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UM SERVO ESCOLHIDO E PREPARADO POR DEUS

No documento Escritos Espirituais de S.joao Bosco (páginas 46-88)

“Deus escolheu a Davi, seu servo, e o tomou do aprisco das ovelhas ( . . . ) para apascentar seu povo” (Sl 78, 70-71)

MEMÓRIAS DO ORATÓRIO DE S. FRANCISCO DE SALES DE 1815 A 1855

A primeira vez que Dom Bosco foi a Roma, em 1858, o Papa Pio IX, ao ouvir de seus lábios como havia nascido a obra dos Oratórios Festivos para os jovens de Turim, percebeu imediatamente a presença de elementos sobrenaturais, promessa de grande futu­ ro: recomendou a Dom Bosco pusesse por escrito a história exata das origens, para encorajamento e norma dos seus filhos (1). O fundador, porém, sobrecarregado de serviço, deixou passar nove anos sem cumprir a re­ comendação.

Voltou a ver o Papa em 1867 e, pedindo desculpas, explicou por que nada fizera ainda. “Pois bem, replicou o Pontífice, deixe qualquer outro trabalho e escreva. Agora não é apenas um conselho, é uma ordem. Não pode compreender perfeitamente o bem que fará aos seus filhos” 1 (2).

Dom Bosco obedeceu, mas não logo, pelas muitas preocupações, viagens e dolorosa doença. Assim que se restabeleceu pôs mãos à obra, e nos momentos livres, entre 1873 e 1875, escreveu a maior parte das Memórias

do Oratório de S. Francisco de Sales. Retomou a pena

nos anos seguintes, a intervalos... para deixar por fim o trabalho inacabado, sem conclusão.

Reservando essas páginas aos seus filhos, não só não as publicou durante a sua vida, mas proibiu formal­

(1) MB V, 882.

mente que fossem publicadas após sua morte. Na intro­ dução da edição de 1946, o P. Eugênio Ceria explica por que se julgou oportuno passar por cima da proibição do Santo. Hoje, qualquer pessoa pode ler integralmente as Memórias do Oratório (3). A edição se baseia em dois documentos: o manuscrito de Dom Bosco, conservado no Arquivo salesiano de Roma (três grandes cadernos 295 x 204, 180 pp.), e uma cópia dele feita pelo secretário P. Berto (seis cadernos), revista e anotada pelo próprio Dom Bosco, provavelmente com vistas à

História do Oratório de S. Francisco de Sales, iniciada,

em artigos, em janeiro de 1879, no Bollettino Sale­

siano (4) 5.

Apresentando os primeiros quarenta anos da vida de Dom Bosco (1815-1855), as Memórias narram sua preparação e o início do seu apostolado. Não são entre­ tanto uma “autobiografia” no sentido estrito da palavra, nem um escrito de caráter puramente histórico, mas antes “Memórias para servirem à história do Oratório de S. Francisco de Sales”, redigidas por um pai que faz confidências aos filhos. Os fatos são verdadeiros, mas

coloridos e enriquecidos com o intuito de instruir.

E lucram com a interpretação que a maturidade do herói e o desenvolvimento da sua obra (ao escrever Dom Bosco já chegara aos 58-60 anos) tornavam muito natural.

Esse fato, que do ponto de vista rigorosamente histórico <5) pode criar problemas, constitui uma vanta­ gem preciosíssima do ponto de vista pedagógico e espi­ ritual. O interesse principal dirige-se à atividade reli­ giosa e social de Dom Bosco e às instituições caritativas e educativas em que ela se foi progressivamente expri­ mindo. Todavia os elementos diretamente espirituais são numerosos e significativos, sobretudo na primeira parte, mais pessoal: admiramos os caminhos da Provi­

(3) San Giovanni Bosco, Memorie deWOratorio di S. Francesco di

Sales dal 1815 al 1855, SEI, Torino 1946, pp. 260. Introdução (pp. 1-12)

e abundantes notas do P. E. Ceria.

(4) Essa História deixa de lado a infância e juventude de Dom Bosco, para começar logo o relato do seu trabalho sacerdotal a partir

de 1841.

dência na escolha e preparação do seu servidor; assis­ timos ao despertar da consciência intensamente apos­ tólica de João Bosco e às suas primeiras e decisivas opções. Não gostava de falar da sua vida espiritual íntima; ora, não há escrito em que haja mais abundante e profundamente falado de si próprio.

Servimo-nos do texto editado pelo P. Ceria. Mas os títulos que antecedem os trechos são nossos.

