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Serviços de Centralização e Coordenação de Informações (SCCI)

III. Evolução das Informações em Portugal

2. Do Golpe de 28 de Maio de 1926 até à Revolução de 25 de Abril de 1974

2.4 Serviços de Centralização e Coordenação de Informações (SCCI)

Conforme foi introdutoriamente abordado no subcapítulo anterior, os primeiros acontecimentos hostis que vieram a marcar o início da Guerra do Ultramar ocorreram a 15 de Março de 1961 no município de Dembos, situado a norte de Angola, com o desencadear de múltiplas investidas, coordenadas entre si pelo movimento anti-colonial União das Populações de Angola (UPA), a povoações, fazendas e postos administrativos que resultaram num número elevado de perdas humanas. Apesar destes ataques terem precipitado algumas respostas securitárias nos territórios ultramarinos, é preciso referir que, ao nível da intelligence, as primeiras medidas que foram tomadas datam de 1936 quando a 4ª Repartição, destinada à

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vertente dos negócios políticos, da Direcção-Geral da Administração Política e Civil do Ministério das Colónias assumiu a responsabilidade de analisar os contornos da política colonial. Para além disso, numa fase posterior a instituição militar e a polícia política haviam já desenvolvido unidades de informações nesses territórios, ainda que sem uma devida condução superior que assegurasse a cooperação e a partilha de dados entre as diferentes organizações com tarefas de intelligence.

Assim, e atendendo ao clima de tensão latente que existia nas colónias, não é crível que as autoridades portuguesas tenham sido apanhadas desprevenidas aquando do despoletar das operações armadas, mas antes que a dispersão de informações, decorrente da ausência de uma entidade centralizadora das mesmas, possa ter “induzido muitas vezes o Governo central em erro relativamente a várias situações” (Garcia, 2004: 235). A essas dificuldades juntou-se a evolução do conflito para moldes de guerra efectiva, pelo que a conjugação dos dois factores tornou imprescindível repensar o modelo da intelligence existente nos territórios ultramarinos. Neste ponto surge indubitavelmente a figura do então Major Pedro Cardoso, que na época se encontrava em Angola nomeado para Director do Centro de Informação e Turismo dessa colónia, como destacado impulsionador da criação de um organismo que coordenasse as informações provenientes da administração pública, das Forças Armadas e das estruturas policiais. Nesse sentido, deslocou-se a Lisboa para, conjuntamente com o Capitão Serpa Rosa que ocupava o cargo de Secretário-Geral do Ministério do Ultramar, examinar todas as questões que envolviam a formação daquele tipo de organismo e, a partir disso, elaborar um projecto de diploma que o concretizasse. Cumprida essa missão, com sucesso pois o documento foi bem recebido pelos decisores políticos, e concluída a posterior tramitação legal, ficou estabelecida, a 29 de Junho de 1961, a edificação dos Serviços de Centralização e Coordenação de Informações (SCCI) nas colónias sob a alçada de Portugal.

Os primeiros SCCI a serem fundados foram os de Angola, processo que coincidiu sensivelmente com a entrada em funções do General Venâncio Deslandes como Governador- Geral e Comandante-Chefe das Forças Armadas desse território na sequência dos incidentes supra enunciados. Porém, só em Junho de 1962 é que os Serviços de Centralização e Coordenação de Informações de Angola (SCCIA) iniciaram o pleno funcionamento, dirigidos pelo Major Silva e Sousa. Tal como sintetiza Proença Garcia (2004: 236), estes SCCI “tinham como missão centralizar, coordenar, estudar, interpretar e difundir informações que interessassem à política, à administração e à defesa das respectivas províncias. Estes serviços

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procediam à análise das informações de carácter estratégico e produziam estudos específicos”. À imagem do que acontece presentemente no sistema de informações português, foi também contemplada a composição de comissões de informações, nas quais estavam integrados elementos escolhidos pelo Governo-Geral da respectiva colónia, para trabalharem de perto com os SCCI no sentido de, reunindo periodicamente, nortearem a acção a desenvolver por aqueles serviços.

Indo de encontro ao que estava previsto no diploma que contemplou a existência dos SCCI, cabia ao governador de cada província ultramarina proceder à avaliação do desenrolar dos acontecimentos, no sentido de decidir da criação daqueles serviços no momento que considerasse ser mais pertinente. Posto isto, os Serviços de Centralização e Coordenação de Informações de Moçambique (SCCIM) foram logo formados igualmente em 1961, enquanto que os serviços homólogos da Guiné tiveram que esperar até 1969 para serem edificados não obstante a sua solicitação por parte do Governo-Geral desta colónia remontasse a 1963. Esta última questão remete-nos, de forma indelével, para o rol de dificuldades que os SCCI tiveram de enfrentar, centradas principalmente na relação daqueles com as demais forças de segurança. Tendo em conta o que havia sido estipulado quanto às restantes polícias, entre elas a PIDE- DGS, a PSP ou a Guarda Fiscal, terem de transmitir as notícias que iam obtendo aos SCCI correspondentes, tornava-se indispensável construir um ambiente que, no mínimo, fosse pautado pelo respeito inter-institucional.

No entanto esses requisitos não se verificaram, pelo que aqueles serviços “nunca conseguiram fazer-se aceitar perante os canais militares e/ou a PIDE (depois DGS) como orientador do esforço de pesquisa ou mesmo impor-se aos canais da administração civil” (Garcia, 2004: 237). No caso específico da polícia política, a razão comummente associada a essa animosidade prende-se com o papel secundário que lhe era atribuído no projecto de sistema de informações a ser implementado na metrópole. Este projecto veio no seguimento dos relatórios, solicitados pelo General Venâncio Deslandes que entretanto fora afastado do posto de Governador-Geral em Angola e assumira o lugar de Secretário-Adjunto da Defesa Nacional, sobre o modelo de intelligence vigente na metrópole. Segundo a avaliação pessoal feita por Pedro Cardoso (2004: 135), o facto da PIDE não ter sido incluída nesse novo sistema de informações projectado “foi o golpe fatal na estruturação dos SCCI a nível nacional e deu início a uma campanha informal e encoberta contra os SCCI em Angola, em Moçambique e até na Guiné”. Em síntese, e convergindo com a tese apresentada, Renato Marques Pinto (2004: 477)

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diz-nos que “a ideia de criação dos SCCI foi extremamente válida, mas não contou com a oposição da Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE) que se considerava responsável pela segurança interna e externa do Estado”.