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SETIMO (II) D FILIPA DE LENCASTRE

No documento as-mensagens-da-mensagem-2010.unlocked.pdf (páginas 32-34)

SETIMO (II) D. FILIPA DE LENCASTRE

Que enigma havia em teu seio Que só génios concebia? Que arcanjo teus sonhos veio Velar, maternos, um dia? Volve a nós teu rosto sério, Princesa do Santo Graal, Humano ventre do Império, Madrinha de Portugal!

26-9-1928

Lusíadas: C. IV, E. 50

Análise estilística do poema Métrica

2 Quartetos. Versos de redondilha maior (7 sílabas). Esquema rímico Rima cruzada. Número de versos 8 Observações

Construção apostrófica (pergunta retórica na 1.ª estrofe seguida de uma interpelação na 2.ª estrofe); Uso de discurso em forma de prece/súplica; discurso epigramático e elíptico com uso de hipérbato (versos 3 e 4 da 1.ª estrofe); uso de metáforas.

D. Filipa de Lencastre, foi uma princesa inglesa da casa dos Plantagenetas, filha de João de Gant, Duque de Lencastre, pela sua mulher Branca de Lencastre. Casou com D. João I em 1387 no Porto, no âmbito de uma aliança com Inglaterra e contra a França e Castela. D. Filipa teve com D. João I, oito filhos, seis dos quais atingem a maioridade, e todos sem excepção deixaram a sua marca na história, razão porque ficaram conhecidos como a Ínclita geração. Talvez o membro mais brilhante dessa Ínclita geração tenha sido o Infante D. Henrique, propulsionador das investigações e investimentos que levaram aos Descobrimentos Portugueses.

Análise linha a linha da primeira estrofe: Que enigma havia em teu seio

Que mistério há em D. Filipa de Lencastre para gerar uma prole assim. Que só génios concebia?

Só de predestinados cheia. Que arcanjo teus sonhos veio Que arcanjo anunciou a sua vinda Velar, maternos, um dia?

Em sonhos anunciar tais nascimentos. Análise contextual da primeira estrofe:

Fernando Pessoa mostra a sua admiração pela Ínclita geração. Questiona “que enigma”, que mistério havia em D. Filipa para ser ela a mãe de tais filhos, “que só génios concebia”. Pois é verdade

que todos eles fizeram grande obra: Duarte, foi Rei de Portugal; Pedro, Duque de Coimbra e considerado o príncipe mais culto do seu tempo na Europa; Henrique, Duque de Viseu foi o impulsionador dos Descobrimentos; Isabel de Portugal (1397-1471), casada com Filipe III, Duque da Borgonha, actuava muitas vezes em nome do seu marido e era dada como a verdadeira governante da Borgonha; João, Infante de Portugal foi condestável e avô do Rei D. Manuel I; Fernando, o Infante Santo morreu cativo em Fez, depois de recusar entregar Ceuta em troca da sua própria liberdade.

S~o tantos predestinados que Pessoa ironiza questionando “que arcanjo teus sonhos veio / Velar, maternos, um dia?”. Este é uma referência directa ao arcanjo Gabriel que – diz Lucas no seu Evangelho – veio anunciar o nascimento de Jesus Cristo à virgem Maria (Lc 1, 26-38)

Análise linha a linha da segunda estrofe: Volve a nós teu rosto sério,

Inspira-nos com os teus feitos. Princesa do Santo Graal,

Princesa do cálice sagrado que conteve o sangue de Cristo. Humano ventre do Império,

Origem humana de onde nasceu o Império. Madrinha de Portugal!

Protectora de Portugal.

Análise contextual da segunda estrofe:

Pessoa invoca o “rosto” materno de D. Filipa, o rosto da mãe que cuida – séria – dos seus filhos, com o olhar atento e preocupado. A invocação desta figura materna é de suma importância, visto que está em causa o futuro dos seus filhos – os Portugueses. Novamente podem encontrar-se aqui, para quem as queira achar, influências dos próprios traumas de Pessoa com a sua mãe. Considerava-a ele “séria”, porque o tinha deixado de tratar como filho único?51

“Princesa do Santo Graal”, pode ter diversas interpretações. D. Filipa de Lencastre era princesa inglesa da casa dos Plantagenetas (a origem do nome vem da giesta - plant gênet em francês – que figurava na cota de armas da família). Quem pertenceu também a esta família foi Ricardo I, coração de leão, herói da Terceira Cruzada, onde enfrentou o grande Rei Saladino.

Por outro lado há quem dê ao Santo Graal um sentido simbólico absoluto – o de representar o sangue de Cristo. E se assim for, “princesa do Santo Graal” teria o significado de ser ela a origem de uma linhagem com o sangue nobre, o sangue de Cristo, origem divina e providencial do Império ainda por nascer52.

Seja como for, é certo que ela foi o “humano ventre do Império”, nomeadamente gerando o Infante D. Henrique, e podendo assim ser considerada – pelo sangue – protectora, “madrinha” do futuro de Portugal.

51 Embora a sua dor se tenha tornado fria, “símbolo infecundo” do sofrer, Pessoa nunca se conseguiu libertar dela. Sinal mais evidente é, quanto a nós, o seu poema ortónimo “O Menino da Sua M~e”. Aí perpassa essa dor crua e Fernando Pessoa, por uma vez, aborda o tema em nome próprio. Pode ler-se aqui uma análise desse poema.

52 Alexandre Severino, analisando a influência de Thomas Carlyle na Mensagem, avança a opini~o que D. Filipa “é o elo que

une a espiritualidade dos dois países – o mito do Santo Graal ao mito do Quinto Império, Inglaterra e Portugal, o último sucessor do primeiro”. (in Alexandre Severino, Fernando Pessoa na África do Sul…, pág. 260). Clécio Quesado opta por interpretar a

express~o “princesa do Santo Gral” como referente { “mãe primeira de uma dinastia de fundadores do Ultramar, onde

Portugal teria demandado o novo Graal: o Império conquistado na era dos descobrimentos”, acrescentando ainda que “É, de fato, ainda, pela condição de dedicada mãe, de protetora dos desamparados e de devota piedosa de D. Filipa que Fernando Pessoa concebe o primeiro destes epítetos. Com efeito, é possível depreender-se o desdobramento da simbologia do graal no mito cristão em três planos que, entretanto, são entre si complementares. Ele teria sido utilizado por Cristo na Santa Ceia, nele se teria recolhido o sangue do Cristo agonizante e, ainda, na liturgia católica, ele é lembrado no cálice da consagração. Em todos esses planos está presente a noção de bondade, de altruísmo de que também se revestem a história e a lenda em torno de D. Filipa. Por outro lado, ainda, pode ser observada nessa alusão pessoana a referência à condição de novos cruzados que alguns dos membros da chamada Ínclita Geraç~o assumiram” (in Op. cit., 2.2.7.2.).

No documento as-mensagens-da-mensagem-2010.unlocked.pdf (páginas 32-34)