1. Introdução. Finalidade das Memórias:

mostrar que “foi Deus que conduziu tudo”

Para que servirá este trabalho? Servirá de norma para superar dificuldades futuras, aprendendo as lições do passado; servirá para mostrar como Deus foi condu­ zindo as coisas no tempo devido; servirá como entrete­ nimento para os meus filhos, ao lerem os fatos vividos pelo pai, e haverão de lê-los mais gostosamente ainda quando, chamado por Deus para prestar contas de meus atos, não estiver mais entre eles. Se encontrardes fatos expostos talvez com muita complacência e quiçá com aparência de vangloria, sabereis perdoar-me. É um pai que se alegra em falar de suas coisas aos seus amados filhos, os quais ficam também satisfeitos ao conhecerem as pequenas aventuras de quem tanto os amou, e que nas coisas pequenas e grandes procurou trabalhar sempre para o bem espiritual e temporal deles.

Exponho estas memórias dividindo-as em décadas ou seja períodos de dez anos, porque em cada um desses espaços se deu um notável e sensível desenvolvimento da nossa instituição.

Quando, meus filhos, lerdes estas memórias depois da minha morte, lembrai-vos de que tivestes um pai afeiçoado, que antes de abandonar o mundo deixou estas memórias como penhor de paterna afeição; e ao lembrar-vos de mim, rezai a Deus pelo eterno des­ canso de minha alma.

2. órfão aos 2 anos o futuro pai dos órfãos

O dia consagrado a Nossa Senhora da Assunção foi o dia do meu nascimento (1), em 1815, em Murialdo, no município de Castelnuovo d’As ti. O nome de minha mãe era Margarida Occhiena, de Capriglio; Francisco, o de meu pai. Ambos camponeses, que com trabalho e pou­ pança ganhavam honestamente o pão da vida. Meu bom pai, quase só com o seu suor, sustentava minha avó setuagenária, molestada por vários achaques; três me­ ninos, o maior dos quais era Antônio, filho do primeiro matrimônio; José, o segundo; João, o caçula, que sou

eu; e ainda dois empregados no campo 1 (2).

Não completara ainda dois anos, quando Deus misericordioso nos feriu com uma grande desgraça. O querido pai, tão cheio de saúde, na flor da idade, tão empenhado em dar educação cristã aos filhos, re­ gressando um dia a casa banhado de suor, desceu imprudentemente à adega subterrânea e fria. Estacan- do-se a transpiração, manifestou-se à noitinha febre muito alta, prenuncio de violenta pneumonia. Inúteis todos os cuidados. Dentro de poucos dias chegou ao extremo das forças. Munido de todos os confortos da religião, recomendando à minha mãe confiança em Deus, faleceu aos 34 anos de idade, dia 12 de maio de 1817.

Não sei o que se deu comigo na lutuosa ocorrência: lembro-me apenas, e é o primeiro fato da vida que con­

(1) Nasceu na realidade a 16 de agosto. Nota o P. Ceria: “Dom Bosco sempre acreditou haver nascido dia 15 de agosto... Devemos lembrar que no Piemonte se diz muitas vezes, sem preocupações de exatidão, que se deu na “ Madonna” de agosto algo acontecido pouco antes ou pouco depois do dia 15. Digamos que João, desde pequeno tenha ouvido repetir em casa que nascera na “Madonna” de agosto, e a conclusão é óbvia” (p. 17). Nossa Senhora assume imediatamente um lugar especial na vida do pai dos órfãos. Sua mãe Margarida, casada três anos antes, tinha então 27 anos.

(2) Às origens camponesas, no ambiente da família dos Becchi, deve João Bosco a aquisição de valores fundamentais para a sua santi­ dade e a missão: o realismo, o sentido do trabalho, extraordinária estima da pobreza, profundo amor à mãe e através dela à Mãe do céu. Antônio, o irmão de criação, era sete anos e meio mais velho, pois nascera dia 3 de fevereiro de 1808. José nascera dia 8 de abril de 1813. Gioanni é uma forma piemontesa de Giovanni.

servo na memória, que todos deixavam o quarto do falecido, e eu queria de todo jeito permanecer. — Vem, João, vem comigo, — repetia angustiada minha mãe. — Se papai não vier, eu também não vou, — respondi. — Pobre filho, replicou minha mãe, vem comigo, não tens mais pai. — E ao pronunciar essas palavras pror- rompeu em soluços, tomou-me pela mão e levou-me para fora, enquanto eu chorava porque ela chorava. Naquela idade não podia certamente compreender a extensão da desgraça que era a perda do pai.

