros, ocupando novas áreas. Porém, a produção de alimentos não se constituiu na atividade mais importante do sertão, como destaca Andrade (1986, p.155):

[...] a agricultura não foi a atividade principal; desenvolveu-se mediocremente à sombra dos “currais”, devido à grande distância que separava aquela zona do litoral e ao elevado preço que os gêneros atingiam após o transporte por dezenas de léguas.

Cascudo (2004), ao analisar as atividades econômicas no Nordeste, destaca o domínio da cana-de-açúcar no litoral no solo de massapê e o gado nos domínios sertanejos. Este autor enfatizou a simbologia do gado para o sertanejo ao citar ditos populares enfocados pela população, enaltecendo a relação com o sistema criatório: “O interior cria gado. Quem gado não cria, não tem alegria”(ibid, p. 801). Tal alusão à criação de gado demonstrava a importância da criação para os sertanejos. Essa alegria com a dedicação à pecuária significava a possibilidade de posteriormente estar livre do patronato, por meio do sistema de quarteação. Esse dito popular citado por Cascudo (2004) persiste como objetivo principal do sertanejo. Ele está respaldado na fala dos atuais agricultores familiares que atribuem à pecuária a independência. “Com a criação de gado, não preciso trabalhar de aluguel para terceiros, não tenho patrão, sou eu mesmo o patrão”(J.M. R. Entrevista, Gararu, agosto/2008).

O trabalho autônomo e independente do vaqueiro foi retratado por Furtado (1982) e Prado Júnior (1992) que assinalaram a redução do número de escravos no sertão em decorrência da atividade pecuarista. Essa recrutava pequeno número de trabalhadores, o que a diferia da Zona da Mata.

Paralelamente à criação de gado, desenvolvia-se a cultura de algodão presente principalmente nos pequenos estabelecimentos sertanejos. Entretanto, a sua visibilidade econômica deu-se após meados do século XVIII e no século XIX. Nesse período, ocorreria uma grande expansão dessa lavoura, proporcionada pela demanda externa em razão da Guerra da Secessão que desarticulou a produção de algodão nos Estados Unidos.

No Sertão, essa cultura, presente nos estabelecimentos do agricultor familiar, despertou o interesse também do grande proprietário. Tal feito respaldava-se na vantagem do uso da rama do algodão, juntamente com a palha do milho, como uma ração suplementar para o gado nos meses mais secos. Com esse objetivo, os grandes proprietários passaram a ceder terra aos trabalhadores desprovidos desse bem em troca do restolho das culturas. Nesse contexto, a lavoura do algodão apresentava um caráter mais democrático que a cana-de-açúcar, uma vez que todos poderiam plantar, mesmo os agricultores sem-terra (ANDRADE, 1986). Consequentemente, houve uma revitalização da pecuária, surgindo novas perspectivas para o Sertão.

No período da 1ª Guerra Mundial, a cotonicultura outra vez se expande, em virtude da demanda do mercado interno e igualmente pelo direcionamento de políticas públicas, o que incentivou a ocupação em áreas despovoadas agrestinas e sertanejas.

A inserção da cultura algodoeira na grande propriedade realizava-se por meio do sistema renda-trabalho: a formação de roças plantadas em pequenas glebas cedidas pelos latifundiários visava ao uso posterior do restolho dos cultivos. As lavouras eram formadas com a derrubada e queima da caatinga, seguida do plantio. Passos Subrinho (1987, p. 80) enfatiza a existência “de indícios que, em Sergipe, o algodão foi predominantemente uma “lavoura de pobres”. Em decorrência da escassez de capital desses agricultores, do uso de técnicas rudimentares nos cultivos, resultava em baixa produtividade ocasionando o abandono da área plantada. Para esse autor, essa lavoura aproximava-se de uma prática “natural”, portanto, as dificuldades na produção cresciam.

Para tentar reduzir os obstáculos nessa cultura, o Presidente da Província Graccho Cardoso (1922-1926) elaborou diversos projetos de políticas públicas, tendo em vista a modernização do cultivo. Foram criados vários órgãos para aumentar a produção, como a Estação Experimental. Com essa investida, o governo visava melhorar a qualidade, distribuindo sementes selecionadas do algodão herbáceo e a isenção de impostos para o algodão de qualidade superior (SANTOS e ANDRADE, 1992). Porém tais medidas não surtiram o efeito esperado devido impossibilidade de investimentos do agricultor.

O arrefecimento da cotonicultura, a partir da década de 1970, se deu em consequência do acometimento das pragas e da desvantajosa concorrência com a produção de estados como São Paulo. Naquele Estado, a cultura estava pautada no uso de tecnologia que assegurava alta produtividade e redução dos preços no mercado. Não acompanhando o avanço tecnológico dos outros Estados; essa cultura, paulatinamente, foi erradicada no Estado de Sergipe. Em meio às dificuldades impostas, os sertanejos são impelidos a abandonar o cultivo do algodão. Contudo, ele era considerado por esses agricultores e exclamado pelo cancioneiro popular como “ouro branco do Sertão”10. Com a sua decadência, passaram a se dedicar aos cultivos de subsistência e à criação de gado.

A pecuária, a despeito de significar a principal atividade, até a metade do século XX, apresentava-se ainda pouco intensiva, sendo os bovinos criados soltos, pouco modificando a

10 Algodão – essa música foi composta por Zé Dantas e Luís Gonzaga em 1953, a pedido do Ministro da

Agricultura, João Cleofas. Essa solicitação foi motivada pela redução do plantio desse produto na década de 1950. A letra dessa canção retratava a importância do cultivo do algodão, enaltecia a força do sertanejo na lida desse produto e a alegria da família no tempo da colheita. Os autores consideravam como um ouro branco que proporcionava renda por ser o produto de valor comercial.

vegetação nativa. Constatada sua limitada produtividade, o estado articulou e fomentou políticas públicas com o objetivo de expandir a pecuária, atividade geradora de maior rendimento e perdas reduzidas quando comparada à agricultura. Para compreender esse processo, envereda pelo desvelamento das políticas de desenvolvimento implementadas pelo Estado na área e a repercussão das mudanças no meio rural sergipano.

1.3 A refuncionalização do meio rural: entre os conjuntos de ações políticas e as condutas

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