Esse fato deixou consternada toda a família... (ed. Ceria, 17-19) 3. Mãe que era serva de Deus

Sua preocupação maior foi instruir os filhos na religião, educá-los na obediência e ocupá-los em coisas compatíveis com a idade (3). Enquanto eu era pequer­ rucho, ela própria me ensinou as orações; assim que me pude juntar aos irmãos, fazia-me ajoelhar com eles de manhã e à noite, e todos juntos dizíamos as orações em comum, com o terço. Lembro-me de que ela mesma me preparou para a primeira confissão, acompanhou- -me à igreja; começou ela própria por confessar-se, reco­ mendou-me ao confessor, e depois ajudou-me a fazer a ação de graças. Continuou a prestar-me essa assistência até que me julgou capaz de sozinho confessar-me bem.

Entretanto eu chegara aos nove anos de idade; minha mãe desejava mandar-me à escola, mas estava muito preocupada com a distância, pois estávamos a

(ed. Ceria, 21-22)

(3) Jamais havemos de exagerar a influência de mamãe Margarida na formação espiritual do seu filho mediante o exemplo e a palavra. A camponesa, cheia de sabedoria cristã, abriu-o ao sentido de Deus, à oração, à prática dos sacramentos, à devoção a Maria. Havemos de

vê-la intervir nos momentos decisivos da sua vocação.

Pouco antes de morrer, Dom Bosco pediu ao P. J. B. Lemoyne que publicasse a vida de sua santa mãe, para edificação das mães cristãs. Saiu como fascículo das Letture Cattoliche de junho de 1886, com o título:

Cenas morais de família expostas na vida de Margarida Bosco. Narração edificante e amena pelo P. J. B. Lemoyne. Cf. a introdução escrita pelo P. Ceria para a edição modernizada de 1956.

cinco quilômetros de Castelnuovo. Meu irmão Antônio se opunha à minha ida ao colégio...

4. Aos 9 anos. Um sonho considerado como uma comunicação divina

Nessa idade tive um sonho, que me ficou profun­ damente impresso na mente por toda a vida (4). No sono parecia-me estar perto de casa, num pátio bastante grande, onde se juntava uma multidão de meninos a brincar. Alguns riam, outros divertiam-se, não poucos blasfemavam. Ao ouvir as blasfêmias lancei-me logo no meio deles, tentando com socos e palavras fazê-los calar. Nesse momento apareceu um homem venerando, já adulto, nobremente vestido (5). Um manto branco cobria- lhe o corpo; mas o rosto era tão luminoso que eu não podia fitá-lo. Chamou-me pelo nome e mandou que me colocasse à frente daqueles meninos acrescentando estas palavras: — Não é com pancadas, mas com a man­ sidão e a caridade que deverás ganhar esses teus ami­ gos. Põe-te imediatamente a instruí-los sobre a fealdade do pecado e a preciosidade da virtude.

Confuso e assustado, repliquei que eu era um me­ nino pobre e ignorante, incapaz de lhes falar de reli­ gião. Senão quando aqueles meninos parando de brigar,

(4) Sabemos que os sonhos têm um lugar importante na vida de Dom Bosco. A interpretação deles deve levar em conta primeira­ mente a tradição escrita, nem sempre clara. O sonho dos nove anos, redigido inteiramente pelo santo, é um caso privilegiado. Não se pode negar o caráter sobrenatural de muitos sonhos, sobretudo deste. Escreve o P. Stella: “O sonho dos nove anos condicionou toda a maneira de viver e de pensar de Dom Bosco. E particularmente a maneira de sentir a presença de Deus na vida de cada um e na história do mundo” (Don

Bosco nella storia, I, 30-31). Sobre os sonhos de Dom Bosco em geral,

cf. MB XVII, 7-13; E. Ceria, Don Bosco con Dio, SEI, Turim 1930, pp. 189-200; P. Stella, op. cit., II, 507-563; “Torna-se evidente que Dom Bosco julgou-se favorecido por ilustrações sobrenaturais” (p. 561).

(5) A primeira fase do sonho realiza-se na presença desse “homem venerando”, que pouco depois se definirá como filho daquela que João- zinho saudava três vezes no Ângelus. Dele recebe a missão (“colocar-me à frente daqueles meninos. . . , instruí-los. . . ) , o método de cumpri-la (mansidão, caridade, amizade), a indicação dos meios para isso (obediên­ cia e ciência divina que se deviam receber de uma “mestra”).

de gritar e de blasfemar juntaram-se todos ao redor da personagem que falava.

Quase sem saber o que dizer, falei: — Quem sois vós que me ordenais coisas impossíveis?

— Justamente porque te parecem impossíveis, deves tomá-las possíveis com a obediência e a aquisição da ciência.

— Onde, com que meios posso adquirir a ciência? — Eu te darei a mestra, sob cuja orientação podes tomar-se sábio, e sem a qual toda sabedoria se toma estultície.

— Mas quem sois vós, que assim falais?

— Sou o filho daquela que tua mãe te ensinou a saudar três vezes ao dia.

— Minha mãe diz que não devo estar com gente que não conheço, sem sua licença; por isso dizei-me vosso nome.

— Pergunta-o à minha mãe.

Nesse momento vi a seu lado uma mulher de majestosa aparência(6), vestida de um manto todo resplandecente, como se cada um de seus pontos fosse fulgidíssima estrela. Percebendo-me cada vez mais con­ fuso em minhas perguntas e respostas, acenou para que me aproximasse, e tomando-me com bondade pela mão disse: — Olha. Vi então que todos os meninos haviam fugido, e em lugar deles estava uma multidão de ca­ britos, cães, gatos, ursos e outros animais. — Eis o teu campo, onde deves trabalhar. Toma-te humilde, forte,

(6) Aí está a segunda parte do sonho: desenrola-se na presença do Senhor e de sua Mãe, à qual passou a iniciativa da ação. Deve-se notar a grande bondade de Maria, a designação de meus filhos dada aos meninos, a “ordem de missão” novamente recebida: “Eis onde deves

trabalhar . . . deverás jazê-lo” . . . As qualidades necessárias são a humil­

dade do servo e a força do servo responsável e eficaz. O final dá ao sonho um caráter quase bíblico. João será um dia pastor de imenso rebanho de jovens, em nome do Bom Postor e daquela que num outro sonho chamará de Pastorinha ou Pastora (cf. E. Ceria, 135). Impressio­ nante sem dúvida o lugar assumido por Maria na vocação de João.

robusto (6bis); e o que agora vês acontecer a esses animais, deves fazê-lo aos meus filhos.

Tornei então a olhar, e em vez de animais ferozes apareceram mansos cordeirinhos, que saltitando e ba­ lindo corriam ao redor daquele homem e daquela se­ nhora como a fazer-lhes festa.

Nesse ponto, sempre no sonho, pus-me a chorar, e pedi que falassem de maneira que pudesse compreen­ der, porque não sabia o que tudo aquilo significava. Então ela descansou a mão em minha cabeça dizendo: —■ A seu tempo tudo compreenderás (7).

Após tais palavras, um ruído me acordou; e tudo desapareceu.

Fiquei transtornado. Parecia-me ter as mãos dolo­ ridas pelos socos que desferira, e doer-me o rosto pelos tapas recebidos; além disso aquela personagem, a mulher, as coisas ditas e ouvidas de tal modo me encheram a cabeça que naquela noite não pude mais conciliar o sono.

De manhãzinha contei logo o sonho, primeiro aos meus irmãos, que se puseram a rir, depois à minha mãe e à vovó. Cada um dava o seu palpite. O irmão José dizia: “Certamente você vai ser pastor de ovelhas, de cabras e de outros animais". Minha mãe: “Quem sabe se um dia não serás sacerdote?". Antônio com seca inflexão da voz: “A não ser que acabes como chefe de bandidos". Mas a avó que entendia muito de teologia, era de todo analfabeta, deu a sentença definitiva dizen­ do : “Não se deve dar crédito a sonhos”.

(6bis) Lemos na Bíblia que ao dar a Josué a missão de guiar o povo de Israel à terra prometida, Deus lhe diz repetidas vezes. “Sê forte e corajoso (Confortare et esto robustus). Não temas. Estarei contigo”

(Dt 31,23; Jo 1, 6-7.9).

(7) Sessenta e dois anos mais tarde, em maio de 1887, Dom Bosco celebrava uma primeira missa no novo santuário do S. Coração em Roma, uma de suas últimas realizações: “Por quinze vezes ao menos parou, tomado de forte comoção e derramando lágrimas” (MB XVIII, 340). De volta à sacristia, explicou ao seu secretário P. Viglietti: “Tinha bem viva diante dos olhos a cena do sonho sobre a Congregação quando tinha 10 anos. Via mesmo e ouvia mamãe e os irmãos discutirem sobre o s o n h o ...” (ibidetn, 341). Nesse dia compreendia realmente tudo.

Eu era do parecer de minha avó; todavia não pude nunca tirar aquele sonho de minha cabeça (8). O que vou expor doravante dará a isso algum significado. Mantive- -me sempre calado; meus parentes não lhe deram impor­ tância. Mas quando, em 1858, fui a Roma para falar com o Papa sobre a congregação salesiana, ele me fez contar pormenorizadamente tudo quanto tivesse ainda só a aparência de sobrenatural. Contei então pela primeira vez o sonho que tive na idade de nove a dez anos. O Papa mandou-me escrevê-lo no seu sentido literal por menores, e deixá-lo como estímulo aos filhos da Con­

gregação, a qual era o objetivo de minha viagem a Roma.

(ed. Ceria, 22-26) PRIMEIRA DÉCADA: 1825-1835

5. Aos 11 anos. Primeira Comunhão. “Deus toma posse do seu coração”

Eu tinha 11 anos quando fui admitido à primeira comunhão. Sabia todo o pequeno catecismo; ordina­ riamente, porém, ninguém era admitido à comunhão antes dos doze anos. Além disso, como a igreja ficava longe, o pároco não me conhecia, e eu tinha que me contentar com a instrução religiosa de minha boa mãe. Não querendo, porém, que eu me fosse adiantando em anos sem participar desse grande ato da nossa santa religião, empenhou-se ela própria em preparar-me do melhor modo possível. Durante a quaresma mandou-me todos os dias ao catecismo; fui depois examinado, aprovado, e fora marcado o dia em que todos os meninos deviam fazer a páscoa.

(8) Cada um interpreta o sonho de acordo com a própria menta­ lidade c caráter. Dom Bosco sorri ao lembrar a reação da avó “de todo analfabeta” que resolve a questão como um teólogo abalizado. O “humour” é um aspecto desse relato das Memorie: “Servirá de agradável entretenimento para os meus filhos” , dizia no começo, joãozinho não querería dar importância ao sonho, mas isso não lhe será possível. Ao escrever, parece-lhe tão decisivo ao ponto de marcar o início da primeira década dos acontecimentos que o levarão ao cumprimento da missão

No meio de muita gente era impossível evitar a distração. Minha mãe esforçou-se por seguir-me vários dias; levara-me três vezes à confissão durante a qua­ resma. — Joãozinho, disse repetidas vezes, Deus pre­ para um grande presente para ti; mas procura prepa­ rar-te bem, confessa-te, não cales nada na confissão. Confessa tudo, arrepende-te de tudo, e promete a Deus ser melhor para o futuro. — Tudo prometi; se depois fui fiel, Deus o sabe. Em casa fazia-me rezar, ler um bom livro, dando-me os conselhos que uma mãe julga oportunos para os filhos.

Naquela manhã não me deixou falar com ninguém, acompanhou-me à sagrada mesa, e fez comigo a prepa­ ração e a ação de graças, que o Vigário forâneo, cha­ mado Sismondi, zelosamente fazia com todos em voz alta e alternada. Não quis que nesse dia me ocupasse em nenhum trabalho material, mas que o consagrasse todo à leitura e à oração. Entre muitas coisas minha mãe me repetiu várias vezes estas palavras: — Querido filho, este foi um grande dia para ti. Estou certa que Deus tomou posse, de fato, do teu coração. Promete-lhe que farás o que puderes para te conservares bom até o fim da vida. Comunga muitas vezes, mas não come­ tas jamais sacrilégio. Dize sempre tudo na confissão; sê sempre obediente, vai de boa vontade ao catecismo e às pregações; mas por amor de Deus foge como da peste dos que têm más conversas.

Gravei e procurei praticar as recomendações de minha piedosa mãe: e parece-me que desde esse dia houve alguma melhora na minha vida, especialmente na obediência e na submissão aos demais, coisa que antes me causava grande repugnância, pois queria fazer sempre minhas observações infantis a quem me man­ dava ou aconselhava(9).

(ed. Ceria, 31-33)

(9) Também aqui se revela decisiva a presença da mãe. Convicta da importância da eucaristia na vida espiritual dos meninos, consegue antecipar a primeira comunhão de João, prepara-o, acompanha-o, con­ serva-o recolhido no grande dia, faz-lhe compreender a necessidade de

No documento Escritos Espirituais de S.joao Bosco (páginas 46-88)

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